Demora na Justiça não ocorre devido aos recursos

Demora na Justiça não ocorre devido aos recursos

Só 18% dos processos chegam à fase recursal, afirma estudo do Ipea apresentado na USP de Ribeirão Preto

A morosidade na Justiça não tem como razão os infindáveis recursos. É o que constatou um estudo do Ipea sobre o custo unitário do processo de execução fiscal, encomendado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e apresentado em 29 de setembro no I Encontro de Pesquisa Empírica em Direito, na Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto.

“Sempre ouvimos que há morosidade na Justiça porque as pessoas recorrem muito. Recorrem nada! São só 12%. No caso específico da execução fiscal, a culpa não é do sistema recursal”, afirmou o técnico de planejamento e pesquisa do Ipea Alexandre Cunha, na apresentação do estudo. “Se o processo de execução fiscal tiver todas as etapas, ele levará 16 anos! Em média, ele leva oito anos, dois meses e nove dias. Demora tanto principalmente porque a Justiça não consegue citar o réu. Ela leva mais de quatro anos para achar o executado”, explicou Cunha.

Cunha também alertou que a tentativa de combate à morosidade com o estabelecimento de metas de produtividade na verdade gera uma série de retrabalhos porque os funcionários passam a desempenhar suas tarefas apenas para alcançar a meta, sem qualquer preocupação com a qualidade ou com o resultado. “O custo médio provável do processo de execução fiscal é de R$ 4.368,00, mas o custo médio baseado em atividades é de apenas R$ 1.854,23, o resto não se sabe em quê é gasto”, mas uma boa parte pode ser explicada como sendo consequência de uma série de “deseconomias de congestionamento”.

As pesquisadoras Daniela Gabbay e Luciana Cunha, da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas, presentes ao debate com Cunha, apresentaram trabalho sobre diagnóstico de demandas repetitivas e contaram um caso em que um juiz, para bater a meta, arquivou os processos. “Esse é um efeito perverso das medidas de eficiência gerenciais pensadas em desconexão com o trajeto do conflito”, afirmou Gabbay, destacando que, muitas vezes, o advogado incita o conflito.

Objetivo da pesquisa
O estudo do Ipea é resultado de 14 meses de trabalho de uma equipe de 19 pessoas, entre elas 10 bacharéis em direito, em 2009 e 2010. O objetivo era construir uma metodologia para o cálculo do custo judicial do processo de execução fiscal. “Queríamos saber como o Poder Judiciário se organiza para prestar seus serviços”, comentou o técnico de planejamento e pesquisa do Ipea Bernardo Medeiros, moderador da mesa em que Cunha apresentou o estudo, Funcionamento e gestão na Justiça: onde estão os gargalos? Na mesma mesa, o pesquisador do Ipea Paulo Eduardo Alves da Silva discorreu sobre a gestão e o funcionamento dos cartórios judiciais. “80% do tempo do processo é passado dentro do cartório, outros 20% com juiz, advogado”, informou.

Os técnicos do Ipea apresentaram diversos trabalhos ao longo do evento. O chefe de gabinete do Instituto, Fábio de Sá e Silva, palestrou sobre o Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS) – Justiça, do Ipea, que ouviu 2.770 brasileiros em todas as unidades federativas. O trabalho mostra os conflitos mais comuns nos tribunais e como a população avalia o sistema judiciário brasileiro, com dados relacionados a promotores, juízes, defensores públicos, policiais civis e federais.

Sá e Silva também foi moderador na mesa A pesquisa em direito na concepção de políticas públicas. “Vamos debater o mapa de oportunidades e problemas”, comentou, ao dar a palavra para Priscila Specie, chefe de gabinete da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, que falou sobre o projeto de democratização do processo de elaboração legislativa. Ela reconheceu a carência de problematizações do direito a partir de problemas empíricos. Na mesma mesa estava Marcelo Vieira, secretário de Reformas do Judiciário do Ministério da Justiça e Marcelo Neves, professor titular da Universidade de Brasília (UnB).

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