Ipea lança dados sobre trabalho doméstico e de cuidados no Brasil, em seminário que marca o Mês da Mulher
Alguns detalhes do Plano Nacional de Cuidados foram detalhados no encontro, que aconteceu simultaneamente em Brasília e no Rio de Janeiro
Publicado em 19/03/2025 - Última modificação em 20/03/2025 às 11h41
Foto: Helio Montferre/Ipea
O seminário Trabalho, Cuidado e Parentalidades, promovido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) nesta quarta-feira (19), reuniu especialistas e gestores para debater a urgência da implementação de uma política nacional de cuidados no Brasil. Com destaque para a interseccionalidade entre gênero, raça e classe, o evento abordou a sobrecarga das mulheres, especialmente negras, no trabalho doméstico e de cuidados. Dados apresentados revelaram que 69,9% das trabalhadoras domésticas e cuidadoras remuneradas são mulheres negras, evidenciando desigualdades estruturais no país.
Na mesa de abertura, Luciana Mendes Santos Servo, presidenta da instituição, reforçou como dever do Ipea a discussão sobre a política de cuidados. “Trazemos à discussão e continuamos produzindo questões centrais da política pública e várias discussões sobre a política de cuidados, a necessidade de ter uma política de cuidados e de pensar esse cuidado em suas várias dimensões, sendo essas as dimensões não só do trabalho e da comunidade cuidadora, mas também as dimensões de saúde, de segurança social, de processo produtivo e de inserção social”, reforça a presidenta.
Luciana acrescenta que o cuidado deve se tornar, com urgência, uma política de Estado. “Uma das questões importantes é que essa discussão do cuidado se une à agenda da diversidade. O cuidado é feminino e não feminista. Ele é um olhar para a mulher responsável socialmente por uma ação, e não uma visão de que esse cuidado deveria ser compartilhado pela família, pela sociedade, pelo Estado. É preciso pensar essa política em todos os aspectos, e entender como política de oportunidades para o país”, explica.
Laís Abramo, secretária nacional de Cuidados e Família, destacou a criação, ao lado do Ministério das Mulheres, do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), responsável por elaborar a Política Nacional de Cuidados, e frisou a parceria do Ipea nesta construção. O GTI, lançado há cerca de dois anos, tem como missão formular um diagnóstico sobre o cuidado no Brasil e identificar dados de políticas para atuar aprimorando programas para este público.
“Por que é uma política de cuidados necessários? Nós temos uma legislação social dos cuidados hoje que é desigual, injusta e insustentável. O cuidado tem um público essencial para o funcionamento, para a reprodução da força de trabalho, para o funcionamento da sociedade, da economia, das instituições. Ele não interessa apenas àquela pessoa que está precisando do cuidado naquele momento, àquela família que está preocupada com o bem-estar daquela pessoa, mas a toda a sociedade”, endossa.
Raça, gênero e classe foram temas interligados trazidos por estudos de Felícia Picanço, professora do Departamento de Sociologia e Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ-RJ) para dentro da discussão do trabalho doméstico não remunerado.
“Tempo é o que disponibiliza as pessoas a ocuparem os espaços: quanto mais as mulheres estiverem retidas dentro das tarefas, das suas casas, realizando tarefas domésticas e de cuidados, menos tempo para ir a outras, participar de outras dimensões e outras esferas. Então, esse é um elemento central para a gente também saber um pouco mais, compreender essas dinâmicas que atravessam o trabalho doméstico”, explica a professora.
Ana Cláudia Oliveira, analista legislativa da Secretaria da Mulher na Câmara dos Deputados, trouxe à tona um histórico sobre as políticas de licença-paternidade no Brasil e alguns breves insights sobre sua pesquisa na Espanha a respeito do tema. “É impossível alcançar, na minha visão, a igualdade de gênero em todas as outras áreas, se a gente não resolve a igualdade na direção do trabalho de cuidados. Inclusive fatos relacionados a violência doméstica, a sub-representação de mulheres na política, tudo isso está muito relacionado à divisão sexual do trabalho, e a como as mulheres são mais impactadas pela maternidade do que os homens com a paternidade”, afirma.
Mulheres negras são 69,9% no serviço doméstico ou de cuidados no Brasil
Entre as pessoas que declaram realizar trabalho doméstico e/ou de cuidados remunerados no Brasil, 69,9% são mulheres negras. O resultado é da Pesquisa Nacional sobre Trabalho Doméstico e de Cuidados Remunerados, realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica (Ipea) e pelo Ministério da Igualdade Racial (MIR). Do total de respondentes, 93,9% eram mulheres, e 6,1%, homens.
Aspectos como raça/cor, escolaridade e formato de contratação (indicação, via agência de empregos) foram alguns dos destaques do estudo apresentados. “Chamo a atenção aqui para a proporção elevada de pessoas contratadas por acordo verbal. Então não é nem carteira assinada, nem MEI e nem autônomo, é um acordo verbal que se faz entre o contratante e a contratada”, detalha a técnica de planejamento e pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc/Ipea) e autora do artigo, Ana Amélia Camarano.
Também apresentado durante o evento, o estudo do Ipea em parceria com o Ministério da Igualdade Racial indicou que mulheres negras são as mais afetadas pelo fenômeno da subutilização. No primeiro trimestre de 2021, quando a crise econômica causada pela pandemia se refletiu em índices bastante altos desse tipo de força de trabalho, 42,8% das mulheres negras estavam nessa condição, contra 29,1% das mulheres brancas.
Um dos diferenciais da pesquisa é a análise do mercado de trabalho e reflexão das desigualdades entre mulheres negras e brancas a partir da subutilização da força de trabalho. “A subtilização da força de trabalho é uma categoria que há pouco tempo vem sendo mais abordada pela mídia. Só que esse dado pode nos dar uma análise do quadro mais completo do mercado de trabalho nacional”, alerta Marcell Santos, técnico de planejamento e pesquisa da Disoc/Ipea.
Por fim, um dos demais desafios apresentados no evento está relacionado à licença-paternidade. Foram elencados dados coletados e cruzados em três bases - Rais, Pnad Contínua e Siape - para esclarecer o histórico da falta de números sobreesse direito. Os resultados foram apresentados pela autora principal, Ana Luiza Barbosa – técnica de planejamento e pesquisa da Disoc/Ipea. “O objetivo foi ter uma análise exploratória e colocar o que se consegue estimar, ter uma robustez e ter esses dados diante de uma forma mais concreta para poder fazer a política pública com maior eficiência e eficácia, ajudando a evidenciar a lacuna deixada pela falta de registros administrativos nacionais. A falta de dados já é um dado importante. E acho que essa escassez exige ação do poder público e da sociedade, finaliza.
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