Programas de defesa nacional mantêm elevada execução durante crises

Estudo avalia que dificuldades fiscais e turbulência política entre 2016 e 2019 não impediram avanços na área

A execução dos programas estratégicos de defesa nacional mostrou-se mais positiva do que se poderia esperar em um período marcado por dificuldades fiscais e por forte turbulência política. Apesar da situação econômica brasileira adversa, houve crescimento nos investimentos em projetos de alto teor tecnológico. Esta é a conclusão de um estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de autoria dos pesquisadores Luís Felipe Giesteira, Patrícia de Oliveira Matos e Thiago Borne Ferreira, que apresentaram suas conclusões no seminário virtual nesta segunda-feira (30/08). Eles examinaram 14 programas nacionais com esse foco específico, dos quais nove são considerados estratégicos para o país.

O diretor de Estudos e Relações Econômicas e Políticas Internacionais (Dinte) do Ipea, Ivan Oliveira, disse na abertura do seminário que o estudo em foco marca um novo momento na área de defesa do Ipea, que há dois anos retomou essa abordagem sob a liderança do pesquisador Felipe Giesteira, com um olhar principalmente sobre inovação. “Esse trabalho traz a perspectiva do planejamento, de como conectar uma agenda de longo prazo com um planejamento de curto prazo e traz uma avaliação específica – a defesa, tema estratégico para o país e para o Ipea, que dialoga também com diversos players, tendo em vista o assessoramento governamental e o debate público sobre a defesa nacional”, comentou Oliveira.

Os pesquisadores avaliaram se os chamados projetos estratégicos estabelecidos pela Estratégia Nacional de Defesa (END), de 2008, e pelo Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN), de 2012 vem sendo de fato priorizados. Para isso, examinaram o setor no Plano Plurianual (PPA) 2016-2019, relacionando ações, objetivos e metas aos programas estratégicos do Ministério da Defesa (MD). Entre os nove programas estratégicos, estão o submarino nuclear da Marinha, o míssil de cruzeiro nacional do Exército e o cargueiro C-390 da Força Aérea, que têm em comum elevados desafios tecnológicos para as instituições de ciência e tecnologia (ICTs) militares e para a indústria nacional.

Segundo Giesteira, a conclusão foi afirmativa e surpreendeu, uma vez que os gastos discricionários mostraram expressiva coerência entre a END, iniciada em 2008, e o PPA recente, que abrangeu três governos distintos, entre 2016 e 2019, observou. Outra conclusão que ele destacou foi a proporção de P&D – pesquisa e desenvolvimento – do Ministério da Defesa frente ao total de P&D no governo federal, que saltou de 5,9% para 8,45%, ao longo desse período. O pesquisador considerou relevante também que 37 metas desse PPA tivessem correspondência no total de 45 metas previstas na END em 2008, ou seja, 82% de aderência. E o cumprimento de metas atingiu 80,8%, outro dado significativo da pesquisa.

Giesteira contou que já estava em andamento uma pesquisa mais abrangente sobre o tema, porém, voltada para avaliar dez anos da END, completados em 2018. Uma sugestão dos colegas do Ipea que estavam no esforço de examinar o PPA 2016-2019 levou os pesquisadores a restringir o foco apenas ao período mais recente. “A indagação passou a ser se o que estava expresso no PPA do Ministério da Defesa guardava alguma coerência com a END”, disse.

Embora os resultados tenham sido satisfatórios, a pesquisa também mostrou que áreas importantes como os setores nuclear, cibernético e espacial, apresentaram desempenho destoante. A professora do Programa de Pós-graduação em Ciências Aeroespaciais da Universidade da Força Aérea (Unifa), Patrícia Matos, coautora do estudo, explicou que esses são setores prioritários, que envolvem cadeias de suprimentos diversificadas e uma ampla rede de instituições de pesquisa e desenvolvimento. Afirmou que os projetos de maior conteúdo tecnológico são os que têm menor desempenho. Entretanto, de forma geral, essas áreas obtiveram menos recursos. Além disso, é provável que a governança dispersa e dificuldades de coordenação tenham colaborado para essa discrepância, ponderou o pesquisador.

Por sua vez, o consultor da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), também coautor do estudo em debate no webinar, Thiago Borne Ferreira, observou que o webinar e o estudo são uma oportunidade para se avançar nessa análise da agenda de defesa nacional. “O recado fundamental é ter noção de quanto é importante estudar e analisar a defesa, tentar ir além e explorar esses canais de diálogo. Pensar o planejamento público de forma mais ampla”, avaliou.

No painel de debatedores, a professora-adjunta da Escola Superior de Guerra (ESG), Ariela Leske, alertou que o fim da guerra fria coincidiu com o início do processo democrático no Brasil. “O mercado mundial de defesa mudou, por isso, é importante conjugar o internacional e o nacional”, disse a professora. Ariela Leske lembrou que, enquanto muitos países reduziram seus orçamentos em função do fim da Guerra Fria e, portanto, da mudança de prioridade, como ocorreu nos Estados Unidos, França, Espanha, Suécia, por exemplo, no Brasil, houve reflexo desses fatores, mas não houve mudança de prioridade. Ela chamou a atenção também para as várias instituições que participam da defesa nacional, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), embora o Ministério da Defesa lidere esse processo que a professora considera sistêmico.

Já o professor-adjunto do Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos na Escola de Guerra Naval, Thauan Santos, que também atuou como debatedor no webinar, alertou para a necessidade de atenção ao contexto macroeconômico, de crise pandêmica e econômica e de oscilação cambial. Ele destacou a necessidade de identificar “o dono do projeto” para efeito de mapeamento dos projetos e planos. Da mesma forma, segundo ele, é importante fazer análises comparativas do Brasil com outros país da América do Sul e da Europa, por exemplo. E ponderou sobre o setor espacial, considerado altamente complexo que requer investimentos em inovação e tecnologia, e que a necessidade de “um olhar para dentro e para fora”, além de integrado e sistêmico, diante da conjuntura pandêmica.

Ao final dos debates, o diretor Ivan Oliveira disse que defesa é tema prioritário na área internacional do Ipea, que faz interseção com outras áreas do Instituto, e anunciou a agenda para setembro que prevê novo webinar sobre o ciclo de avaliação das relações bilaterais do Brasil. No próximo dia 10, estará em foco as relações comerciais com os Estados Unidos, seguindo-se outro seminário sobre indicador de custo-benefício da proteção tarifária nos setores econômicos no Brasil.

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