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Número de réus negros em crimes por tráfico de drogas no Brasil é duas vezes superior ao de brancos

Perfil dos réus processados indica que a maioria é do sexo masculino (86%), tem até 30 anos (72%) e possui baixa escolaridade

Renato Araújo/Agência Brasília

A aplicação da Lei de Drogas pelo sistema de justiça brasileiro atinge de maneira desproporcional as pessoas negras no Brasil, enquanto privilegia pessoas brancas nas garantias processuais. À medida que a população brasileira é composta por 57% de pessoas negras (pretos e pardos), entre os réus processados por tráfico de drogas, 68% são negros. No que diz respeito à cor/raça branca, representa 42% da população e apenas 31% dos réus são processados por crimes envolvendo drogas. Essa disparidade está destacada no estudo “A questão racial nos processos criminais por tráfico de drogas nos tribunais estaduais de justiça comum: uma análise exploratória”, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) nesta terça-feira (31/10).

O levantamento da pesquisa é oriunda de dados do Relatório Perfil do Processado e Produção de Provas em Ações Criminais por Tráfico de Drogas, produzida em parceria com a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública (Senad/MJSP). A pesquisa é apresentada hoje no evento de lançamento da “Estratégia Nacional de Acesso a Direitos para a População Negra e Periférica na Política sobre Drogas”, promovido pelo Ministério em Brasília.

De acordo com os resultados da pesquisa, a maioria dos réus processados por tráfico de drogas é do sexo masculino (86%), tem até 30 anos (72%) e possui baixa escolaridade (67% não concluiu o ciclo de educação básica). Jovens negros com menos de 30 anos representam metade dos réus, indicando uma predominância da criminalização por tráfico nessa parcela da população brasileira.

Os dados apresentam uma maior atuação de pessoas negras entre os réus processados por tais crimes relatrivamente ao perfil racial da população – de 21% no Brasil, 34% no Centro-Oeste, 22% no Nordeste, 12% no Norte, 48% no Sudeste e 46% no Sul. Por seu turno, há uma  sub-representação de pessoas brancas, em cerca de 26% no Brasil, 58% no Centro-Oeste, 63% no Nordeste,  45% no Norte, 46% no Sudeste e 16% no Sul.  

A análise estatística da trajetória processual de réus brancos e negros revelou que réus negros são mais frequentemente abordados pela polícia com base em alegada suspeita durante patrulhamento ostensivo em espaços públicos. Em situações de flagrante, notou-se uma redução na proporção de réus negros em casos em que a abertura do inquérito policial resultou de descobertas de investigações anteriores. Os réus negros representam 46,2% do total de processos, essa proporção diminuiu para 36,9% nos inquéritos relacionados a investigações prévias. A proporção de brancos permaneceu estável, representando 21,2% do total de processos em geral. No entanto, observou-se um aumento para 23,9% nos inquéritos decorrentes de investigações anteriores. 

Entre os achados do estudo, destaque-se que, nos casos em que houve entrada em domicílio com mandado judicial no Brasil, a proporção de réus brancos e negros difere significativamente em relação aos réus processados em geral. A pesquisa aponta uma maior representação de réus brancos e uma menor representação de réus negros nesses casos.

A técnica de desenvolvimento e administração​ do Ipea, Milena Soares, uma das autoras do estudo, avalia que “a nota qualifique o debate público sobre o racismo estrutural e que sensibilize a sociedade para a necessidade de políticas que busquem remediar o viés racial da criminalização de sujeitos por crimes de drogas”. Para minimizar o viés racial na aplicação de pena da lei de drogas, a sugestão é a mudança de foco de policiamento ostensivo para trabalhos de investigação e inteligência policial. As pesquisadoras também sinalizam a importância de ações voltadas a outros atores do sistema de justiça, como promotores e juízes, a fim de evidenciar como as atuações validam e perpetuam as práticas abusivas de outras instituições, contribuindo para hierarquias raciais na aplicação da lei de drogas e para o cenário de encarceramento desproporcional da população negra e jovem no Brasil.

A pesquisa “Perfil do processado e produção de provas em ações criminais por tráfico de drogas”  consistiu na análise de processos e coleta de dados de uma amostra de 5.121 réus, representativa de um universo de 41.100 réus sentenciados no primeiro semestre de 2019. A nota técnica publicada comparou o perfil racial dos réus ao perfil racial da população em geral, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2019 – PNADC (IBGE, 2019) e da população custodiada no sistema penitenciário (Depen, 2019).

Acesse a íntegra do estudo

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