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Ipea e MPO colocam envelhecimento no centro do debate sobre o futuro

Oficina reúne especialistas para pensar a Estratégia Brasil 2050 com foco no envelhecimento populacional

Foto: Helio Montferre/Ipea

Olhar para o envelhecimento da população é essencial para o planejamento a longo prazo do país. Foi com essa compreensão que o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) realizou na última terça-feira (5), em parceria com o Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO), a Oficina da Estratégia Brasil 2050: Oportunidades e Desafios do Envelhecimento Populacional

Com a participação de gestores, técnicos e especialistas, o evento é mais uma etapa da construção da Estratégia Brasil 2050, iniciativa de planejamento com foco em sustentabilidade, inovação, equilíbrio territorial e inclusão social. Na abertura, a presidenta do Ipea, Luciana Mendes Santos Servo, destacou que a grande inovação está em abordar as oportunidades pouco exploradas associadas ao envelhecimento da população, rompendo com uma visão etarista que encara o fenômeno apenas como um problema. 

“O Brasil precisa colocar a população no centro do diálogo e repensar, por exemplo, o próprio SUS a partir dessa nova perspectiva”, afirmou. “A demografia é central nesse processo. Precisamos olhar para o presente e compartilhar visões e achados que apontem caminhos para o futuro.”

Para David Meister, coordenador-geral da Estratégia de Desenvolvimento e Integração dos Planos do MPO, o planejamento precisa ser um esforço conjunto e colaborativo. Ele argumentou que é preciso deixar de encarar o envelhecimento apenas como um problema que pressiona políticas públicas e reconhecer as oportunidades que ele traz. “Uma certeza temos: todos envelhecemos. A diferença está na forma como lidamos com esse processo”, disse. 

A transição demográfica e o envelhecimento populacional têm sido temas centrais das discussões da Comissão Nacional de População e Desenvolvimento (CNPD), órgão consultivo vinculado à Secretaria-Geral da Presidência da República. Segundo Richarlls Martins, presidente da CNPD, a comissão tem buscado ampliar os esforços dentro das políticas públicas nacionais para aumentar a visibilidade do tema, tratado como realidade nacional e tendência mundial. “Precisamos compreender o envelhecimento como um indicador de direitos humanos. Essa agenda deve ser pensada a partir dessa perspectiva”, defendeu.

TRANSIÇÃO DEMOGRÁFICA – A demografia é ferramenta essencial para pensar o desenvolvimento de longo prazo e o atual cenário oferece algumas oportunidades para os países da América Latina e Caribe. É a visão de Simone Cecchini, diretor do Centro Latino-Americano e Caribe de Demografia (Celade). 

Segundo ele, o envelhecimento da população da região está sendo observado mais rapidamente que o previsto. Com isso, surge a oportunidade de impulsionar o crescimento econômico por meio do aumento do consumo e da demanda por setores como indústria farmacêutica, turismo e cuidados. Além disso, há espaço para melhorar a qualidade da educação dos jovens e reforçar a capacidade laboral das mulheres.

Algumas mudanças explicam parte do envelhecimento populacional. Entre 1950 e 2020, a taxa de fecundidade na região caiu 69%, passando de 5,8 para 1,8 filho por mulher, com projeção de queda para 1,7 em 2030. Ao mesmo tempo, a idade média para o nascimento do primeiro filho subiu de 21 anos para 24, com previsão de alcançar 28 anos até 2050. A expectativa de vida ao nascer também teve avanços significativos: era de 48,7 anos em 1950, saltou para 75,9 atualmente e deve atingir 76,9 em 2030. Já a migração intrarregional cresceu 78% nas últimas décadas, representando hoje 29% das migrações internacionais da região – o maior crescimento relativo do mundo.

“A América Latina e o Caribe estão envelhecendo rapidamente”, afirmou Cecchini. “A projeção é que o bônus demográfico regional chegue ao fim em 2028. No Brasil, já acabou”.  A população da região chegou a 664 milhões em 2024 e atingirá seu pico em 2053. Até 2050, o número de pessoas com 60 anos ou mais dobrará, e o grupo com 80 anos ou mais será o que mais crescerá, representando 22,9% dos idosos em 2060.

ECONOMIA PRATEADA – Essas tendências demográficas causam impactos sobre a economia brasileira, e existe a necessidade de repensar estratégias de desenvolvimento a partir do envelhecimento populacional. Ana Amélia Camarano, técnica de planejamento e pesquisa do Ipea, chamou atenção para a chamada “economia prateada” – um conjunto de atividades econômicas e oportunidades voltadas à população idosa. Em 2023, a população com mais de 60 anos movimentou cerca de R$ 93,3 bilhões por mês, o equivalente a 22,9% da renda total das famílias brasileiras.

O grupo de pessoas que tem entre 60 e 79 anos, representa 85,7% da população idosa (ou 13,5% da população total). Em 2023, cerca de 27% desse grupo ainda estava no mercado de trabalho, com rendimentos médios cerca de 10% superiores à média da população brasileira. Essa parcela tem se beneficiado dos avanços na medicina e da redefinição dos conceitos de juventude e velhice, podendo gerar alto valor econômico.

Também há uma crescente demanda por tecnologias e serviços que permitam aos idosos manter ou redefinir um estilo de vida saudável e ativo, com foco na preservação da capacidade funcional, prevenção de perdas, saúde, bem-estar, beleza e nutrição. “Precisamos olhar para essas tecnologias para apoiar uma sociedade em envelhecimento”, apontou Carla Santana, professora da Universidade de São Paulo (USP).

A expansão da chamada economia do cuidado, impulsionada por esse cenário, traz novas oportunidades – como o desenvolvimento de tecnologias digitais voltadas à saúde e ao cuidado (telemedicina e serviços de monitoramento, por exemplo) – e um mercado aquecido para tecnologias assistivas, incluindo dispositivos de mobilidade, adaptação residencial e apoio às atividades diárias.

Um segundo grupo, composto por pessoas com 80 anos ou mais (14,3% da população idosa), demanda atenção especial em razão da maior necessidade de cuidados. A pesquisadora apresentou projeções que apontam para um aumento expressivo da demanda por cuidados de longa duração: de 5,1 milhões de idosos que necessitavam de cuidados em 2020 para 17 milhões em 2050.

“Caso a estrutura atual de cuidado permaneça, cerca de 1 milhão de pessoas podem ficar desassistidas. Até 2050, 2,3 milhões de idosos precisarão de cuidadores remunerados”, alertou Camarano.

CUIDADO – Com a perspectiva de envelhecimento populacional, o direito ao cuidado foi um dos temas mais abordados durante a oficina. Alberto Silva Filho, técnico de planejamento e pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc) do Ipea, apresentou um diagnóstico da oferta de cuidados de longa duração para a população idosa no Brasil, com base em dados do Censo do Sistema Único de Assistência Social (Suas) de 2019 a 2023.

O estudo mapeia os serviços ofertados nas instituições de longa permanência da rede Suas, especialmente as instituições de longa permanência para idosos (ILPIs), com o objetivo de estimar a compatibilidade dessa oferta frente às projeções populacionais para 2050. As modalidades analisadas incluem unidades de acolhimento e centros-dia, com destaque para a expressiva presença das ILPIs, que representavam 93,3% das unidades de acolhimento em 2023.

Segundo os dados, o sistema de acolhimento é predominantemente não governamental (88,7%), embora a maioria das unidades (86,2%) mantenha algum tipo de parceria com o poder público. Além disso, 58,9% das instituições possuem vínculos com organizações religiosas. Em termos de distribuição territorial, essas unidades estão presentes em apenas 1.457 municípios – o que corresponde a 26,2% do total do país – com forte concentração no Sudeste, que abriga 57,5% das unidades. A única exceção são as casas-lares, mais comuns na região Centro-Oeste, onde representam 35,6% da modalidade. Esses dados revelam significativas desigualdades regionais na oferta de cuidados.

Em relação ao perfil dos acolhidos, a maioria é do sexo masculino (51,2%) e apresenta grau de dependência leve (grau I), que representa 40,2% dos casos, seguido pelos graus II (36,6%) e III (23,3%). “A pressão sobre os sistemas formais de cuidado tende a crescer”, alertou o pesquisador. “Mantidas as proporções atuais, que cerca de 465 mil idosos poderão necessitar de acolhimento em instituições de longa permanência em 2050”. 

Karla Giacomin, médica geriatra da Prefeitura de Belo Horizonte, criticou o caráter reativo do Estado brasileiro, que muitas vezes atua apenas em resposta a situações extremas, como casos de violência. “O Suas oferece casas de acolhimento como resposta à violência, mas isso não atende à demanda de cuidado de famílias que simplesmente não conseguem cuidar de seus idosos”, disse.

2025\8\5 Oficina da Estratégia Brasil 2050: Oportunidades e Desafios do Envelhecimento Populacional

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