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Com estudos sobre política de defesa, Revista Tempo do Mundo 37 é lançada em Brasília

Parceria entre Ipea e Ministério da Defesa foi destaque no evento de lançamento da publicação

Foto: Helio Montferre/Ipea

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) lançou em Brasília a 37ª edição da Revista Tempo do Mundo (RTM), com foco na política de defesa brasileira, na última segunda-feira (15). A RTM é um espaço de diálogo entre pesquisadores e especialistas e formuladores e executores de políticas públicas.

A edição atual reúne 16 artigos dedicados a temas como meio ambiente, mudanças climáticas e seus impactos à defesa; Inovação, Ciência e Tecnologia, Estados Unidos e OTAN, Zona de Paz de Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS); e Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), Amazônia, Dissuasão, armas estratégicas e treinamento.

O número foi coordenado por Selma Gonzales, professora da Escola Superior de Defesa (ESD), e Raphael Camargo Lima, pesquisador do King’s College London. O técnico de planejamento e pesquisa Pedro Silva Barros é o editor da RTM.

“O Ipea está fazendo um esforço de recuperação da agenda de pesquisa sobre defesa”, afirmou Pedro Silva Barros. “É um momento em que a pauta da defesa ganha muito mais interesse público e passa a afetar diretamente as políticas públicas. Vivemos em um mundo mais tenso, no qual a geopolítica assume um peso maior tanto no debate internacional quanto nacional.”

A coronel Selma Gonzales destacou a diversidade de instituições e pesquisadores participantes da mesa e ressaltou a importância da presença feminina no debate sobre defesa. “A temática não se restringe a um grupo específico e vem ganhando maior dimensão e atenção no meio acadêmico”, afirmou.

“Nossa revista prova que temos caminhado para uma maturidade do pensamento de defesa. Ela representa a consolidação de redes acadêmicas e da comunidade epistêmica construída no setor de defesa, tanto no Brasil quanto com comunidades internacionais, com foco em contribuir para o pensamento de defesa no país”, disse Raphael Camargo Lima.

O evento também contou com a participação do general Sandro Silva Cordeiro, subchefe de Política e Estratégia do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (SCPE/MD); do almirante Guilherme da Silva Costa, da Chefia de Educação e Cultura do Ministério da Defesa; e de Vinícius de Carvalho, professor de Estudos Brasileiros e Latinos Americanos do Departamento de Estudos de Guerra do King’s College London.

O almirante Guilherme da Silva Costa ressaltou os desafios do cenário internacional e a importância da formulação de políticas de defesa mais amplas. “Vemos hoje em dia os países fazendo veemente defesa dos interesses nacionais, seja pelo poder militar, seja por manobras comerciais. Temos ainda um conflito de larga escala e longa duração na Europa”, destacou.

Ele chamou atenção para a necessidade de uma abordagem multidisciplinar. “Uma política de defesa deve abranger diversos ministérios. Precisamos de incentivos para essas pesquisas, que são fundamentais. O dilema é como formar pessoas capacitadas para lidar com tudo isso”, afirmou. O almirante também enfatizou a importância da previsibilidade orçamentária para sustentar tais iniciativas.

O general Cordeiro destacou o processo de revisão da Política Nacional de Defesa (PND) e da Estratégia Nacional de Defesa (END). “São políticas nacionais e devem envolver outros ministérios”, afirmou. Ele lembrou que tanto a PND quanto a END resultam da articulação de diferentes setores da administração federal e da participação da sociedade. “Estamos abertos a sugestões e modificações da sociedade, com o objetivo de produzir um documento de consenso”, disse.

Professor do King’s College London, Vinicius de Carvalho destacou o papel da revista como espaço de reflexão sobre a responsabilidade da Defesa na sociedade. “Essa publicação ajuda a impulsionar uma reflexão dentro da sociedade sobre o que é responsabilidade de Defesa.

Como provocação, ele falou de surrealpolitik, uma referência ao conceito de realpolitik. “Ao meu ver, no ambiente internacional de hoje, o que ganha espaço é uma surrealpolitik. A realpolitik é uma forma lógica e racional, baseada em regras e normas. O que estamos vendo hoje é o contrário disso. Alianças militares antes consolidadas estão ameaçadas, e o modelo de relações baseado em normas está severamente agredido.”

Carvalho alertou ainda para os riscos do cenário atual. “A possibilidade de os conflitos já em curso em 2025 se transformarem em uma guerra única e global não é irrealista. A consequência disso é que países com as dimensões do Brasil – físicas, econômicas, políticas e militares – não poderão permanecer alheios ao que ocorre nesse contexto global de incerteza e beligerância. Ainda que pareça muito distante geograficamente, não é. Será irresponsável não se preparar, e ingênuo pensar que se pode ser amigo de todos no contexto internacional”, disse.

RTM 37 – O seminário também teve participação de cinco pesquisadoras que publicaram nesta edição – Mila Campbell, doutoranda na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Kamilla Rizzi, professora associada da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), Sabrina Evangelista, professora de Relações Internacionais da Universidade Lusófona de Lisboa, Livia Peres, doutora em Relações Internacionais pelo PPG RI San Tiago Dantas (UNESP/Unicamp/PUC-SP), e Laura Urrejola, geógrafa e pesquisadora de pós-doutorado em relações internacionais no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (Irel/UnB).

A edição 37 traz contribuições de instituições vinculadas ao Ministério da Defesa, como a Escola Superior de Defesa (ESD) e a Escola Superior de Guerra (ESG). Também contribuíram pesquisadores da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), Escola de Guerra Naval (EGN) e Universidade da Força Aérea (UNIFA), além de professores de diversas universidades federais – UnB, UFRGS, UFRJ, UFMS, UFPB – e outras instituições como a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Fundação Getúlio Vargas (FGV) e o Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas, que envolve Unesp, Unicamp e Puc-SP.

Discutindo mudanças climáticas como um “multiplicador de ameaças” para a segurança nacional, Mila Campbell apresentou o artigo “Meio ambiente, mudanças climáticas e documentos de Defesa: implicações militares no Brasil”, escrito em parceria com Oscar Medeiros Filho. Para os autores, o setor de defesa precisa contribuir para os esforços nacionais de preservação ambiental e de mitigação da emissão de gases de efeito estufa (GEEs).

“O grande salto está nas minutas que foram aprovadas agora. Elas reconhecem a necessidade de ampliar a menção às mudanças climáticas. É possível perceber que há uma dedicação muito maior de se olhar para o clima a partir desse diagnóstico do ambiente internacional”, afirmou Mila Campbell. Ela apontou lacunas entre os documentos estratégicos. “Há uma falta de continuidade entre a PND e a END. Enquanto a PND faz esse diagnóstico, a END não transforma isso em ações estratégicas de defesa”, observou.

A militarização da política externa dos Estados Unidos e seus impactos nas relações militares com o Brasil é objeto do artigo “Crisis of hegemony, militarization and Brazil–United States relations (2015–2022)”, de Livia Peres.

Segundo a autora, os EUA têm buscado reajustar sua hegemonia global, com ênfase no espaço latino-americano, por meio da ampliação de gastos em defesa, de um discurso mais incisivo e da reafirmação da cooperação em defesa, sobretudo pelo papel do Comando Sul, assim como pelas modificações na assistência de segurança na região. É uma forma de venderem uma visão de como se organizam as Forças Armadas e a sociedade. Importa como uma forma de exportar visões de mundo”, destacou.

Já o artigo “Conectografia e infraestruturas críticas na ZOPACAS: projeção de poder latente”, de Laura Urrejola e Ana Luísa Ribeiro, investiga o Atlântico Sul como um espaço geoestratégico central para a projeção de poder, focando nas infraestruturas críticas (ICs) em operação, construção ou planejamento nos países-membros da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS).

Para as autoras, essas infraestruturas críticas podem tanto fortalecer a integração regional e a soberania logística quanto aprofundar a reprimarização econômica e a dependência tecnológica. As ICs incluem portos comerciais, terminais de petróleo e gás, usinas hidrelétricas e termoelétricas, cabos submarinos de comunicação, redes de saneamento, data centers e corredores logísticos intermodais.

Laura Urrejola alertou para os riscos de não avançar em inovação. “Se nós não pensarmos em uma recuperação e realinhamento tecnológico das nossas ICs, estamos fadados à reprimarização econômica e à dependência tecnológica”, disse.

Urrejola também chamou atenção para o cenário compartilhado pelos países da região. “Esses países enfrentam desafios estruturais, como restrições orçamentárias, dependência tecnológica e baixa densidade de sistemas nacionais de inovação. É precisamente essa condição comum que pode favorecer alianças cooperativas orientadas à superação conjunta de vulnerabilidades”, avaliou.

2025\9\15 Lançamento da Revista Tempo do Mundo nº37: Política de Defesa no Brasil Contemporâneo - Desafios e Oportunidades em um Sistema Internacional em Transição

Leia aqui a edição completa sobre política de defesa no Brasil contemporâneo.

Assista à transmissão pelo canal do Ipea no YouTube.

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