Crédito: André Telles
A cooperação mais estreita entre os países é a base para a superação de problemas como a fome e a pobreza e para o avanço do planeta rumo a uma nova economia de baixo carbono. Essa premissa está presente numa série de recomendações de políticas públicas divulgada pelo Comitê organizador do T20 Brasil, um dos grupos de engajamento do G20, que reúne think tanks dos países membros.
As sugestões ao bloco são o resultado do trabalho de seis forças-tarefa, ao longo dos últimos meses, envolvendo temas da agenda global como mudanças climáticas, desenvolvimento sustentável, redução das desigualdades, transições energéticas e transformação digital, comércio internacional e reforma das instituições multilaterais. As conclusões serão entregues aos líderes do G20, para que possam subsidiar novas políticas públicas e decisões, fortalecendo a presidência brasileira do bloco.
Na visão dos think tanks, o G20 deve aproveitar sua posição para influenciar os demais países e levar adiante a reforma e o fortalecimento da governança global e dos mecanismos financeiros internacionais. A intenção é que as organizações envolvidas possam ter um papel mais efetivo no enfrentamento a esses desafios, desbloqueando os recursos necessários e direcionando esforços para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e as metas do Acordo de Paris.
“A cooperação internacional para intensificar a luta contra a fome e a pobreza, acelerar transições energéticas justas, abordar a estabilidade financeira e o fardo da dívida, apoiar o espaço fiscal para investimentos relacionados ao desenvolvimento sustentável e fomentar a transformação digital inclusiva será um motor chave para o desenvolvimento econômico e social no século XXI, contribuindo para combater as desigualdades estruturais”, afirma o texto do “Communiqué”, documento que será entregue aos líderes do G20.
A partir de agora, essas recomendações serão disseminadas, em eventos e artigos, com colaboração dos parceiros internacionais, para garantir a continuidade da abordagem dessa agenda estratégica em outros fóruns multilaterais, especialmente a COP30, no próximo ano. A hospedagem desses dois eventos é uma oportunidade para a inserção internacional do Brasil e para trazer impactos positivos e duradouros para o desenvolvimento do país.
O trabalho do T20 Brasil foi coordenado pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), pela Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). As recomendações baseiam-se em mais de 300 policy briefs, propostas por 121 think tanks, que foram analisadas, revisadas por pares e aprovadas pelas Forças-Tarefa.
A Midterm Conference do T20 Brasil foi realizada por CEBRI, Ipea, FUNAG, Prefeitura do Rio de Janeiro e BNDES, e patrocinada por CAF, Equinor, Veirano Advogados, AWS, Microsoft, KAS Brasil e Suzano.
José Pio Borges, presidente do Conselho Curador do CEBRI, ressaltou que as conclusões do trabalho do T20 Brasil devem ter sinergia com as prioridades estabelecidas pelo governo brasileiro no comando do G20, mas não necessariamente restringir-se a elas. O objetivo do T20, ao lado de outros grupos de engajamento, é garantir um espaço de influência da sociedade civil na formulação de políticas públicas e na tomada de decisões.
Entre os pontos abordados pelas forças-tarefa, Pio Borges destaca as agendas de transição energética e transformação digital como motores do crescimento econômico neste século. “Acreditamos que promover o crescimento econômico é a estratégia mais eficaz para combater estruturalmente a pobreza e a fome a longo prazo”, defendeu. “A necessidade de promover a descarbonização econômica e as transições energéticas deve ser vista como oportunidade, em vez de um fardo que pode potencialmente prejudicar a atividade econômica”, disse Pio Borges.
Para Julia Dias Leite, diretora presidente do CEBRI, o setor privado terá papel fundamental nos investimentos em energia renovável e infraestrutura sustentável. Atrair esses investimentos depende de políticas públicas que criem um ambiente de negócios seguro. “O CEBRI espera colaborar com o debate público para que a presidência brasileira no G20 traga resultados concretos aos desafios da agenda global” afirmou a executiva.
A presidente do Ipea, Luciana Mendes Santos Servo, afirmou que a alta qualidade do Communiqué é fruto de um trabalho intenso de seis meses e reflete a capacidade técnica e competência política dos representantes de think tanks e especialistas que enviaram recomendações de políticas públicas. “O T20 Brasil destaca-se pela representatividade de gênero, com três mulheres na liderança do Comitê Organizador e mais de 60% das co-lideranças das forças-tarefas. Acrescenta-se a isso incluir, pela primeira vez, um subtópico de igualdade étnico-racial, entendendo assim que o combate às discriminações e desigualdades é um desafio, mas também uma oportunidade para o desenvolvimento do Brasil e do mundo”, declarou.
A embaixadora Márcia Loureiro, presidente da FUNAG, afirmou que as forças-tarefa demonstraram empenho em apresentar propostas que possam ser uma contribuição realista e objetiva para a construção de consensos nas instâncias oficiais. Buscaram, também, assegurar a coerência entre os temas sob exame no T20 e a agenda mais ampla em discussão nos foros multilaterais. As instituições participantes têm presente que as deliberações do G20, que representa 85% do PIB mundial e 75% do comércio internacional, têm impacto também sobre os países não pertencentes ao grupo. Para ela, as forças-tarefa enfatizam, ainda, a necessidade de aperfeiçoar os mecanismos de seguimento da implementação dos compromissos assumidos no G20. A embaixadora destacou expressões que se repetem nos textos produzidos pelas forças-tarefa e que refletem questões emergentes: policrise, neoprotecionismo, finanças sustentáveis, justiça climática, saúde única, conectividade significativa, inteligência artificial centrada no ser humano. “É um vocabulário em evolução nas relações internacionais. São as novas complexidades, os nossos novos desafios.”
Helena Tenório, diretora do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ressaltou a importância da presidência brasileira do G20 e do trabalho do T20 por apresentarem um olhar do Sul Global, dando voz a economias que normalmente são pouco ouvidas em fóruns internacionais. Segundo ela, algumas recomendações do T20 têm o BNDES como agente muito ativo. Por exemplo, no reforço à cooperação multilateral: “O BNDES pode ser uma ponte entre a academia, os think tanks, o setor financeiro, o governo e o setor privado e é um grande executor de ideias e políticas públicas.”
Lucas Padilha, chefe da Casa Civil da Prefeitura do Rio e presidente do Comitê Rio G20, ressaltou o fato de o Rio sediar o evento: “O Rio é capital do G20 por causa do legado intelectual intencional que se pretende para o G20 e para a cidade. O Rio não é só uma paisagem. Também é uma cidade com grandes think tanks, centros de pesquisa, é a cidade das academias. É uma cidade com a participação social, essa marca que vem desde a ECO-92 e que se reflete agora no G20, nos grupos de engajamento”, afirmou.
No primeiro painel, “Ação Climática Sustentável e Transições energéticas” o embaixador André Corrêa do Lago, secretário de Clima e Energia do Ministério das Relações Exteriores, comentou os objetivos elencados pela presidência brasileira no G20 para essa área — acelerar o financiamento da transição climática, atacando a dimensão social da questão, e os incentivos aos combustíveis sustentáveis. Ele chamou atenção para dados da Agência Internacional de Energia que mostram que os os recursos necessários para o financiamento climático vã muito além dos cerca de US$ 100 bilhões anuais que vêm sendo discutido nos fóruns mundiais: “Precisamos de trilhões todos os anos”. Esse alto custo, ponderou, não pode representar uma piora na qualidade de vida das populações.
Céline Kauffmann, diretora de programas do Instituto para o Desenvolvimento Sustentável e Relações Internacionais (IDDRI), afirmou que a liderança do G20 abre oportunidades para debater uma taxação dos super ricos e uma reforma de bancos multilaterais e instituições financeiras, com padronização de critérios para empréstimos aos países baixa renda, que sofrem com mais intensidade os impactos da adaptação climática e da transição energética. Clarissa Lins, senior fellow do CEBRI, que moderou o painel, acentuou a preocupação com a mitigação dos efeitos climáticos. “O mundo precisa aumentar a escala e diversificar geograficamente investimentos em fontes de energia, assegurando uma transição global e justa.”
Helena Tenório, do BNDES, afirmou que a transformação digital atrai cada vez mais a atenção das companhias, governos, sociedade, por causa da velocidade das mudanças. Ela falou sobre a importância de uma mobilização dos bancos de desenvolvimento ao redor do mundo: “Investimento em tecnologia é algo arriscado, mas é natural. Mas quando a inovação inclui justiça social, aspectos de gênero e muito mais, se torna ainda mais arriscada e cara. Por isso que acredito que os bancos de desenvolvimento e os governos têm uma missão: a inovação tem suas externalidades”, afirmou.
Chrstian Perrone, diretor de assuntos governamentais da Microsoft, disse que a recomendação básica que o G20 pode garantir é a de criar situações onde seja possível encontrar alinhamento entre os países para uma governança, com arranjos que promovam o desenvolvimento e a inovação responsáveis e reduzam os potenciais riscos que possam existir nessa agenda.
No painel que abordou a reforma da arquitetura financeira internacional, o embaixador Marcos Caramuru, integrante do Conselho Consultivo Internacional do CEBRI, destacou algumas das recomendações do T20, como a aprovação de um empréstimo para um novo projeto que leve em consideração os compromissos do tomador em desenvolvimento e sustentabilidade. Ele defendeu a criação de novas instituições internacionais para lidar com a transição para a economia de baixo carbono. "Precisamos que as antigas instituições melhorem suas capacidades para lidar com os riscos em termos de desenvolvimento e respostas aos países que ainda se sentem atrasados”, disse.
No debate sobre Comércio Internacional e Investimento, Elisa Fraga, secretária de comércio internacional do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, afirmou que a adoção de regulamentações verdes é uma das prioridades do grupo de trabalho de comércio e investimento da pasta. Segundo ela, é uma orientação explícita da presidência brasileira trabalhar com os grupos de engajamento, sobretudo B20 e T20. Entre as prioridades, está mapear os desafios que as mulheres enfrentam no comércio internacional.
Maarten Smeets, do World Trade Institute (WTI) ressaltou as dificuldades em lidar com questões como o neoprotecionismo, que deve ser combatido. Ele afirmou que é preciso haver uma revisão dos subsídios, no nível da Organização Mundial do Comércio (OMC).
A ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, conselheira emérita do CEBRI, participou do painel sobre o fortalecimento do multilateralismo e da governança global. Para ela, quando se discute a ordem internacional, para reformar e renovar instituições que entendem melhor como o sistema multilateral deve avançar, é preciso entender que hoje as condições são diferentes. “Não só porque o mundo mudou, mas porque a mudança climática está acontecendo. Quando discutimos esses acordos globais, era para discutir sobre as consequências no futuro. Um dos aspectos-chave do debate hoje é que colapsamos a ideia de futuro com a mudança climática. A ideia de que podemos resolver tudo acabou, porque precisamos gerenciar e consertar as coisas com a mudança climática acontecendo”, ponderou. Ela enfatizou que a questão é política e não apenas científica: “Apesar de termos a ciência hoje como um jogador político, não podemos fazer isso apenas com a ciência, precisamos da política no mundo.”
Flora Myamba, Diretora Executiva do Women and Social Protection Tanzania (WSP), disse no painel sobre combate à pobreza, à fome e às desigualdades, que na África, a maioria das políticas e programas ainda dependem de doadores, e há vontade limitada dos governantes em comprometer recursos. “Infelizmente, raramente os países se comprometem a alocar recursos financeiros de forma sustentável para a proteção social.”
Rafael Osório, do IPEA, defendeu maior investimento na qualidade dos dados em pesquisas. “Muitos países têm esses problemas [diferenças étnicas, preconceito racial e discriminação] e isso não se reflete nos inquéritos aos agregados familiares. Então são essas as desigualdades que não estamos vendo e que devemos começar a ver. Temos de começar a promover esta agenda a nível internacional. Temos que aprender como este fenômeno se manifesta em outros países. Neste sentido, devemos fazer um esforço para que os poderosos tomadores de decisão compreendam que esta não é apenas uma questão latino-americana e americana, esta é uma questão que é global e assume diferentes formas em todo o mundo.”
Síntese das recomendações do T20
Dez recomendações do T20
Com base nas recomendações das seis forças tarefas, o Comitê Organizador destacou dez recomendações transversais prioritárias ao G20
1) Aliança Global contra a fome e a pobreza
O G20 deve garantir apoio político e compromisso com a Aliança Global contra a Fome e a pobreza, que será lançada no final do mandato do Brasil na presidência do G20. Essa aliança deverá mobilizar financiamento, facilitar o acesso aos fundos existentes, partilhar conhecimento e transferência de tecnologia para apoiar os países.
2) Política fiscal progressiva e reorientação de subsídios a combustíveis fósseis para promoção da justiça climática
Apoio do G20 à criação de um imposto mínimo global sobre indivíduos de alta renda e corporações altamente poluentes, e a mecanismos de combate à evasão fiscal. Esses recursos e aqueles obtidos pela readequação dos subsídios aos combustíveis fósseis devem ser usados para fortalecer políticas redistributivas, sistemas de proteção social universais, criação de empregos decentes e iniciativas de adaptação e mitigação das mudanças climáticas.
3) Financiamento acessível para o clima, o desenvolvimento sustentável e a transição energética justa
O G20 deve apoiar a reforma dos Bancos Multilaterais de Desenvolvimento (BMDs) proposta pela presidência brasileira e otimizar o acesso de países de baixa renda aos Fundos Climáticos Multilaterais. O grupo deve promover a cooperação entre os BMDs para compartilhar riscos, diversificar fontes e melhorar as oportunidades de uso de moedas locais. O financiamento público deve ser complementado por mecanismos inovadores de financiamento misto para suprir falhas de mercado e mitigar riscos de investimentos em países em desenvolvimento, alavancando a alocação de recursos privados para o clima e o desenvolvimento sustentável.
4) Tecnologia e financiamento para planos de transição energética
O G20 deve dar apoio institucional e financeiro para que cada país desenvolva e implemente planos de transição para adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, conservação e uso sustentável dos recursos da biodiversidade e acesso universal à energia limpa e acessível. Esses planos devem incluir a requalificação dos trabalhadores e oferecer proteção social a populações que vivem em áreas de risco ambiental.
5) Reforma do FMI
Os países do G20 devem apoiar uma reforma nas regras para reestruturação de dívidas e na política de empréstimos do FMI, para expandir o espaço fiscal para investimentos em desenvolvimento inclusivo e sustentável.
6) Data20, plataforma para cooperação na governança de dados
A Data20 deve ser uma plataforma multilateral para a formulação de políticas que aproveitem os benefícios, promovam a responsabilidade e reduzam os danos associados à produção e uso de dados. Questões como integridade da informação, justiça climática, saúde, futuro do trabalho, sistemas de IA não discriminatórios, Infraestruturas Públicas Digitais, paridade regulatória e justiça de dados são prioridades.
7) Cooperação e inclusão no uso da IA
O G20 deve desenvolver normas e alavancar recursos para promover a governança participativa e o co-design de Infraestruturas Públicas Digitais (DPIs) e Inteligência Artificial (IA), fomentando a responsabilidade e uma abordagem inclusiva, imparcial e autodeterminada para o desenvolvimento de dados digitais. É preciso priorizar a digitalização inclusiva dos serviços públicos e o uso da IA para promover maior eficiência de recursos em energia, transporte, saúde etc., para alcançar os ODS e enfrentar a divisão digital Norte-Sul.
8) Reforma da OMC
O G20 deve trabalhar para aumentar a capacidade da OMC de salvaguardar um sistema de comércio aberto, justo, equitativo e sustentável. Deve enfrentar a proliferação de barreiras neoprotecionistas e onerosas, desenvolvendo padrões comuns relativos à transformação digital e à sustentabilidade das cadeias globais de suprimentos. Esse processo deve incluir a renovação do mandato da OMC, a revitalização do sistema de resolução de disputas e o apoio a negociações multilaterais.
9) Acesso à saúde
O G20 deve priorizar a cobertura universal de saúde e a organização dos sistemas de saúde, expandindo serviços acessíveis para populações, comunidades e regiões vulneráveis, além de aumentar o financiamento, a transferência tecnológica e a inclusão digital. O G20 deve também apoiar a criação de um fundo global de vacinação.
10) Traduzir em ações os compromissos do G20 em igualdade de gênero, racial e étnica
O G20 deve pedir à ONU apoio para o design e implementação de políticas para enfrentar as desigualdades e discriminações de gênero, raça e etnia. Para isso, é essencial realizar reformas há muito necessárias na estrutura de governança das organizações multilaterais e instituições financeiras internacionais.
Para mais informações, acesse t20brasil.org.
https://t20brasil.org/en/communique
Transmissão gravada:
Dia 2 de julho: https://www.youtube.com/watch?v=0jinYvfKWuM
Dia 3 de julho: https://www.youtube.com/watch?v=iqaTx4V30_U
Comunicação | Ipea
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