No segundo dia do seminário “Do Conhecimento à Ação – Diálogo Estratégico para a COP30”, as discussões conduzidas por especialistas nacionais e internacionais, representantes do governo e da sociedade civil tiveram como foco as capacidades estatais, os sistemas alimentares sustentáveis, o uso de dados na resposta a eventos climáticos e a intersecção entre gênero, raça e clima.
“Nós precisamos lembrar que, ao iniciar o governo, em 2023, pegamos uma estrutura de capacidades bastante deteriorada, principalmente na área ambiental, que foi propositadamente enfraquecida”, disse Aristides Monteiro, diretor de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais no Ipea (Dirur/Ipea).
O papel dos órgãos ambientais é fundamental para a implementação da Agenda de Ação da COP30. A redução do desmatamento, responsável por 40% das emissões brasileiras, está a cargo da fiscalização desses órgãos. Porém, grande parte deles ainda apresentam estruturas e orçamentos reduzidos para a gestão ambiental.
Para Karen Silverwood-Cope, diretora de Clima, Economia e Finanças do WRI Brasil, a presidência da COP 30 está dedicada a reformular a Agenda de Ação, que mobiliza ações climáticas voluntárias da sociedade civil e de empresas, investidores, cidades, estados e países, para intensificar a redução das emissões, a adaptação às mudanças do clima e a transição para economias sustentáveis.
Nesse contexto, o fortalecimento do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) é um desafio urgente. Em parceria com o Ministério do Meio Ambiente, o Ipea realizou um diagnóstico do sistema e constatou que metade dos municípios brasileiros não possuem secretarias ou órgãos ambientais. A questão de pessoal também é desafiadora: órgãos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) têm, respectivamente, 38% e 61% do quadro com contratos temporários.
Além disso, entre 2001 e 2022, os gastos ambientais consistiram em apenas 0,26% do orçamento federal. Entre os estados, há uma grande disparidade. “O orçamento do estado de São Paulo é maior do que o orçamento de todos os estados do Nordeste”, aponta Adriana Moura, coordenadora de Meio Ambiente da Dirur/Ipea. “No nível municipal, metade dos municípios não têm orçamento para a área ambiental”, completou.
Outro desafio é a integração de informações. Sem um sistema unificado entre união, estados e municípios para o registro das autorizações de supressão de vegetação (ASV), o governo federal não sabe quantas foram autorizadas pelos estados. “Mas temos uma meta a ser cumprida de combate ao desmatamento. Como o governo federal vai monitorar? Depois, por georreferenciamento, olhando a imagem para ver o que já foi desmatado?”, questionou Karen. Segundo ela, as ASVs emitidas pelos estados do Cerrado e Amazônia Legal já são muito maiores do que o desmatamento a ser evitado até 2035.
Rodrigo Ramiro, coordenador de Programas Ambientais e Agropecuários da Subsecretaria de Programas em Áreas Econômicas e Especiais do Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO), destacou o projeto de classificação dos gastos climáticos, liderado pelo MPO. “No PPA de 2024, foram identificadas cerca de 300 ações orçamentárias ligadas à temática ambiental, que mobilizaram e somaram, ao final do período, cerca de R$ 100 bilhões de reais do orçamento”, disse. Essa leitura do Plano Plurianual permitiu identificar uma agenda ambiental transversal.
USO DE DADOS – Representantes do Ipea, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden) discutiram o papel dos dados na formulação de soluções para eventos climáticos no Brasil. Para eles, os sistemas de dados podem fornecer governança climática em nível subnacional e aprimorar a capacidade de resposta do governo.
“Os dados que a gente produz são, sem questionamento, de uma relevância muito grande, tanto para as questões de regulação quanto para a própria questão climática”, defendeu Lubia Vinhas, coordenadora do Inpe.
Diretora do Cemaden, Regina Alvalá disse que o Brasil tem se estruturado desde 2011 para reduzir os riscos de desastres. “Para fazer essa gestão, é preciso primeiro conhecer onde estão as áreas de riscos, a vulnerabilidade das infraestruturas, da população, do território”, disse.
O coordenador de Ciência de Dados do Ipea, Rafael Pereira, contou sobre a participação do Instituto na resposta às enchentes no Rio Grande do Sul, em abril de 2024. Em parceria com o IBGE, o Ipea identificou pessoas e empresas para integrar o programa emergencial de transferência de renda criado pelo Ministério do Trabalho.
“Criamos o Geocode BR, um pacote de R 100% gratuito. Com ele, conseguimos geolocalizar 40 milhões de domicílios do Cadastro Único em 1 hora, sem custos. Cerca de 80% dessas famílias, encontramos com precisão de até 500 metros”, explicou.

GÊNERO, RAÇA E CLIMA – É necessário desenvolver indicadores de resiliência climática que consigam refletir as desigualdades de gênero, de raça e de renda. Essa foi a discussão do painel “Conectando o Plano Clima à Meta Global de Adaptação (GGA) no Contexto da COP30: indicadores de adaptação, gênero, raça e clima”.
Thaynah Gutierrez, assessora em Clima e Racismo Ambiental do Geledés – Instituto da Mulher Negra, ressaltou a necessidade de espaços mais participativos para construir indicadores. Ela lembrou do Cocozap, iniciativa do Data_labe. Durante quatro anos, a organização coletou dados sobre acesso e qualidade de saneamento no complexo de favelas da Maré com o objetivo de questionar os dados oficiais disponíveis no plano municipal de saneamento do Rio de Janeiro.
“A informação era de que o complexo da Maré estava totalmente coberto com saneamento, quando na verdade havia diversas lacunas”, contou. “Ao longo de vários anos, eles conseguiram capacitar as juventudes do território para produzir e coletar dados a partir de denúncias que eram enviadas via WhatsApp e com isso consolidar uma metodologia de geração de dados”, explicou.
“Mulheres negras, indígenas e quilombolas fazem parte de grupos especialmente expostos, e os dados que nós temos sublinham a questão do racismo ambiental em nosso país”, reforçou Inamara Melo, diretora do Departamento de Políticas de Adaptação e Resiliência às Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.

SISTEMAS ALIMENTARES SUSTENTÁVEIS – Embora a maior parte da atenção ao debate climático vá para o tema da transição energética, o sistema agroalimentar responde por ⅓ das emissões na escala global. No Brasil, considerando os efeitos direto e indiretos, essa participação é de 75%. Durante um dos painéis do evento, especialistas abordaram os desafios para a implementação de políticas públicas favoráveis à transição para sistemas alimentares sustentáveis.
“Precisamos superar a monotonia que hoje marca as várias dimensões do sistema agroalimentar global, a monotonia da produção agrícola, da produção animal e do consumo. Porque por trás dessa monotonia estão formas de relação entre sociedade e natureza que geram enormes impactos ambientais e para a saúde humana”, disse Arilson Favaretto, professor da Universidade de São Paulo (USP).
Ernesto Galindo, diretor de Avaliação, Monitoramento, Estudos e Informação Estratégica da Secretaria-Executiva do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), destacou a importância da agricultura familiar. “Está intrinsecamente vinculada à discussão ambiental. Os quilombolas, indígenas, pescadores artesanais, extrativistas contribuem com a sustentabilidade da produção e da ocupação do nosso território”, opinou.
Professora do Instituto do Meio Ambiente e Sustentabilidade da Universidade da Califórnia em Los Angeles (Ucla), Susanna Hecht reiterou os benefícios dos sistemas multifuncionais em contraposição às monoculturas. “Tem mais diversidade de meios de vida, formas culturais e eu acho importante que também tenha diversidade de mercados”, disse.
Para saber como foram as discussões no primeiro dia de evento, clique aqui.
Assista aqui a íntegra do segundo dia do Seminário: Do Conhecimento à Ação – Diálogo Estratégico para a COP30
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