Taxa de homicídios no Brasil atingiu recorde em 2014

Taxa de homicídios no Brasil atingiu recorde em 2014
País tem o maior número absoluto de homicídios no mundo. Situação seria ainda mais trágica sem o Estatuto do Desarmamento

A quantidade de homicídios registrados no Brasil em 2014, coloca o país no topo do ranking em números absolutos de mortes dessa natureza. Foram 59.627 mortes e o dado foi apresentado nesta terça-feira, dia 22, no Rio de Janeiro, pelo Ipea. Para o presidente do Instituto, Jessé Souza, “o registro oficial de aproximadamente 60 mil homicídios apenas em 2014 coloca como desafio a elaboração e implementação de medidas para enfrentar essa realidade”. No entanto, o primeiro passo é elaborar um diagnóstico adequado a partir das informações disponíveis.

Os números foram analisados pelo técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea Daniel Cerqueira, durante o lançamento da Nota Técnica Atlas da Violência. Cerqueira e os pesquisadores do Ipea, em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), concluíram que, além de uma tragédia social, os dados são uma tragédia econômica, em razão dos impactos causados no setor público, nas empresas e nas famílias.

Um dos fatores que influenciam nesse resultado é o número de homicídios de homens na faixa etária entre 15 e 29 anos, que representam 46,4% das mortes do gênero masculino, acarretando diretamente uma carência na mão de obra jovem no mercado de trabalho. “As mortes apresentam consequências na produtividade futura do país em geração de renda”, disse Cerqueira, em coletiva de imprensa.

O estudo analisa as mortes violentas em todas as regiões do país e em microrregiões. Houve uma disparidade na variação das taxas de homicídios por 100 mil habitantes, entre 2004 e 2014. No Rio Grande do Norte, por exemplo, o aumento foi de 308,1% no período, enquanto em São Paulo ela diminuiu 52,4%.

A Nota Técnica projeta o que teria ocorrido caso o Estatuto do Desarmamento (ED) não tivesse sido sancionado em 2003. O resultado impressiona. A média anual de homicídios no Brasil entre 2011 e 2013 foi de 55.113. Sem o ED, esse número teria saltado para 77.889, ou seja, 41% a mais em relação ao observado. Em estados do Norte e do Nordeste, a disparidade teria sido ainda maior.

“Alagoas tem a maior taxa de homicídios de homens jovens em 2014 (270,3%), enquanto o Rio Grande do Norte passou pela maior variação nos últimos 10 anos (430,7%)”, afirmou Cerqueira. Outro aspecto abordado na Nota Técnica foi a violência contra a mulher. Entre 2004 e 2014, a taxa de homicídios desse tipo registrou aumento de 11,6%. Em 2014, o número absoluto chegou a quase 5 mil mortes.

Apesar desses resultados, o estudo afirma que as mortes não necessariamente estão relacionadas à falha das políticas públicas de proteção à mulher, pois decorrem não apenas de crimes relacionados à questão de gênero, mas também de crimes associados à violência geral na sociedade. “Das 53 mil denunciantes em 2014, 77% afirmam ser agredidas semanalmente, e em 80% desses casos a vítima tem vínculo com o agressor”, explicou Cerqueira.

Ao analisar a população afrodescendente, o estudo mostra que aos 21 anos de idade, quando há o pico das chances de uma pessoa sofrer homicídio no Brasil, pretos e pardos possuem 147% a mais de chances de serem vitimados por homicídios, em relação a indivíduos brancos, orientais e indígenas (não negros). Entre 2004 e 2014, a taxa de homicídio de afrodescendentes subiu 18,2%, enquanto a de não-negros caiu 14,6%.

Segundo o presidente do Ipea, “o aumento da letalidade atingindo jovens do sexo masculino e afrodescendentes revela-se mais elevado do que a média, apontando para um quadro de desigualdade ainda presente em nossa sociedade”. Na visão de Souza, “também é bastante preocupante que em 2014 quase 4.800 mulheres tenham sido vítimas de morte violenta no Brasil”.

O presidente do Instituto acrescentou que “a divulgação do Atlas da Violência é coerente com a missão institucional do Ipea, uma vez que a questão da violência deve ser objeto de avaliação permanente das políticas públicas em nosso país”.

Confira os principais destaques da Nota Técnica:

  • O maior número de homicídios já registrados no Brasil (59.627 em 2014) consolida uma mudança no indicador, que se distancia do patamar dos 50 a 53 mil mortes, registradas entre 2008 e 2011.
  • Com uma taxa de homicídios de 29,1 por 100 mil habitantes, o país já é responsável por mais de 10% dos números registrados no mundo. O Brasil apresenta uma das 12 maiores taxas de homicídios por 100 mil habitantes, em comparação com uma lista de 154 países.
  • Nordeste e Sul enfrentam maior crescimento na taxa de homicídios.
  • O Rio Grande do Norte teve o maior crescimento na taxa de homicídios (308,1%) do país entre 2004 e 2014, seguido de Maranhão e Ceará.
  • Em contrapartida, Cotegipe e Barreiras, ambos na Bahia, e o médio Parnaíba, no Piauí, são as microrregiões com menores taxas de homicídios do país.
  • Pernambuco é uma ilha de diminuição de homicídios no Nordeste.
  • Embora com taxas de homicídios entre as maiores do país, outros locais estão entre as maiores diminuições dos números no período, como São Paulo (-52,4%) e Rio de Janeiro (-33,3%).
  • O Espírito Santo saiu da lista dos cinco estados mais violentos do país pela primeira vez desde a década de 1980.
  • As políticas públicas ajudaram a diminuir o número de homicídios no Espírito Santo (programa Estado Presente, lançado em 2011) e Paraná (integração das Polícias Civil e Militar).
  • As microrregiões mais violentas estão no Nordeste (São Luís, no Maranhão) e Norte (Macuíba, em Rondônia).
  • Macaé, no RJ, tem a maior redução na taxa de homicídios do país no período.
  • O crescimento acelerado dos homicídios em locais interioranos e antes pacíficos é um desafio ao Pacto Nacional para Redução dos Homicídios.
  • O registro das mortes tem números confiáveis das vítimas, mas não dos agressores.
  • Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia têm o maior número de mortes causadas por agentes do Estado em serviço.
  • Produzir melhores dados da ação policial é uma proposta para diminuir a violência e a letalidade.
  • O perfil das vítimas é do sexo masculino, principalmente adolescentes.
  • Homicídios de homens jovens são 93,8% do total.
  • O pico de homicídios de homens jovens é aos 21 anos de idade.
  • Homens jovens com menos de oito anos de estudo têm 5,4 mais chances de serem vítimas de homicídio. A educação, portanto, é escudo para os homicídios.
  • Alagoas teve a maior taxa de homicídios de homens jovens em 2014 (270,3), enquanto o Rio Grande do Norte teve a maior variação nos últimos 10 anos (430,7%).
  • Enquanto houve uma redução de 61,6% na vitimização de negros em São Paulo, no Rio Grande do Norte a taxa de vitimização de negros aumentou 388,9%. Para cada não negro que sofreu homicídio em Alagoas, em média 10,6 negros eram assassinados.
  • O estado de São Paulo reduziu em 36,1% os homicídios de mulheres no período, mas no Rio Grande do Norte esse crime cresceu 333%.

Confira a entrevista com o pesquisador Daniel Cerqueira

Leia a Nota Técnica Atlas da Violência 2016 (atualizada em 05/04/2016)