A sustentação da vida inclui inúmeras atividades que não são reconhecidas como trabalho. Isso permeia as conversas mais corriqueiras:
“Você trabalha?”
“Não, atualmente estou ficando em casa para cuidar dos meus filhos.”
Frequentemente, consideramos que apenas o trabalho remunerado no mercado é digno de ser chamado de “trabalho”. Entretanto, cuidar da casa, de nós mesmos, dos filhos, dos pais idosos, dos doentes ou pessoas com deficiência, requer muito trabalho, além de carinho, atenção e paciência.
O trabalho de cuidado, de afazeres domésticos ou para o próprio consumo, toma tempo e requer habilidades físicas, gerenciais e psicológicas. Este trabalho é majoritariamente realizado pelas mulheres, o que as deixa menos disponíveis para o trabalho no mercado.
Estar menos disponível para o mercado de trabalho não é ruim em si. Porém, como apenas o trabalho remunerado é valorizado, isso deixa as pessoas que não podem participar do mercado vulneráveis, diminuindo sua autonomia financeira e poder decisório. Quanto maior o acesso à renda e aos serviços públicos e privados que possam assumir parte das atividades de sustentação da vida, mais as mulheres estarão disponíveis para buscar trabalho remunerado.
Esse é o fenômeno da divisão sexual do trabalho. Ele gera discriminação e desigualdade entre homens e mulheres, afetando de forma mais intensa as mulheres negras e pobres, que mais assumem o trabalho não remunerado e são as mais desfavorecidas no mercado de trabalho
Em 2022, 63% da população com idade para trabalhar (16 anos de idade ou mais), participava da força de trabalho. Isto significa que elas estavam ocupadas (empregadas) ou estavam tomando providências efetivas para achar uma ocupação e estavam disponíveis para trabalhar no mercado, apesar de, naquele momento, estarem desocupadas (desempregadas). Aqui já vemos a primeira desigualdade: apenas 52% das mulheres negras e 54% das mulheres brancas participavam do mercado de trabalho remunerado. Entre os homens esse percentual era de 75% para os negros e 74% para os brancos.
Além da desocupação, o IBGE passou a coletar informações para dois novos agregados do mercado de trabalho, e os motivos que impedem quem deseja, de participar de forma plena do mercado. Entre aquelas ocupadas, o IBGE coleta a informação sobre as pessoas subocupadas por insuficiência de horas: pessoas que estão trabalhando no mercado menos de 40 horas, mas que gostariam de trabalhar mais horas e que estavam disponíveis para isso. Entre as pessoas fora da força de trabalho, o IBGE também coleta a informação sobre quem tem potencial de participar da força de trabalho: pessoas que realizaram busca efetiva por trabalho, mas não se encontravam disponíveis para trabalhar, bem como as que não realizaram busca, mas gostariam de ter um trabalho e estavam disponíveis (desalentadas).
Somando esses três agregados – pessoas desocupadas, subocupadas por insuficiência de horas e força de trabalho potencial – temos a medida de subutilização, que mostra um contingente de pessoas que desejam ativamente ter uma ocupação no mercado ou trabalhar mais horas nele. Essa medida resume as desigualdades de acesso, que são reproduzidas em cascata pela divisão sexual e racial do trabalho.
Em 2022, 18% das mulheres negras, 15% dos homens negros, 12% das mulheres brancas e 10% dos homens brancos em idade para trabalhar não foram absorvidos de forma plena pelo mercado de trabalho, mesmo desejando trabalhar.
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Título | Autoria | Ano |
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