Helio Montferre/Ipea
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) lançou, nesta sexta-feira (10), o livro “Trajetórias da Burocracia na Nova República: heterogeneidades e desigualdades (1985-2020)”, que reúne 20 capítulos com dados inéditos sobre o setor público em suas múltiplas dimensões de desigualdade e heterogeneidade. O lançamento da publicação foi realizado no Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), durante o evento “Burocracia Pública – Planejamento e Transformação do Estado no Brasil”, que integrou a Semana Internacional da Mulher 2023, como parte das comemorações em 8 de março, do Dia Internacional da Mulher.
Ao abrir o evento, a secretária-executiva do MGI, Cristina Mori, ressaltou a importância de se aprofundar o debate, para reduzir as desigualdades e garantir a equidade de gênero e raça no setor público, a partir de dados e evidências científicas. “É uma oportunidade única para podermos, com informação organizada e análise pertinente e aprofundada, avançar nas discussões e, com isso, evoluir na gestão pública, no que se oferece à sociedade enquanto servidores e servidoras públicas. E a partir da valorização das pessoas, construir uma sociedade melhor”, disse Mori, ao se referir ao livro. Em seguida, foi apresentado um vídeo gravado pela ministra do Planejamento e Orçamento (MPO), Simone Tebet, que assim como a ministra do MGI, Esther Dweck, não puderam participar do evento.
O lançamento foi conduzido pelo assessor especial do MGI, José Celso Cardoso Júnior, um dos organizadores do livro junto com o pesquisador Ipea Félix Lopez, coordenador da plataforma Atlas do Estado Brasileiro, principal base de dados para as análises contidas na publicação. O evento contou com duas mesas temáticas. José Celso afirmou que a obra traz recortes dos três poderes da esfera federal, de gênero e de raça. “Todos estamos empenhados na reinvenção do Estado brasileiro, para que seja mais inclusivo, soberano, democrático e sustentável”, ressaltou.
Participação da mulher
Na primeira mesa, sobre “Ipea e Enap nos Estudos e na Capacitação do Funcionalismo Público Brasileiro”, a presidenta do Ipea, Luciana Servo, destacou a qualidade do livro, “que traz uma visão de conjunto, fundamental do planejamento e aprimoramento das políticas públicas”. Ela destacou a missão do Ipea e a produção de conhecimento, que nos últimos 13 anos totalizou 1,4 mil textos para discussão, 400 notas técnicas e 440 livros, entre outras publicações. Esta seria a parte mais visível e conhecida do Ipea, que, conforme sua presidenta, possui uma outra face, voltada à avaliação, assessoria e participação na gestão. Afirmou, por exemplo, que 65% das avaliações do Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (CMap), entre 2020 e 2021, foram feitas ou coordenadas pelo Instituto.
Luciana Servo revelou que foram produzidos, com o apoio da Associação dos Funcionários do Ipea (Afipea), questionamentos sobre o “desmonte” e a redução do papel do Estado, “inclusive tentando manter a memória institucional das políticas públicas em suas áreas de atuação”. No final de 2022, pesquisadores do Ipea participaram da equipe de transição, com propostas para a formulação, construção e apoio à reconstrução do Estado. “Até o momento, 20% dos servidores estão sendo requisitados ou cedidos para compor o novo governo”, revelou Luciana Servo, ao lembrar que o último concurso do Ipea ocorreu em 2008, antes da Lei de Cotas para pessoas pretas. “São 58 anos de história, três mulheres na presidência do Ipea, sendo somente uma negra, o que diz muito sobre o que ainda temos a caminhar”, pontuou, assinalando que 25% dos servidores do Instituto são mulheres.
Por sua vez, a presidenta da Escola Nacional de Administração Pública (Enap), Betânia Lemos, dimensionou o trabalho de capacitação do serviço público brasileiro, bem como de aperfeiçoamento de servidores e servidoras federais, estaduais e municipais. “A Enap está empenhada em contribuir para uma administração pública mais eficiente, representativa e comprometida com o bem-estar da população”, disse.
A segunda mesa do evento foi dedicada ao livro do Ipea. Félix Lopez, que coordena a principal base de informações, o Atlas do Estado Brasileiro, plataforma utilizada pelos autores, muitos deles, pesquisadores do Ipea, além de especialistas convidados. Ele apresentou uma visão panorâmica da publicação, explicando seus objetivos frente a diversidade e a heterogeneidade do serviço público brasileiro, notadamente o Executivo federal. Segundo o pesquisador do Ipea, as análises mostram claramente o movimento de municipalização da força de trabalho desse setor em direção ao conteúdo preconizado na Constituição de 1988.
A pesquisadora do Ipea, Tatiana Dias Silva, que atualmente é diretora de Avaliação, Monitoramento e Gestão da Informação no Ministério da Igualdade Racial, apresentou o Capítulo 11: Ingressantes no Executivo Civil Federal: Uma Análise no Contexto da Lei de Cotas no Serviço Público, de sua autoria. Seu objetivo foi analisar o ingresso de servidores públicos permanentes no Executivo civil federal nos últimos 20 anos, considerando o perfil de raça e sexo no contexto da Lei de Cotas para negros (Lei 12.990/2014). Ela constatou que a maior inclusão racial não ocorreu como se pressupunha, o que requer ações afirmativas nesse sentido. “Somente a carreira de professor do ensino básico, técnico e tecnológico supera os 30% de participação de negros, alcançando 36,4% dos ingressantes, entre as carreiras selecionadas”, disse.
Luana Pinheiro, pesquisadora do Ipea, hoje, diretora do Departamento de Economia do Cuidado no Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), abordou o Capítulo 12: Quando o Teto de Vidro se Torna de Concreto: A Sub-representação de Mulheres Negras nos Postos Diretivos do Executivo Federal entre 1999 e 2020. Sua análise da inserção de mulheres negras em postos de poder e decisão mostrou que mais de 40% estão concentrados nas mãos de homens de cor branca. “As mulheres negras respondem por menos de 10% do total de cargos diretivos de mais alta hierarquia”, alertou a secretária do MDS. Em relação aos cargos de natureza especial, Luana Pinheiro afirmou que “homens brancos respondem sozinhos por algo entre 72% e 86%”.
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