Política Industrial: dimensões internacionais e comparada

Chamada de artigos para o número 36

Política Industrial: dimensões internacionais e comparada

Submissões até 18 de dezembro de 2024

Lançamento: março de 2025

 

O atual contexto geopolítico internacional, marcado, entre outros fatores, pelo declínio relativo do Atlântico Norte e pela ascensão da Ásia-Pacífico, especialmente da China, reflete e intensifica profundas transformações. Dentre elas, talvez a mais evidente seja a reestruturação produtiva. A crise de 2008 expôs o fracasso das promessas da globalização e reposicionou o Estado como um dos atores centrais no processo de desenvolvimento econômico. Como resultado, as grandes economias globais retomaram a elaboração e a defesa de políticas de industrialização.

A indústria manufatureira em todo o mundo passou por modificações significativas, e a expansão geográfica e a complexidade das cadeias globais de valor transformaram a produção e a comercialização de mercadorias em atividades que mobilizam redes complexas, espalhadas por diversos setores e países. Nesse contexto, a percepção de fragilidades nessas cadeias estimulou o processo de relocalização e a revalorização dos sistemas tecnológicos, tanto nos países centrais quanto nos emergentes. Assim, a política industrial voltou a ocupar um lugar de destaque nas agendas das grandes potências e dos organismos internacionais.

Seguindo essa tendência, o Brasil lançou, em janeiro de 2024, a Nova Indústria Brasil (NIB), desenvolvida e aprovada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI). Essa política é fruto de um amplo diálogo entre os membros do Conselho, que congrega 20 ministérios, o BNDES e 21 entidades representativas da sociedade civil, realizado no segundo semestre de 2023. A NIB apresenta uma política de Neoindustrialização com um horizonte de 10 anos. Ela inova e se diferencia das políticas industriais anteriores ao incorporar o conceito de missões para o desenvolvimento, posicionando a indústria como um meio para superar os problemas da sociedade (ex. descarbonização), e não como um fim em si mesma. Em vez de ser uma política vertical subordinada ao ecossistema institucional das políticas industriais tradicionais, a NIB foi formulada para evitar sua captura por setores industriais específicos. A NIB foi elaborada em um contexto de desindustrialização da economia brasileira. Nesse cenário, Brasil e Argentina foram os dois países que mais sofreram esse fenômeno, em termos relativos, nos últimos dez anos.

Além disso, a emergência climática e a transformação energética apresentam-se como desafios e oportunidades para a NIB. Não basta apenas aumentar a produção industrial brasileira e o número de empresas de manufatura possivelmente em novos setores. É preciso diversificar e melhorar a estrutura econômica, promover a inovação e a adoção de tecnologias de ponta, promover a descarbonização, priorizar o uso de energia limpa e renovável, proteger o meio ambiente e criar bons empregos. Para isso, é essencial debater novos instrumentos e mecanismos de integração produtiva na região, além de situar a sustentabilidade em uma perspectiva geopolítica.

Outro desafio se refere à complementaridade entre as políticas industriais e fiscais e a necessária mudanças na gestão da política fiscal da economia brasileira. Desde 2016, com a implementação do teto de gastos, e atualmente, com a institucionalização do novo marco fiscal, questiona-se a capacidade do Estado de implementar políticas públicas devido às constantes restrições orçamentárias. Surge, então, a pergunta: quais instrumentos de política industrial são possíveis quando os recursos públicos para investimento e inovação são escassos?

É crucial também considerar a aceleração da transformação digital nas fábricas, conhecida como Manufatura Avançada (nos EUA) ou Indústria 4.0 e 5.0 (na Europa). As novas tecnologias utilizadas têm impactado drasticamente a redução de custos, a criação de novos modelos de negócios (como a economia de plataforma e de rede), a ampliação da importância dos serviços e os novos processos produtivos baseados em automação, alta conectividade e inteligência artificial. Outra variável que impulsionou a retomada das políticas industriais foi a aceleração da transição energética global, diante das mudanças climáticas e dos problemas ambientais e o custo cada vez menor das energias renováveis. Nesse sentido, questões ecológicas levaram inclusive ao surgimento de um novo campo de atuação: a política industrial verde e sustentável. Problemas contemporâneos, como dificuldades no fornecimento de insumos estratégicos e energia, instabilidade nas cadeias de suprimentos, necessidade de descarbonização da economia e conflitos geopolíticos, entre outros entraves e desafios, contribuíram significativamente para a retomada das políticas industriais, e são questões centrais neste número da Revista Tempo do Mundo.

Ademais, grandes potências mundiais têm adotado políticas industriais como projetos de Estado, visando enfrentar os desafios do atual cenário geopolítico. Fenômenos internacionais recentes evidenciaram a importância das cadeias regionais de abastecimento e reforçaram a tendência do nearshoring.

Nesse sentido, o debate sobre a construção das novas políticas industriais, as novas estratégias de aproximação entre países, a atualização das ferramentas de comércio exterior e os novos desafios geopolíticos para o desenvolvimento dos países em geral, e do Brasil, em particular, é fundamental para compreender as possibilidades e limitações do país e para contribuir para o debate sobre o papel que o Brasil pode desempenhar no cenário global.

Assim, este número da Revista Tempo do Mundo se propõe a discutir os desafios do desenvolvimento a partir de uma política de industrialização, em um contexto de restrição orçamentária, mudanças climáticas, transformação energética e necessidade de inovação e criação de emprego, levando em consideração as experiências internacionais de políticas industriais em perspectiva comparada.

Este número será coordenado por Daniela Freddo, professora do Departamento de Economia da Universidade de Brasília e Assessora Técnica no Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e Andrea Roventini, professor de economia da Escola de Estudos Avançados Sant'Anna, em Pisa (Itália).