Direito. Legislação

Especialistas debatem sobre os desafios e reflexões na aplicação da Lei de Drogas no Brasil

MJSP e Ipea lançam pesquisa inédita sobre o processamento de ações criminais por tráfico de drogas

Políticas públicas relacionadas às drogas e o cenário do processamento criminal nessa área no país são temas de destaques abordados no evento "Um olhar sobre os processos criminais de tráfico no Brasil: desafios na aplicação da Lei de Drogas”, promovido na última sexta-feira (22) pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos (Senad) do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Além do lançamento dos estudos “Perfil do Processado e Produção de Provas nas Ações Criminais por Tráfico de Drogas”, com dados de tribunais estaduais e tribunais regionais federais, o evento contou também com painéis que retrataram o problema do encarceramento em massa relacionado aos casos que tramitam nos tribunais estaduais e federais.

A programação teve início com os discursos de diversas autoridades envolvidas com o assunto. Luseni Aquino, diretora de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia, representando a presidenta do Ipea, Luciana Mendes Santos Servo, ressaltou a importância do estudo realizado pelo Ipea. Ela destacou o papel fundamental do Instituto na produção e análise de dados, bem como em auxiliar a formulação de políticas públicas baseadas em evidências. A Diretora reforçou a relevância do debate sobre a regulação da matéria e a aplicação da Lei de Drogas na reflexão sobre os rumos da democracia e da cidadania no país e, portanto, do desenvolvimento brasileiro.

"Esse é um debate mais que urgente porque remete ao próprio desempenho do Estado e de seus agentes na função não apenas de aplicar a lei aos crimes [relacionados ao tráfico de drogas], mas também de discernir o que é e o que não é prática passível de aplicação da Lei de Drogas. E é premente também discutir a garantia de direitos fundamentais a todas as pessoas que estão envolvidas nesses casos, de modo que elas sejam tratadas com equidade, independente da sua cor, raça ou sua classe social", disse a diretora Luseni Aquino. Ela ainda mencionou que o evento foi uma oportunidade ímpar para compreender melhor o contexto em que as informações produzidas pela pesquisa se inserem e os rumos possíveis para aprimorarmos a política de drogas no país.

A secretária Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos (Senad/MJSP), Marta Machado, fez o encerramento da cerimônia de abertura do evento. "A cada ano, a Lei de Drogas tem gerado no Brasil o encarceramento de centenas de milhares de jovens e mulheres negras das periferias brasileiras, em situação de uso ou de pequenas modalidades de tráfico, amplificando o racismo institucional sobre as trajetórias pessoais, familiares e sociais dessa parcela significativa da população brasileira", disse.

A fala mais impactante da abertura foi proferida pela presidente da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas Privadas de Liberdade de Minas Gerais, Maria Tereza dos Santos, que trouxe o olhar de quem vive de perto a realidade das periferias e do encarceramento de familiares por tráfico de drogas. Ela alertou sobre a mudança de critérios na aplicação da legislação, declarando que “a lei de drogas é mais uma das que foi criada para causar um genocídio no povo preto e periférico”.  Maria cobrou mais investimentos na educação e em equipamentos públicos de qualidade na periferia, argumentando que “insistem em falar em ressocialização para pessoas que nunca foram socializadas”.

Na mesa de abertura também estavam presentes outras autoridades, como o secretário de Acesso à Justiça (Saju/MJSP), Marivaldo de Castro Pereira; o diretor de Gestão e Integração de Informações da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp/MJSP), Felipe Oscar Sampaio Gomes de Almeida; o representante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Luis Lanfredi; o defensor público de Sergipe, representando o Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege), Saulo Lamartine Macedo; e o chefe de Gabinete da Secretaria-Geral do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Rafael Meira Luz. Todas as falas defenderam a ideia de que o Estado está gastando dinheiro para fazer um país pior, ao “enxugar gelo” e fornecer mão de obra para o crime organizado. O Brasil tem a 3ª maior população carcerária do mundo, mas isso não se reflete em aumento de segurança. 

Por meio de uma cooperação técnica entre a Senad/MJSP e o Ipea, a pesquisa apresentada é inédita no Brasil, oferecendo um panorama nacional completo e complexo sobre a condução processual desde a fase policial até o sentenciamento. O estudo abrange mais de cinco mil autos processuais por tráfico de drogas sentenciados no primeiro semestre de 2019, tanto nos tribunais regionais federais quanto estaduais.

O evento proporcionou uma excelente oportunidade para a comunidade jurídica e a sociedade entenderem melhor os desafios enfrentados na aplicação da Lei de Drogas no Brasil e discutir maneiras mais adequadas de abordar questões relacionadas ao tráfico de drogas e ao sistema penal do país. Os dados e análises apresentados contribuem para uma compreensão mais completa desse cenário e auxiliam o desenvolvimento de políticas mais eficazes e justas.

Estudo

Milena Soares, técnica de desenvolvimento e administração do Ipea e coordenadora da pesquisa, apresentou os dados que revelam uma dinâmica preocupante de criminalização da pobreza na primeira mesa do evento. Há uma grande quantidade de prisões em flagrante de jovens negros de baixa escolaridade por posse de pequenas quantidades de drogas. O perfil do réu frequentemente se confunde com o do usuário, indicando a criminalização do pequeno traficante. Para ela, o principal objetivo do trabalho foi traçar um diagnóstico abrangente das ações criminais relacionadas ao tráfico de drogas, com variáveis que vão desde o perfil dos processados até as características dos processos.

A pesquisa também apontou que muitos casos envolvem reduzido esforço investigativo. As provas são baseadas principalmente em peças como auto de prisão em flagrante, auto de apreensão, laudos periciais das drogas, interrogatórios dos réus e depoimentos dos policiais. Isso levanta questões sobre a celeridade e a alta taxa de condenação observadas nos processos.

Em contraste com os tribunais estaduais, nos casos da Justiça Federal existe uma maior complexidade investigativa, com diversidade de provas e maior tempo de processamento. Frequentemente, esses casos estão relacionados a operações mais complexas e dinâmicas de transporte internacional de drogas, que são de competência federal.

Existem lacunas de informação significativas em vários aspectos dos processos criminais. Os problemas afetam aspectos como a documentação de denúncias anônimas, o consentimento para entrada em domicílio, a apuração do grau de pureza/concentração da droga, os laudos periciais preliminares e informações sobre pesagem, além de informações mais abrangentes sobre o perfil de raça ou cor, escolaridade e renda das pessoas processadas.

O estudo ressalta a necessidade de reconhecer essas lacunas e desigualdades, impulsionando novos conhecimentos e políticas mais justas e eficazes relacionadas à aplicação da Lei de Drogas no Brasil. Para Milena, “a compreensão da complexidade e das dinâmicas envolvidas em ações criminais é fundamental para promover um sistema de justiça mais equitativo e eficiente”.

Perfil do processado e produção de provas nas ações criminais por tráfico de drogas relatório analítico nacional dos tribunais estaduais de justiça comum.

Perfil do processado e produção de provas nas ações criminais por tráfico de drogas relatório analítico dos tribunais regionais federais.

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