Instituições públicas não estatais amenizam ausências do Estado

Instituições públicas não estatais amenizam ausências do Estado

No segundo dia de seminário, autoridades e pesquisadores continuam debates sobre o que define o público e como deve ser a atuação estatal no Brasil  

Foto: Sidney Murrieta
Evento reuniu estudiosos, pesquisadores e representantes
de instituições de dentro e de fora do governo 

O assessor da Presidência do Ipea Milko Matijascic abriu o segundo dia do seminário O público não estatal no Brasil: retomando o debate e apresentou dados do estudo Presença do Estado no Brasil. A pesquisa revela a ausência do Estado em várias áreas. Nesse contexto de carência, o assessor destacou na manhã de quinta-feira (4) a enorme potencialidade de trabalho do público não estatal, que tem presença histórica nas áreas de assistência, educação e saúde, como as Santas Casas de Misericórdia. “Sem o público não estatal no Brasil, não alcançaremos uma real condição de cidadania”, concluiu Matijascic.

João Pedro Schmidt, professor e pesquisador da Universidade de Santa Cruz do Sul, afirmou que o estatal e o público não estatal devem cooperar de forma mais intensa do que vem acontecendo. “Já existem mecanismos legais que precisam ser melhorados e, ao mesmo tempo, é preciso mudar a cultura política administrativa do País no sentido de aproveitar melhor as instituições comunitárias, o terceiro setor”, defende.

O professor destacou, ainda, que as instituições comunitárias não são necessariamente públicas não estatais. Para que sejam entendidas desse modo, não podem seguir a lógica do mercado, devem ser autônomas em relação ao Estado, mesmo quando subsidiadas por ele, e ter agilidade, ao contrário do poder público estatal, acusado de ser muito regulado.

O pesquisador e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Luís Wanderley reforçou os atributos que definem o que é público hoje. “É público não estatal e não mercantil”, afirmou. Segundo ele, essas instituições devem ser universais nos níveis federal, estadual e municipal, além de ter transparência com a participação da comunidade nas decisões, promover a democratização efetiva com o controle social e ter sustentabilidade.

A diretora executiva colegiada da Associação Brasileira de Organizações não Governamentais (Abong), Tatiana Dahmer, disse que a sociedade brasileira e o Estado conhecem pouco o conjunto das organizações não governamentais, sua diversidade e complexidade. “Nossa preocupação maior é que a regulação não trabalhe com uma lógica de definição prévia do que é legítimo de existir ou não. Isso fere a Constituição. Mas é preciso haver, sim, o controle do dinheiro público, por quem quer que o acesse.”

Tatiana argumentou que o papel da sociedade e das organizações sociais é controlar o recurso público e o Estado, mas não o contrário. “O grande problema é que hoje a sociedade, pelo menos a opinião pública difusa, acaba clamando por um controle sobre a sociedade. É uma inversão de papel”, afirmou.

Trabalho conjunto
Dom Sinésio Bohn, representante  da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), mostrou que o Estado muitas vezes construiu escolas ao lado de outras já existentes da comunidade. “Como o Estado tem os impostos e a comunidade só o voluntariado, a comunidade sempre perdeu. Muitas vezes o Estado, em relação às escolas comunitárias, tem sido concorrente no Rio Grande do Sul. Muitas escolas construídas com a colaboração da comunidade, até imponentes em sua estrutura, hoje estão vazias, abandonadas.”

Segundo Dom Sinésio, mesmo que hoje as escolas comunitárias não sejam tão abundantes, Estado e organizações sociais não devem combater um ao outro, mas servir juntos. “São os bens do povo brasileiro. Não dá para ter uma posição do Estado ‘eu tenho imposto, eu construo’, pois o povo já pagou isso tudo”, disse.

Ele também se mostrou preocupado com a realidade dos hospitais. Afirmou que a existência de instituições de saúde confessionais, que também são comunitárias, provém do fato histórico do início das comunidades cristãs e, de forma mais presente, a Igreja Católica. Essas comunidades construíram a primeira Santa Casa de Misericórdia em 1543. “Hoje no Rio Grande do Sul quase metade do SUS é de hospitais filantrópicos e das Santas Casas de Misericórdia, que têm uma antiga tradição no Brasil. Se fechassem esses hospitais, seria um caos. Por isso, a necessidade de Estado e comunidade não agirem um contra o outro, mas se complementando, inclusive com parcerias.”

Dom Sinésio acredita que a solução está em uma legislação mais bem feita e também  em uma consciência e sensibilidade do gestor público para uma democracia participativa, “em que as coisas da comunidade devem ser levadas em consideração”. Ele finalizou definindo como devem ser as organizações do terceiro setor que têm origem nas comunidades civis ou religiosas: com manifesto objetivo social, não subordinadas a empreendimentos de grupos empresariais políticos ou familiares e cujos bens não se vinculam a pessoas nem são transmitidos por herança, pois pertencem à comunidade.

O deputado Henrique Fontana encerrou o evento defendendo que o privado deve ser cada vez mais privado e o público, cada vez mais público, primando pela transparência. O parlamentar explicou que a visão de o público se restringir ao estatal é muito atrasada. Para ele, não se deve ficar preso a regras que simplificam a sociedade, mas promover o debate do papel do Estado e do setor público.

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