Importância da interseccionalidade nas políticas públicas é tema de seminário no Ipea
Evento marcou também o lançamento da “Pesquisa Nacional sobre Trabalho Doméstico e de Cuidados”, na qual o instituto pretende conhecer melhor o perfil de quem cuida no Brasil
Publicado em 14/03/2024 - Última modificação em 15/03/2024 às 17h37
Helio Montferre/Ipea
Em celebração ao Mês da Mulher e à memória da escritora Carolina Maria de Jesus, que completaria 110 anos nesta quinta-feira (14), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) reuniu especialistas para debater o tema “Somos Muitas e Diferentes Mulheres: Interseccionalidade e Políticas Públicas”. O seminário também marcou o lançamento da Pesquisa Nacional sobre Trabalho Doméstico e de Cuidados, com o objetivo de melhor compreender o perfil dos cuidadores no Brasil: incluindo as cuidadoras de idosos e de crianças nos domicílios e as trabalhadoras domésticas, entre outros, contribuindo para o desenvolvimento de políticas direcionadas a esse público.
Ao citar a obra "Quarto de Despejo" (1960), de autoria de Carolina Maria de Jesus, a presidenta do Ipea, Luciana Mendes Santos Servo, frisou a importância da aplicação da interseccionalidade desde o início das pesquisas sociais.“Temos que fazer política pública com olhar para dentro, para estabelecer diálogos conosco, fazendo pesquisa e dados que trazem a realidade. A força da pesquisa do Ipea e sua contribuição para a política pública dependem desse olhar interseccional. Ao olhar uma perspectiva urbana, por exemplo, é preciso trazer perspectiva de gênero, raça e etnia”, enfatizou a presidenta na abertura do evento.
A diretora de Avaliação e Monitoramento do Ministério da Igualdade Racial (MIR), Tatiana Dias Silva, destacou a importância do debate. “É uma alegria discutir sobre interseccionalidade tendo a Carolina Maria como homenageada, porque ela é a personificação desse tema: mulher negra, pobre, periférica, mãe solo e trabalhadora doméstica que enfrentou nesse corpo todas essas desigualdades. É sobre ressignificar que, com dois anos de escolaridade e em pleno início do século passado, ela trouxe reflexões hoje compartilhadas em mais de 14 idiomas”, disse.
O termo “interseccionalidade”, criado em 1989 pela jurista norte-americana e estudiosa da teoria crítica racial Kimberlé Crenshaw, está sendo cada vez mais defendido por líderes na formulação e construção de políticas sociais, principalmente devido à necessidade de incorporar saberes e políticas provenientes da experiência de ser mulher, negra, e popular. “Essa análise interseccional é, antes de tudo, uma busca por justiça social. Busca desvendar diferentes eixos de opressão, que interseccionam a vida de todos nós - alguns mais, outros menos. O Estado não foi formado a partir dessa perspectiva”, complementou Tatiana.
A programação contou com docentes de universidades renomadas, como a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade de Brasília (UnB). No painel “Interseccionalidade: O que é e por que é importante para as políticas públicas?”, a professora da UnB Mariléia de Almeida destacou a interseccionalidade como uma “ferramenta analítica para políticas públicas e visibilidade para opressões”. “Chamo atenção também para a importância de considerar a interseccionalidade como uma ferramenta para dar visibilidade às experiências como locais de produção de conhecimento legítimo, saberes e conceitos”, declarou a docente.
Participaram também do encontro Bárbara Castro, professora da Unicamp, com o tema “Mulheres populares: vida laboral e de cuidados das mulheres de menores rendas no Brasil”; e Ranna Mirthes Sousa Corrêa, pesquisadora bolsista na Coordenação de Gênero, Raça e Gerações do Ipea, com o tema “Mulheres negras: experiência e luta na sustentação da vida, entre o cuidado, o estado e o mercado”, no qual a antropóloga traz percepções de sua pesquisa sobre lutas por creche e infraestrutura de mulheres negras no Morro da Polícia (RS).
Carolina Maria de Jesus nasceu em 14 de março de 1914, em Sacramento, Minas Gerais. Trabalhou como doméstica, catadora de lixo e vendedora. Mãe de três filhos – Vera Eunice, João José e José Carlos –, ela foi pioneira no trabalho sobre mulheres nas periferias, como na Favela do Canindé, em São Paulo, onde morou parte de sua vida. Consagrou-se como escritora, compositora, cantora e poetisa, assinando obras conhecidas até hoje, como "Quarto de Despejo: diário de uma favelada" (1960), "Pedaços de Fome" (1963), "Diário de Bitita" (1986/póstumo) e "Antologia Pessoal" (1996). Aos 62 anos, Carolina faleceu em 1977, vítima de insuficiência respiratória.
Pesquisa Nacional sobre Trabalho de Cuidado
O tema do trabalho de cuidado, que ganhou maior destaque no país em 2023 ao se tornar o eixo central da redação do Enem, foi debatido com ênfase pelas palestrantes no evento. Números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que há duas décadas as mulheres no Brasil trabalham, em média, o dobro que os homens nos cuidados e afazeres domésticos não remunerados.
A presença de idosos com 80 anos ou mais de idade também afeta de maneira diferente as mulheres e os homens, e as diferentes mulheres, conforme ressaltam achados de pesquisa de Ana Amélia Camarano, coordenadora de Gênero, Raça e Gerações do Ipea e técnica de planejamento e pesquisa do instituto. “O envelhecimento é uma questão de gênero; não apenas porque há mais mulheres entre os idosos e porque vivem mais tempo que os homens, mas também porque enfrentam um período prolongado de fragilidades físicas, mentais e cognitivas. Elas são as principais cuidadoras, porém, são as que mais necessitam de cuidados”, explicou.
Se você é trabalhadora doméstica ou de cuidados, participe da pesquisa em www.ipea.gov.br/pesquisatrabalhodecuidados. O questionário está dividido em quatro blocos: informações gerais; características do trabalho; frequência, deslocamento e custos; e trabalho via aplicativos/plataformas digitais. A pesquisa está sendo conduzida pelo Ipea, em parceria com o Ministério da Igualdade Racial (MIR), e coletará informações por meio desse formulário online até 13 de junho. Participe e divulgue!
Comunicação – Ipea (61) 2026-5501 (21) 3515-8704 / (21) 3515-8578 Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
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