Desenvolvimento Social

As diferentes vertentes do racismo reproduzem impactos sociais e econômicos no Brasil

Ipea e Ministério da Igualdade Racial realizaram amplo debate sobre diagnósticos da discriminação de raça e as estratégias de enfrentamento articulado para projeto de desenvolvimento nacional

Helio Montferre/Ipea

No mês da Consciência Negra, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Ministério da Igualdade Racial (MIR) promoveram o seminário “135 anos da Abolição – Entre a Escravidão e o Racismo”, na última terça-feira (07/11). Este evento está dentro das ações decorrentes do termo de execução descentralizada firmado entre os dois órgãos, cujo objetivo é desenvolver estudos, pesquisas e atividades para promover o conhecimento sobre racismo e da igualdade racial, por meio de diagnóstico, monitoramento, avaliação e aperfeiçoamento da políticas e programas para enfrentamento ao racismo.

O seminário reuniu pesquisadores, acadêmicos e formuladores de políticas públicas com o objetivo de dialogar sobre caminhos e soluções para o problema do racismo no Brasil. Ao longo das três mesas de debates realizadas durante o evento, diferentes aspectos da discriminação racial contra negros foram debatidos, bem como os efeitos do racismo na sociedade e na economia do Brasil.

Na abertura do seminário a presidenta do Ipea, Luciana Mendes Santos Servo, chamou a atenção para a forma como a história do Brasil é formada em cima da violência sobre determinados segmentos da população. “Desterramos essas pessoas de seus lares e de suas pátrias e as trouxemos para construir uma economia na qual essas pessoas nunca foram incluídas. Esse foi um processo de violência e de genocídio”, afirmou. “Um genocídio que não é contado em lugar algum de nossos livros de história. Não é ensinado para as nossas crianças e não é discutido como parte da construção do país”, acrescentou a presidenta, que salientou como esse processo não se limita a matar pessoas, mas destrói a cultura, a religiosidade e a noção de pertencimento.

Luciana também pontuou que o racismo vem sendo construído historicamente no Brasil, diuturnamente, ao mesmo tempo em que se busca mostrar um mito de democracia racial que nunca existiu. “Não é à toa que 80% dos jovens que morrem no Brasil são negros. Isso ainda é parte dessa história que vem sendo construída por séculos”, declarou ela, que defendeu mudanças estruturais. “Não é um Estado pouco representativo da nossa população que fará essa mudança. A representatividade da burocracia, o sistema de cotas e as ações afirmativas são fundamentais para mudar a nossa sociedade”, disse.

Ao lado da presidenta do Ipea na abertura do seminário, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, defendeu os sacrifícios do cotidiano, que muitas vezes envolvem suportar insultos e ofensas racistas, como formas para motivar a continuidade da luta por um projeto de país. “Quando falo isso, penso onde a minha irmã poderia estar hoje e o que ela representa, que causou tanto ódio. Não apenas o ódio que leve alguém a matá-la, mas contra outras mulheres negras que estão vivas e que passam por violência política. Por quê? Enquanto não tivermos essa resposta, nossa democracia segue fragilizada”, afirmou a ministra.

Anielle salientou a importância da presença cada vez maior de pessoas negras nos espaços de poder para que as portas desses ambientes se abram e, cada vez mais, mulheres negras e homens negros cheguem nesses lugares. “Gosto de dizer que pessoas negras estão prontas, preparadas e formadas para estar e entrar em lugares de poder e de decisão, de protagonismo. Mais do que se imagina. O que precisamos, de verdade, são oportunidades”, afirmou ela. A ministra enfatizou esperar que a presença de negros na política possa ajudar no combate à violência e na construção de um país com um projeto político inclusivo, diverso e cada vez mais saudável.

Uma das organizadoras do seminário, a técnica de planejamento e pesquisa e atual diretora de Avaliação e Monitoramento e Gestão da Informação do Ministério da Igualdade Racial, Tatiana Silva, falou sobre a trajetória do Ipea na formulação e avaliação de políticas públicas relacionadas a igualdade racial. Ela participou de duas mesas de debate. Em uma de suas exposições, falou a disparidade que separa negros e brancos no país. “A despeito da mobilização do movimento social negro e de aliados, bem como a atuação mais recente de políticas públicas de igualdade racial nas últimas três décadas, a distância no padrão de vida da população negra e da população branca no país é alarmante”, disse Tatiana.

O técnico de planejamento e pesquisa, Alexandre Marinho, que também foi um dos organizadores do seminário, apontou que o racismo e a discriminação são pautas relacionadas à desumanização de uma parcela substancial de pessoas, especialmente no Brasil. “Na captura (do negro na África), o valor social do ser humano era capturado violentamente e foi isso que, economicamente, viabilizou todo esse processo de extração de excedente social, que é uma das fontes, hoje, de sustentação, estruturação e manutenção dos privilégios da elite econômica brasileira. Essa transferência de valor, essa desapropriação, começou lá atrás. É por isso que os negros são vistos como coisas”, disse Marinho.

Encerramento

O seminário terminou com uma mesa de encerramento que reuniu a assessora especial do ministério da Fazenda, Fernanda Santiago, e o diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea, Claudio Roberto Amitrano. Fernanda sugeriu que um certo juízo anti-discriminatório possa ser usado no olhar sobre as políticas públicas. Ela falou da gravidade do problema no Brasil, segundo ela, um Estado que é construído e institucionalizado em cima do racismo e em que o racismo é naturalizado. “Não consigo compreender como sairemos de um racismo institucionalizado sem que também o antirracismo seja institucionalizado”, disse ela.

A assessora falou ainda sobre o desejo de parceria do ministério com o Ipea para instituição de um método para cálculo de políticas fiscais e econômicas de forma a viabilizar um método para medir impactos de redução de desigualdade de raça, gênero, classe e regional. “É uma ideia para que a gente crie um pensamento que oriente quem formula a política pública a ter de pensar em quanto essa política pode ajudar a reduzir a desigualdade”, resumiu ela.

O diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea abordou a ausência de estudos sobre questões raciais e de gênero. Segundo ele, esse é um problema do debate macroeconômico no Brasil. “O debate sobre questões raciais na economia brasileira, entre economistas brasileiros, particularmente em macroeconomia, é sofrível. É absolutamente incipiente”, acrescentou. Ele falou a respeito da montagem, a partir de diretrizes estabelecidas na agenda estratégica do Ipea, de uma linha de pesquisa para discutir os impactos que as distintas desigualdades, sobretudo de gênero e raça, têm sobre o crescimento econômico.

Ao longo do dia, foram realizadas três mesas de debate. “O Estado Brasileiro e o Papel do Ipea na Formulação e Avaliação de Políticas Públicas de Igualdade Racial” teve como palestrantes Alexandre Marinho, Tatiana Silva, o diretor adjunto de Estudos Sociais, Rafael Guerreiro Osório, e as pesquisadoras bolsistas Carolina Pereira e Thamires Ribeiro. “Persistência dos Impactos da Escravidão e o Enfrentamento do Racismo”, teve exposições do técnico de planejamento e pesquisa aposentado do Ipea, Eustáquio Reis, da professora do instituto de psicologia da Universidade Federal da Bahia, Magali Almeida, e da técnica de desenvolvimento e administração do Ipea, Milena Karla Soares. O último painel trouxe como tema “Diálogos Sobre Desafios Institucionais Após 135 Anos de Abolição” e reuniu Tatiana Silva, Alexandre Marinho, e a técnica de planejamento e pesquisa, Ana Amélia Camarano.

Assista aqui à íntegra do seminário

Seminário: 135 anos da Abolição – Entre a Escravidão e o Racismo

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