Gabriel Jabur/Agência Brasília
Os registros em ações penais dos tribunais estaduais sobre quantidade de drogas apreendidas ocorrem majoritariamente sem detalhamento, revela um estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). De acordo com a pesquisa “Critérios Objetivos no Processamento Criminal por Tráfico de Drogas: natureza e quantidade de drogas apreendidas nos processos dos tribunais estaduais de justiça comum”, publicada nesta terça-feira (23), há pouca preocupação por parte do sistema judiciário em delimitar a informação da quantidade de droga de forma objetiva e padronizada nos autos processuais.
A pesquisa aborda alguns dos aspectos que serão objeto de deliberação do Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário nº 635659. A matéria está sob relatoria do ministro Gilmar Mendes e trata dos critérios para a prisão e condenação pelo crime de porte de drogas, como maconha e cocaína, para oconsumo pessoal.
Segundo o estudo coordenado pelas pesquisadoras do Ipea Milena Karla Soares e Natalia Cardoso Amorim Maciel, os dados sobre natureza e quantidade de drogas foram obtidos em cinco documentos distintos –denúncia, sentença, auto de apreensão, laudo pericial preliminar, laudo definitivo – em ações penais, envolvendo crimes da Lei de Drogas com decisão terminativa no primeiro semestre de 2019. Apesar do cenário de imprecisões e falta de padronização, com base na análise conjunta dos documentos e do estabelecimento de alguns critérios, foi possível determinar as quantidades de drogas, a partir do que se chama de “melhor informação disponível nos autos processuais”.
Para as pesquisadoras, no cenário nacional, observa-se a predominância de processos de tráfico relacionados a pequenas quantidades de maconha e de cocaína, casos em que seria possível presumir posse de drogas para uso pessoal, se fossem adotados critérios objetivos de quantidade. “Os registros de quantidades de drogas nos processos são imprecisos, a ponto de não se saber se a substância foi pesada com ou sem o recipiente que a continha”, afirmam as autoras. O estudo reforça a necessidade de parâmetros objetivos relacionados à natureza e à quantidade de substâncias apreendidas, com o intuito de conferir maior racionalidade, justiça e equidade na aplicação da lei penal sobre drogas, concluíram.
O documento mostra que a cocaína é a droga mais encontrada, sendo referenciada em 70,2% dos processos na quantidade mediana de 24 gramas, porém, em 34,5% dos processos envolviam até 10,9 gramas da droga; em 36,3% foram apreendidas entre 11g e 100g, 17,9% entre 101g e 1kg e somente 6,8% dos processos envolviam apreensões de mais de um quilo da substância. Além disso, em 4,4% dos processos não foi possível localizar qualquer informação sobre a massa em gramas em nenhum dos cinco documentos analisados.
Ainda de acordo com pesquisa, a segunda droga mais encontrada é a cannabis (67,1% dos processos), com uma mediana de 85 gramas, sendo que 58,7% dos processos envolviam menos de 150g da substância, 27,3% entre 151g e 2kg, 11,1% acima de 2kg e 3,2% sem informações sobre a quantidade. A pesquisa aponta também a existência de variações regionais significativas. A mediana de cannabis apreendida variou de 20 a 1.140 gramas, e a de cocaína entre 5 a 96 gramas, a depender da Unidade da Federação.
Por fim, o estudo propõe o estabelecimento de protocolo, a ser observado pelos agentes públicos na elaboração dos laudos periciais preliminares e definitivos, com definição de padrões de pesagem, indicação obrigatória da massa líquida das substâncias periciadas e indicação obrigatória dos métodos utilizados para aferição da natureza das substâncias. Propõe também que os agentes públicos considerem parâmetros objetivos para definir quantidades de drogas compatíveis com o porte para uso pessoal.
O estudo conclui que, se adotados critérios de quantidade de cannabis entre 25g e 100g para presunção de porte para uso, aproximadamente 30% a 50% das apreensões de cannabis relatadas nos processos por tráfico se enquadrariam naqueles limites. Por outro lado, se adotados critérios de quantidade de cocaína entre 10g e 15g, de 30% a 40% das apreensões de cocaína registradas nos processos poderiam ser presumidas para uso próprio. Além disso, o estudo indica ainda que nos cenários de combinação de critérios de cannabis e de cocaína, a depender dos parâmetros considerados, entre 23% e 35% de todos os réus processados por tráfico portavam quantidades de cannabis e/ou cocaína compatíveis com padrões de uso pessoal e, com critérios objetivos, poderiam ser considerados usuários.
Acesse a íntegra do estudo
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