Pobreza temporária tem peso relevante na pobreza total no Brasil
Pesquisa do Ipea aponta que a pobreza Intertemporal representa entre 40% e 80% da pobreza acumulada
Publicado em 22/08/2024 - Última modificação em 22/08/2024 às 14h48
Pesquisa do Ipea aponta que a pobreza Intertemporal representa entre 40% e 80% da pobreza acumulada
Publicado em 22/08/2024 - Última modificação em 22/08/2024 às 14h48
Antonio Cruz/Agência Brasil
Estudo recém-publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) analisa a dinâmica da pobreza no Brasil entre 2015 e 2020. Os dados revelam que o percentual de indivíduos considerados ocasionalmente pobres é significativo, superando o de sempre pobres nas duas linhas de pobreza mais baixas. Na linha de pobreza de R$ 200,00 per capita, a pobreza temporária é predominante, correspondendo, em média, a cerca de 70% da pobreza acumulada. Já na linha de R$ 637,00 per capita, os pobres têm um impacto significativo, correspondendo, em média, a mais de 40% da pobreza acumulada.
O texto para discussão “Volatilidade de Renda e a Dinâmica da Pobreza no Brasil” mostra que a pobreza acumulada em duas visitas é de entre 50% e 60% maior do que a pobreza medida em uma única visita (pobreza transversal). A análise compara diferentes métodos para medir a pobreza e avaliando as implicações dessas abordagens para a formulação de políticas públicas, especialmente aquelas focadas em programas de transferência de renda. A pesquisa usou microdados da Pnad Contínua, conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que segue um esquema de painel rotativo, onde os domicílios são visitados a cada três meses, ao longo de cinco trimestres consecutivos.
Os percentuais elevados de pobreza temporária reforçam a importância de não tratar a pobreza como uma condição fixa. Os números mostram que estimativas baseadas em dados transversais tendem subestimar a dimensão do problema. A taxa de pobreza para a linha de R$ 200,00 per capita variou entre 6,4% e 8,3% nas primeiras visitas entre 2015 e 2019, enquanto a pobreza acumulada ficou entre 10,5% e 13,1%, números bastante superiores.
Entre 2016 e 2020, no Brasil, a participação dos ocasionalmente pobres na pobreza acumulada variou de acordo com a linha de pobreza. Para linhas de pobreza muito baixas, até R$ 100,00 per capita, mais de 80% da pobreza acumulada é composta por indivíduos que são pobres apenas temporariamente. À medida que a linha de pobreza aumenta, a proporção de pobreza temporária diminui, chegando a cerca de 25% quando a linha atinge R$ 1200,00 per capita. Isso indica que, quanto menor a linha de pobreza, maior é a proporção de pessoas que entram e saem da pobreza, enquanto linhas de pobreza mais altas.
“O texto aborda a análise e o monitoramento da pobreza no Brasil, destacando a importância de se considerar a dinâmica da pobreza ao invés de apenas os índices tradicionalmente calculados com base em dados transversais. Os rendimentos mensais de boa parte dos brasileiros variam muito ao longo dos meses, de modo que sempre temos famílias entrando e saindo da pobreza. Nossas medidas tradicionais não levam em conta esses movimentos, o que dá a impressão errônea de que os pobres são sempre um grupo social bem definido”, comentou Pedro Ferreira de Souza, técnico de planejamento e pesquisa do Ipea e um dos autores do estudo.
Os pesquisadores compararam de forma pioneira os resultados obtidos com três diferentes abordagens distintas, mostrando como o nível estimado de pobreza pode variar consideravelmente conforme a medida utilizada. Mesmo que a taxa de pobreza agregada permaneça constante, os pobres não são sempre os mesmos indivíduos ou famílias.
A análise comparou resultados obtidos para a pobreza transversal (calculada em um único ponto no tempo) e estimativas para pobreza dinâmica que variam conforme o grau permitido de compensação intertemporal, isto é, quanto à possibilidade de que períodos de abundância compensem períodos de escassez. A medida de contagem de períodos produz taxas de pobreza acumulada muito maiores do que as dos dados transversais, dando grande destaque para os pobres temporários.
A composição da pobreza acumulada também difere bastante entre o Brasil e as regiões metropolitanas. A pobreza crônica – isto é, o percentual dos sempre pobres – é muito menos comum nessas regiões do que no país como um todo, o que faz com que a pobreza temporária – os ocasionalmente pobres – tenha um peso muito maior na pobreza acumulada, especialmente para as linhas de pobreza mais baixas.
No caso da linha de R$ 200,00 per capita, pode-se afirmar inclusive que a pobreza acumulada metropolitana é essencialmente temporária, já que os sempre pobres não ultrapassam cerca de 20% do total de pobres. Com a linha de R$ 637,00, o contraste é ainda mais acentuado: em todos os anos, regiões metropolitanas e o Brasil como um todo apresentam percentuais semelhantes de ocasionalmente pobres, mas a pobreza crônica é até 10 pontos percentuais menor nas regiões metropolitanas.
A análise da efetividade das transferências sociais contra a pobreza explicita a importância da pobreza intertemporal para o desenho de programas sociais. Embora o Programa Bolsa Família (PBF) adote uma concepção expansiva de pobreza, aproximando-se de uma meta de cobertura compatível com a abordagem de pobreza acumulada, seus efeitos mais fortes na redução da pobreza ocorrem para as medidas de pobreza crônica. Os efeitos também são positivos para a pobreza acumulada, mas menores em magnitude até do que se vê contra a pobreza transversal.
Para os autores, estudos futuros podem tentar contornar essas questões e aprofundar a compreensão sobre a pobreza no Brasil. Há muito a descobrir, seja por esforços descritivos, metodológicos ou causais, como, por exemplo, o grau de sobreposição entre as famílias identificadas como pobres em diferentes abordagens, a melhor forma de estender medidas de focalização para contextos intertemporais e os efeitos de políticas públicas sobre os fluxos de entrada e saída da pobreza.
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