Segurança, Integração e Transição Energética Justa

Chamada de artigos para o número 32, 2023
Segurança, integração e transição energética justa
Prazo para submissão dos manuscritos: 31 de julho de 2023

O conceito de transição energética é usualmente associado a mudanças significativas na estrutura da matriz energética primária mundial. As transições energéticas são processos complexos, marcados pela longa coexistência entre as fontes que caracterizam as indústrias existentes e aquelas que vão progressivamente substituindo as fontes tradicionais. Por natureza, portanto, não são processos lineares. 

A transição energética pela qual o mundo passa atualmente é um processo amplo, significativo e global, que impacta diversos setores, países, suas sociedades e as relações com o meio ambiente, impulsionada primordialmente pela ambição global de combate à mudança climática e descarbonização das economias. O mundo passa por uma nova transição energética embasada em condicionantes como desenvolvimento sustentável, mudanças climáticas e inovações tecnológicas associadas à eletrônica e à entrada na era digital.

A energia não responde integralmente pelas emissões globais, mas é uma parte significativa desta equação: os usos energéticos são responsáveis por quase um terço das emissões de gases de efeito estufa. Nesse sentido, há estímulos ao uso mais eficiente dos recursos energéticos e à redução da participação do carvão mineral e do petróleo na matriz energética primária mundial em favor de fontes renováveis e da eletrificação dos conversores – em associação à maior automação e digitalização de processos, controles e serviços. O mercado de tecnologias limpas vem crescendo mundialmente e este crescimento deverá continuar a ser acelerado devido ao aprofundamento dos acordos climáticos e desdobramentos dos conflitos geopolíticos recentes. 

Há ainda uma pressão de expansão do mercado de produtos industriais verdes (de baixa ou com pouca emissão) nos próximos anos. Descarbonizar a economia numa época de digitalização, onde dados e energia se entrelaçam, transformará a indústria, não só o setor de energia. Se posicionar estrategicamente na transição energética é chave para um posicionamento dentro das cadeias de valor regionais e globais.

A transição energética é não apenas um tema central para atingir as metas do acordo de Paris, mas é também uma oportunidade de adotar um  posicionamento estratégico para os países que já têm uma matriz relativamente limpa como o Brasil. 

A intensidade de emissões do setor energético brasileiro está em torno de 40% da média mundial. Esta oportunidade estratégica está, por um lado, no potencial de explorar o conhecimento existente no desenvolvimento e adoção de tecnologias limpas de geração de energia. Por outro, está também na possibilidade de liderar o desenvolvimento de produtos industriais com pouca ou zero emissões de gases de efeito estufa. 

A discussão abrange o entorno regional, sendo necessário que se fomente a cooperação entre os países sul-americanos. A ideia de se criar um mercado regional energético fez parte da agenda da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), de forma à fomentar os investimentos na geração e distribuição de energia entre os países. Atualmente, este tema se apresenta como desafiador na região dada à precariedade da infraestrutura na região Norte (visto os episódios de falta de energia nos estados de Amapá e Roraima), à crise hídrica, que afeta a geração de energia pela Itaipu Binacional (Brasil-Paraguai), ao ABC (Argentina, Bolívia e Chile) do lítio e ao fenômeno da fragmentação das instâncias regionais na América do Sul.

Por fim, cabe ressaltar que as mudanças na matriz energética primária consistem apenas na parte diretamente mais visível dessas transições. As mudanças impactam produtores, consumidores, as respectivas cadeias tecnológicas e trabalhadores. A energia é central para o desenvolvimento socioeconômico e o processo de transição implica profundas alterações nos padrões de consumo e nas relações socioeconômicas e ambientais. Esta transformação tem efeitos sobre a capacidade de pagamento das famílias e a competitividade do sistema produtivo que são aspectos centrais na garantia de acesso aos serviços de energia. Ademais, de forma mais ampla, a transição tem efeito redistributivos pois re-valoriza os recursos ambientais, tecnológicos, empresariais e humanos. Assim, a transição energética significa também uma redistribuição de riqueza. 

Nesse sentido, as ações concretas do processo de transição energética devem ser tomadas por múltiplos agentes econômicos e políticos. É importante entender o papel, os incentivos e a interação dos agentes centrais na prestação dos serviços de energia (sejam as interações por meio de mecanismos de mercado ou reguladas), bem como a compreensão de pautas como a justiça distributiva e segurança de abastecimento energético. 

Para isto, há que considerar o tema de alocação dos custos e benefícios da transição energética tanto a nível nacional como internacional, que deverá ter em conta o Acordo de Paris, bem como a alocação de fundos climáticos, financiamento, internalização de externalidades preços e tarifas.

A discussão sobre a transição energética estratégica justa passa pelo debate sobre temas que vão além do serviço de energia em si, em que estão presentes na agenda os temas de realocação de conhecimento, capital e força de trabalho associado às novas tecnologias limpas. A transição energética é uma oportunidade para o fortalecimento da integração regional.

Desta forma, requer-se um marco amplo para que políticas de transição energética estejam atreladas ao desenvolvimento desde uma perspectiva transversal que inclua os temas: trabalho de qualidade, maior diversidade de gênero e desenvolvimento das cadeias de valor da indústria.

 

Este número da Revista Tempo do Mundo será coordenada por: 

Michelle Hallack

Michelle Hallack é economista sênior do Banco InterAmericano de Desenvolvimento em período de licença, onde foi responsável por estruturar e liderar a agenda de conhecimento da divisão de energia e plataforma de apoio ao desenvolvimento de hidrogênio limpo na América Latina e Caribe. Michelle foi professora da UFF, Conselheira de Política Energética da Escola de Regulação de Florença. Ademais, Michelle é consultora internacional e já trabalhou nos temas de energia na América Latina, Europa e Asia nos últimos 15 anos. Michelle é economista pela UNICAMP, Mestre em Economia Industrial pela UFRJ, Mestre em Economia e Gestão de Indústrias de Rede (EMIN) pela Universidade de Comillas em Madrid e Universidade de Paris, e doutora pela Universidade de Paris. 

Heloisa Borges

Heloisa Borges Esteves é doutora, mestre e bacharel em economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. É também advogada graduada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pós-graduada em Direito Público pela mesma instituição. Foi pesquisadora visitante na University of Virginia Law School e bolsista do Columbia Women´s Leadership Program, da Columbia University. Autora de diversos artigos científicos e capítulos de livros, Heloisa atuou em diversos cargos na Administração Pública Brasileira (como professora, pesquisadora e servidora federal). Desde maio de 2020, Heloisa Borges é Diretora de Estudos do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis da Empresa de Pesquisa Energética - EPE.

Elbia Gannoum 

Elbia é Presidente Executiva da ABEEólica – Associação Brasileira de Energia Eólica e Vice-Chair do GWEC – Global Wind Energia Council. Economista, Phd e Doutora pela Universidade Federal de Santa Catarina, Elbia acumulou experiências como membro da Diretoria da CCEE – Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (de junho de 2006 a abril de 2011), Economista-Chefe do Ministério de Minas e Energia (2003-2006), Coordenadora de Política Institucional do Ministério da Fazenda (2001-2002), Assessora de assuntos econômicos no Ministério de Minas e Energia (2001), Assessora na ANEEL (2000-2001) e professora da Universidade Federal de Santa Catarina (1998-2000). Acadêmica, com mais de 50 artigos publicados, Elbia é especialista em Regulação e Mercados de Energia Elétrica, tendo atuado nessa área desde 1998.

O número 32 da Revista Tempo do Mundo abordará as diferentes dimensões do desenvolvimento energético. Os interessados na temática podem submeter, entre 1º de abril e 31 de maio de 2023, seus manuscritos sobre segurança, integração e transição energética.