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Injustiça ambiental: a relação entre dívida pública e mudanças climáticas

Evento do T20 Brasil discute as implicações da crise climática para os países em desenvolvimento e a necessidade de uma arquitetura financeira internacional mais justa. Para economista indiana, a crise climática é um reflexo direto dessas desigualdades globais

Bruno Lima / CGCOM

Em evento no Rio de Janeiro, que ampliou o entendimento das intersecções entre dívida pública e mudanças climáticas nos países em desenvolvimento, especialistas discutiram abordagens para a construção de um futuro mais sustentável, com destaque para a importância da equidade social e a necessidade de ações concretas contra a desigualdade e as mudanças climáticas. Organizada pelo T20 Brasil, que reúne centros de pesquisa de todo o mundo, a conferência "A Relação Entre Dívida Pública e as Mudanças Climáticas nos Países em Desenvolvimento" trouxe a necessidade de reformas estruturais para enfrentar os desafios globais contemporâneos.

A economista indiana Jayati Ghosh, professora da Universidade de Massachusetts e uma das vozes mais influentes na discussão sobre desigualdade global, não poupou críticas ao cenário atual. Ela abriu sua fala abordando a intrínseca relação entre desigualdade e emissões de carbono, apontando que "as maiores emissões de carbono vêm dos países centrais e das elites globais, que historicamente têm sido os maiores beneficiários do sistema econômico mundial". Para Ghosh, a crise climática é um reflexo direto dessas desigualdades, pois enquanto os países desenvolvidos e as elites acumulam riqueza, os países em desenvolvimento e as populações vulneráveis enfrentam as piores consequências.

A economista argumentou que as políticas atuais, que deveriam mitigar os impactos das mudanças climáticas, muitas vezes acabam exacerbando as desigualdades. “O paradoxo da transição energética é que ela está criando novas formas de desigualdade, tanto entre países quanto dentro deles”, observou Ghosh. Ela destacou que a concentração de tecnologias essenciais para a transição energética nas mãos de poucos países ricos e da China impede que nações em desenvolvimento tenham acesso a esses recursos, perpetuando um ciclo de dependência e subdesenvolvimento. “A transição energética, ao invés de ser uma oportunidade para corrigir desigualdades, está se tornando uma nova fonte de exploração, especialmente em relação aos recursos minerais em países do Sul Global”, alertou.

Necessidade de uma nova Arquitetura Financeira Internacional
Outro ponto abordado por Ghosh foi a situação das dívidas soberanas dos países em desenvolvimento. Ela explicou como essas dívidas, frequentemente contraídas em condições desfavoráveis, tornam impossível para esses países investir adequadamente em infraestruturas resilientes e em políticas de adaptação climática. “Os países de baixa renda estão sendo estrangulados por dívidas impagáveis, com spreads muito mais altos do que os praticados nas economias avançadas”, afirmou. Segundo Ghosh, essa situação é agravada pela falta de uma estrutura internacional que possibilite a renegociação de dívidas de maneira justa e eficaz.

A economista indiana defendeu a revisão da arquitetura financeira internacional, sugerindo que os países em desenvolvimento precisam de "um novo contrato social global" que leve em consideração as disparidades históricas e as responsabilidades ambientais. “Precisamos de uma estrutura que permita a esses países respirar, para que possam investir em seu futuro sem estar constantemente à beira do colapso financeiro”, argumentou. Ela também ressaltou que as soluções para a crise da dívida precisam ir além das tradicionais medidas de austeridade, que apenas aprofundam a miséria e a instabilidade social.

Luciana Mendes Santos Servo, presidenta do Ipea e uma das líderes do T20 Brasil, compartilhou a visão do grupo sobre os desafios globais. Ela destacou que o principal objetivo do T20 é transformar as recomendações elaboradas nas conferências em políticas públicas que possam ser implementadas pelos governos. “O que discutimos aqui precisa sair do papel e se transformar em ações concretas. O desafio é enorme, mas a necessidade é urgente”, disse Servo.

Servo também sublinhou que as discussões do T20 devem levar em conta a diversidade de contextos entre os países membros. Para ela, o sucesso do grupo depende de sua capacidade de articular uma agenda global que seja inclusiva e que leve em consideração as realidades econômicas e sociais dos países em desenvolvimento. “A mudança climática não é um problema isolado, mas sim parte de uma rede de crises interconectadas que incluem pobreza, desigualdade e dívida. Precisamos de uma abordagem holística para enfrentar esses desafios”, afirmou Servo.

Tatiana Berringer, pesquisadora de políticas internacionais e representante do Ministério da Fazenda no G20 Social, analisou a questão da dívida pública nos países vulneráveis a desastres climáticos. Segundo ela, a maior parte dos recursos financeiros nesses países é destinada ao pagamento de dívidas, deixando pouca margem para investimentos em infraestrutura climática. “É um ciclo vicioso: as dívidas acumulam-se devido à necessidade de reconstrução após desastres climáticos, e a falta de investimentos em resiliência apenas agrava a situação”, afirmou Berringer.

Beatriz Mattos, especialista em financiamento climático, abordou as desigualdades inerentes ao sistema de financiamento climático atual. Ela questionou a justiça dos empréstimos a juros de mercado, que acabam por agravar a situação de países já endividados. “Financiamento climático não pode ser uma ferramenta de opressão econômica. Se continuarmos usando o sistema atual, estaremos perpetuando a desigualdade em vez de combatê-la”, criticou Mattos.

Ana Garcia, especialista em transição energética, trouxe o foco para o contexto brasileiro. Ela destacou que, apesar das enormes oportunidades para a transição energética no Brasil, como os vastos recursos hídricos e eólicos, o país enfrenta desafios significativos devido às limitações fiscais impostas pelo teto de gastos. “O Brasil tem um potencial enorme para liderar a transição energética na América Latina, mas precisamos negociar melhor com as multinacionais para garantir que os benefícios dessa transição sejam distribuídos de maneira justa”, concluiu Garcia.

A mensagem central de Jayati Ghosh, ecoada por todos, é clara: sem uma reestruturação da arquitetura financeira internacional, que leve em conta as realidades dos países em desenvolvimento, qualquer tentativa de mitigar as mudanças climáticas será insuficiente e, pior ainda, poderá aprofundar as desigualdades existentes.

Fonte: G20.org/pt-br

 

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