A pobreza no Brasil tem cor.  Sua cor é negra. 

Nossa sociedade reproduz a pobreza de pessoas negras na medida em que estas acessam serviços públicos de baixa qualidade ou cobertura, como educação, creche ou saúde.  Reproduzimos a pobreza das pessoas negras ao restringir o seu acesso a direitos básicos como a moradia digna, o saneamento e a substituição e complementação de renda.  Por fim, também reproduzimos sua pobreza quando o mercado de trabalho paga menores salários, quando desvalorizamos e não reconhecemos suas habilidades e saberes. 

Em 2022, a renda das pessoas brancas era em média 87% maior que a renda das pessoas negras.  A maior distância era entre as mulheres negras e os homens brancos.  Estes últimos viviam em domicílios cuja renda por membro era o dobro da renda com que viviam as mulheres negras e suas famílias. 

É importante atentar para o fato de que a renda domiciliar por pessoa é um indicador que invisibiliza as desigualdades de gênero.  Isto porque, para seu cálculo, as rendas dos homens e das mulheres são somadas e divididas por todos igualmente.  Sabemos que a realidade não é assim.  Existem assimetrias de poder na família.  Muitas mulheres sequer têm renda do trabalho. Além disso, uma parcela considerável de mulheres trabalha menos horas no mercado para dar conta da carga de trabalho doméstico e de cuidados não remunerado no domicílio.  Por fim, as mulheres recebem menor remuneração por hora trabalhada, mesmo entre homens e mulheres de ocupação e escolaridade semelhante. 

No entanto, a renda domiciliar por pessoa ainda é um indicador útil para nos aproximar do bem-estar material que os membros de um mesmo domicílio usufruem, se supormos que uma parte relevante das rendas de seus moradores é compartilhada e que parte considerável dos bens e serviços do domicílio são comuns, como água, luz e sua infraestrutura.

Todas as condições de sustentação da vida domiciliar – renda, saúde, moradia digna, educação, saneamento, luz – são distribuídas de forma extremamente desigual no Brasil, desfavorecendo mulheres e homens negros, mas especialmente as mulheres negras, dificultando ainda mais a sua busca por trabalho e melhores rendimentos.  Assim, mulheres e homens negros compõe 80% dos 10% mais pobres da população brasileira, enquanto mulheres e homens brancos perfazem os 20% restantes.  Já entre os 10% mais ricos, os brancos estão sobrerepresentados, perfazendo 70%, enquanto as mulheres e homens negros perfazem os 30% restantes. 

Três linhas internacionais de pobreza são calculadas pelo Banco Mundial e comumente utilizadas a fim de comparar os países.  Após ajustá-las aos valores reais utilizando o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC-IBGE) do último trimestre de 2022, essas linhas correspondem a R$ 6,67 (referente à linha de US$ 2,15 de 2017), R$ 11,32 (US$ 3,65) e R$ 21,25 (US$ 6,85) por dia por pessoa. 

Em 2022, o Brasil tinha 5,5% de pessoas vivendo com menos de R$6,67 por dia, 11,5% de pessoas vivendo com menos de R$ 11,32 por dia e 30,1% abaixo da linha de pobreza de R$ 21,25 por pessoa por dia.  Medida pela linha de maior pobreza (R$6,67 por dia por pessoa), entre as pessoas negras a pobreza era mais que o dobro do que entre as pessoas brancas, 7,4% e 3,1% respectivamente.

É interessante notar que parte expressiva da desigualdade e pobreza brasileira também se expressa regionalmente, na medida em que a maior parte da população negra e em situação de pobreza reside na Região Norte e Nordeste.  Ainda assim, nossos dados mostram que em todos os estados há uma expressiva desigualdade racial, ou seja, reproduzimos o racismo em todos os cantos do país.

Saiba mais

TítuloAutoriaAno
A desigualdade racial da pobreza no Brasil Rafael Guerreiro Osório 2019
A desigualdade racial de renda no Brasil nas três últimas décadas Rafael Guerreiro Osório 2019
Impactos da pandemia de Covid-19 no mercado de trabalho e na distribuição de renda no Brasil Sandro Pereira Silva Carlos, Henrique Corseuil e Joana Simões Costa 2022
Faces da desigualdade de gênero e raça no Brasil Alinne de Lima Bonetti e Maria Aparecida A. Abreu 2011
Quando o teto de vidro se torna de concreto : a sub-representação de mulheres negras nos postos diretivos do Executivo federal entre 1999 e 2020 Luana Pinheiro 2023
Desigualdades no mercado de trabalho e pandemia da Covid-19 Joana Simões Costa, Ana Luiza Neves de Holanda Barbosa e Marcos Hecksher 2021
Interações entre origem de classe e raça na transmissão das desigualdades no Brasil José Alcides Figueiredo Santos 2023
O Papel da política fiscal no enfrentamento da desigualdade de gênero e raça no Brasil Fernando Gaiger Silveira, Luana Passos, Matias Cardomingo, João Pedro de Freitas Gomes, Ruth Pereira Di Rada, Luiza Nassif Pires e Pedro Romero Marques 2024
A face feminina da pobreza: sobre-representação e feminização da pobreza no Brasil Joana Simões Costa, Luana Pinheiro, Marcelo Medeiros e Cristina Queiroz 2005
As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil 120 anos após a abolição Mário Theodoro (org.), Luciana Jaccoud, Rafael Guerreiro Osório e Sergei Soares 2009