Fernando Frazão/ Agência Brasil
Bairros mais ricos e com população predominantemente branca são praticamente imunes às entradas da polícia em domicílio em busca de drogas. As evidências estão no estudo Entrada em Domicílio em Caso de Crimes de Drogas: geolocalização e análise quantitativa de dados a partir de processos dos tribunais da Justiça estadual brasileira, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O texto para discussão constitui um aprofundamento a partir do projeto que analisou o perfil do processado e a produção de provas em ações criminais por tráfico de drogas, desenvolvido pelo Ipea em parceria com a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
A pesquisa originária compreendeu a coleta de dados de processos criminais de drogas, com decisão terminativa em primeiro grau de jurisdição no primeiro semestre de 2019, em que tenha havido réu indiciado, denunciado e/ou sentenciado por crimes de tráfico de drogas previstos na Lei nº 11.343/2006. Naquela oportunidade, foram analisados processos de 5.151 réus, o que constitui uma amostra representativa e possibilita inferências relacionadas aos 41.100 réus pertencentes ao universo de interesse da pesquisa a nível nacional.
Os dados permitiram a análise da geolocalização, ou seja, do local onde as ações policiais ocorreram, em 49,1% processos em que houve entrada no domicílio do próprio réu, ou, mesmo quanto de terceiros, era o local onde o réu se encontrava durante a abordagem. A pesquisa não faz suposições sobre o local de moradia dos réus do flagrante, mas sim do domicílio de entrada da polícia.
Entre os casos com entrada em domicílio, verificou-se que em 56% não houve informação sobre a existência ou inexistência de consentimento para a entrada; em 34% houve alegação de que a entrada foi franqueada, autorizada ou consentida; e em 7% dos processos houve versões conflitantes ou dissonantes sobre autorização para entrada. Já a recusa ou negativa à entrada foi registrada em apenas 3% dos processos.
Ao analisar o perfil racial dos réus, os pesquisadores notaram que, em geral, há uma proporção de 46,2% de réus negros, enquanto os brancos representam menos da metade, 21,2% dos réus. Nos casos de entrada em domicílio, as proporções em função da cor/raça dos réus foram parecidas às do universo pesquisado: 23,6% de processos referentes a réus brancos, enquanto os casos de entrada em domicílios onde estavam negros que seriam transformados em réus foi de quase o dobro, conforme registro em 44,3% de processos. Desconsiderando os casos com entrada domiciliar respaldada por autorização judicial, o cenário se mantém praticamente inalterado em relação ao geral.
Nos casos de entrada em domicílio amparada por mandado judicial, a diferença entre réus brancos e negros diminui de forma significativa, tornando esse tipo de abordagem (com ordem judicial) mais isonômica. Ao ser comparada com a média geral, nota-se uma incidência de entradas com mandado em casas de réus brancos apenas um pouco menor (30,2%) se comparada com a entrada em casas onde estavam réus negros (34,7%).
Esses dados sugerem, porém, que há uma maior proteção jurídica ao domicílio de pessoas de cor/raça branca, na medida em que as entradas em domicílio de pessoas de cor/raça negra tendem a acontecer dispensando autorização judicial prévia.
A pesquisa encontrou como principais motivações o patrulhamento de rotina ou a abordagem com base em comportamento suspeito (indicado em 32,5% dos processos) e a denúncia anônima (30,9% dos processos). Em menor proporção, foram registradas como motivação para a abordagem a existência de denúncia não anônima (7,2%) e o cumprimento de mandados de busca e apreensão (6,0%)
O estudo publicado propicia um olhar qualitativo quanto às entradas em domicílio nas cinco capitais de Unidades da Federação com o maior número de entradas em domicílio de cada região do Brasil, qualificando Brasília no Centro-Oeste, Curitiba no Sul, Manaus na região Norte, Fortaleza no Nordeste e Rio de Janeiro na região Sudeste, com a finalidade de obter maior detalhamento sobre os locais e verificar eventuais padrões de maior ou menor incidência das entradas.
Nessas cidades, as entradas em domicílio ocorrem nos bairros mais pobres e de população majoritariamente negra – com a ressalva de Curitiba, onde em todos os bairros há predomínio de pessoas brancas. Ainda assim, na capital paranaense as entradas se concentram fora dos bairros em que há maior proporção de população branca.
Nessas cinco cidades com maior número de entradas em domicílio, foi observado o total de 307 entradas. Dessas, 84,7% ocorreram em bairros predominantemente ocupados por pessoas negras e 91,2% ocorreram em bairros com renda domiciliar mensal per capita de até um salário mínimo. Apenas seis entradas ocorreram em bairros com renda de cinco a dez salários mínimos, das quais metade foram entradas respaldadas por autorização judicial. Não houve nenhum registro de entrada domiciliar em bairros com renda superior a dez salários mínimos.
A pesquisa foi escrita por sete pesquisadores: Rafael Garcia; Victor Martinez; Natalia Maciel; Andréia Macêdo; Hugo Macedo; Karolina Armstrong e Milena Karla Soares, técnica de desenvolvimento e administração do Ipea e coordenadora geral do estudo.
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