A expansão observada na estrutura do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) nos anos 2000 foi acompanhada de um amplo investimento da gestão federal. Em 2012, o orçamento da assistência social chegou a ter uma dotação de quase R$ 3,5 bilhões.
No entanto, com a adoção de rígidas regras fiscais que restringiram a possibilidade de execução de despesas discricionárias (que caracterizam aquelas realizadas com os serviços) em meados dos anos 2010, surgiram obstáculos na gestão financeira do SUAS. Em 2022, foi observado o menor gasto com essas ofertas, considerando o período de 2012 a 2022.
A política de assistência social vive duas realidades diferentes no que diz respeito ao modelo de financiamento e ao volume de recursos destinados às proteções afiançadas pela política. De um lado, tem-se o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Programa Bolsa Família (PBF), cujas despesas são consideradas obrigatórias, mesmo que por contextos normativos diferentes. Também se caracterizam por terem os recursos distribuídos diretamente do governo federal para as pessoas que se beneficiam da assistência social.
De outro lado, tem-se os serviços e as ações de estruturação do SUAS, que demandaram inovações no modelo de financiamento da política de assistência social. A busca de um padrão de atuação da política, baseada em serviços ofertados de maneira contínua, levou à consolidação do modelo de repasses regulares e automáticos, por meio de transferências do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS) para os fundos de assistência estaduais e municipais, e dos fundos estaduais para os municipais.
Apesar de com o SUAS ter ocorrido uma transição para o modelo de cofinanciamento pelos entes da federação, com responsabilidades compartilhadas no financiamento de serviços e de outros benefícios do SUAS, tem-se destacado a ausência da participação dos estados no financiamento da política, que tem estado a cargo, fundamentalmente, do governo federal e dos municípios. Dessa forma, a mobilização da participação ativa dos estados no SUAS é um dos principais desafios para o financiamento adequado do sistema, sendo que as tentativas de engajar esses entes no financiamento e na oferta de serviços regionalizados tem-se mostrado pouco efetivas e custosas do ponto de vista da negociação e coordenação federativa.
Esse desafio é ainda maior no SUAS do que em outras áreas, devido à ausência de vinculação obrigatória de recursos orçamentários, tal como ocorre na saúde, na qual os “mínimos constitucionais” garantem que todos os entes federados participem de maneira mais efetiva do financiamento dessa área.
A uniformização das ações da assistência é uma preocupação perene de especialistas e estudiosos da área, que veem a atuação pulverizada e sem continuidade das ações existentes na área como um fator que leva à baixa efetividade da política. Nesse sentido, na conjuntura de criação do SUAS, percebeu-se a necessidade de estabelecer um leque de serviços que ofereceriam as características basilares desse sistema. Essa uniformização foi garantida por meio da Tipificação dos Serviços Socioassistenciais, que se tornou o instrumento-chave para a definição do que faz a política e quais são os benefícios oferecidos.
Ao todo foram definidos como serviços socioassistenciais ofertados pelo SUAS três serviços de proteção social básica, voltados à prevenção do rompimento de vínculos e de violações de direitos, e nove serviços no nível da proteção social especial, destinados a situações em que já ocorreu a violação de direitos ou em que a pessoa se encontra afastada ou isolada da família e da sociedade como um todo.
Esses serviços são sumarizados no quadro abaixo:
PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA |
1. Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF); |
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2. Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos; |
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3. Serviço de Proteção Social Básica no Domicílio para Pessoas com Deficiência e Idosas. |
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PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL |
Média Complexidade |
1. Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias Indivíduos (PAEFI); |
2. Serviço Especializado em Abordagem Social; |
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3. Serviço de proteção social a adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC); |
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4. Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosas e suas Famílias; |
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5. Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua. |
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Alta Complexidade |
6. Serviço de Acolhimento Institucional; |
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7. Serviço de Acolhimento em República; |
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8. Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora; |
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9. Serviço de proteção em situações de calamidades públicas e de emergências. |
O SUAS tem clara inspiração no modelo adotado pela política de saúde para a gestão das suas ofertas de maneira coordenada e descentralizada. Ao contrário do Sistema Único de Saúde (SUS), o SUAS não foi criado depois da promulgação da Constituição de 1988, levando 15 anos para finalmente ser estabelecido. Com a Política Nacional de Assistência Social - PNAS (2004) e, posteriormente, a Norma Operacional Básica (NOB) do SUAS (2005), estabeleceu-se o modelo de gestão descentralizada da política que conhecemos hoje, com a definição de papéis e responsabilidades para cada um dos entes federados na oferta de serviços e benefícios socioassistenciais.
O SUAS segue os princípios, diretrizes e objetivos da PNAS explicitados em seus marcos legais. Em relação aos princípios, destaca-se a universalidade da política, a integralidade da proteção social e a intersetorialidade, sendo esses últimos entendidos como fundamentais para uma oferta adequada de serviços e benefícios monetários.
São diretrizes da gestão do SUAS (NOB SUAS, 2005):
1 - Primazia da responsabilidade do Estado na condução da política de assistência social;
2 - Descentralização político-administrativa e comando único das ações em cada esfera de governo;
3 - Financiamento partilhado entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
4 - Matricialidade sociofamiliar;
5 - Territorialização;
6 - Fortalecimento da relação democrática entre Estado e sociedade civil;
7 - Controle social e participação popular.
Apesar de ser um sistema mais novo, o SUAS rapidamente foi estruturado a partir da criação dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e dos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS), unidades públicas de referência. No prazo de uma década, já estavam presentes em 99% dos municípios brasileiros. Sua consolidação e a da política de assistência social como vemos hoje também são resultados do esforço de padronização das ações realizadas por meio dessa política, essenciais para a materialização do princípio da equidade da oferta.
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As últimas duas décadas foram testemunhas de profundas mudanças no arcabouço de proteção social no âmbito das atribuições da política de assistência social. Houve uma rápida expansão da oferta de serviços e benefícios socioassistenciais, que se traduziu no aumento considerável de pessoas beneficiadas pelo crescimento da participação do Estado em ações de proteção social. A partir dessa nova configuração, a assistência passou a oferecer benefícios monetários e não monetários para a população na forma de transferência de renda e de serviços socioassistenciais, respectivamente. No primeiro caso, se destacam o Benefício de Prestação Continuada e o Programa Bolsa Família, fundamentais para a redução da pobreza e da desigualdade monetária.
No segundo se destacam os serviços ofertados em Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS), unidades de referência para a população que vive situações de risco e vulnerabilidades e que necessita de suporte para a superação desses contextos. Esses riscos vão desde a violência e violação de direitos de grupos vulneráveis (como crianças e pessoas idosas) até a oferta de acolhimento para pessoas que perderam as condições de ter uma moradia e necessitam de apoio do Estado para ter algum lugar para viver, mesmo que de forma temporária.
A criação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) foi fundamental para a rápida expansão dessas ofertas em todo o país e isso pode ser observado em alguns indicadores da política, como o número de CRAS por famílias vulneráveis ou mesmo o volume de atendimentos realizados nessa unidade. Essa expansão também é evidenciada pela diversidade de serviços existentes e pelo conjunto de riscos para os quais a política oferece proteção. Os dados aqui apresentados, longe de ser um retrato exaustivo dessas ofertas, representam uma pequena amostra das entregas da política de assistência social à população.
Benefícios socioassistenciais e o ciclo de vida
Famílias beneficiadas pelo PBF
O Programa Bolsa Família (PBF) se tornou uma ferramenta essencial de proteção social no Brasil. Há mais de uma década ele tem sido uma garantia de renda para mais de 70% da população em situação de pobreza inscrita no CadÚnico. Em 2023 essa porcentagem chegou a 93% desse grupo populacional.
Acesso a direitos através das condicionalidades do PBF
As condicionalidades são compromissos assumidos pelas famílias e o poder público quando inseridas no PBF e mediam o acesso a serviços de saúde e educação, materializando o direito a outras políticas sociais.
Em 2019, em média, 91,3% das crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos de famílias do PBF eram acompanhadas nas condicionalidades de educação e 65,5% das crianças até 7 anos nas de saúde.
Com a pandemia houve queda no acompanhamento das condicionalidades. O acompanhamento foi retomado e em 2023, aproximadamente 80% das crianças e adolescentes de 4 a 17 anos estavam em acompanhamento pela educação e 56,4% das crianças até 7 anos eram acompanhadas pela área da saúde
Pessoas idosas beneficiadas pelo BPC
O Benefício de Prestação Continuada (BPC) oferece proteção social às pessoas com deficiência e idosas que tenham renda familiar per capita igual ou inferior a ¼ de salário mínimo.
Em 2012, 11 a cada 100 pessoas acima de 64 anos no Brasil eram beneficiárias do BPC. Uma década depois, essa proporção permanece parecida: 11 em cada 100 pessoas recebem o BPC.
Presença dos CRAS nos territórios
Os CRAS são a porta de entrada da política de assistência social. A presença dessas unidades nos territórios garante as condições para a oferta de serviços e programas, assim como orientação para acesso a benefícios socioassistenciais.
Em 2012, havia cerca de um CRAS por 2,5 mil famílias de baixa renda no país. No entanto, o grande aumento do registro dessas famílias no CadÚnico em 2022 fez com que essa proporção chegasse a quase a metade: 0,7 CRAS por 2,5 mil famílias em 2023.
Atendimentos nos CRAS
Com a disseminação dos CRAS no território brasileiro, observa-se que se tornaram uma referência para a população.
A procura cada vez maior pelos CRAS se reflete na evolução dos atendimentos particularizados, que passaram de uma média mensal de 168,8 por unidade em 2012, para 416,3 por unidade em 2023. Um crescimento de 147%.
Proteção social de pessoas em situação de rua
Um dos públicos mais vulneráveis atendidos pela política de assistência social são as pessoas em situação de rua, cujo contingente explodiu nos últimos 10 anos.
Mesmo com a ampliação do número de pessoas atendidas através de um dos serviços voltados para esse público, a política não consegue atender uma parcela tão significativa quanto há 10 anos.
Em 2014, o número de pessoas atendidas no serviço de abordagem social correspondia a 78,3% da população em situação de rua cadastrada. Em 2021, essa proporção foi de 34,8%.
Proteção social de pessoas idosas
As pessoas idosas também são um público prioritário da política de assistência social.
O serviço de acolhimento é uma das ofertas voltadas a esse público, quando há rompimento ou fragilização dos vínculos familiares.
Em 2023 havia disponibilidade de 2,5 vagas em serviços de acolhimento por mil habitantes de 60 anos ou mais no Brasil. Uma proporção maior do que a de pessoas idosas acolhidas: 2,1 por mil habitantes.
Um longo caminho foi percorrido até a afirmação da assistência social como direito e como política pública, isto é, como parte integrante da proteção social brasileira. Ao longo de mais de um século a assistência social permaneceu como campo de filantropia e da caridade, com parcas e descontínuas ações estatais, quase sempre identificadas às práticas clientelistas e assistencialistas. A Constituição de 1988 e a Lei Orgânica de Assistência Social (1993) estabeleceram um arcabouço normativo e institucional que permitiu alterar significativamente este quadro, ao determinar a responsabilização estatal pela assistência social e as finalidades, objetivos e públicos desta política pública. Posteriormente a Política Nacional de Assistência Social (2004) complementou esses marcos ao descrever a proteção social a ser provida pela assistência em um conjunto de seguranças:
1- Segurança de sobrevivência (de rendimento e de autonomia): garantir renda e condições materiais e de cuidados básicas para uma vida digna e de qualidade.
2- Segurança de acolhida: garantir que nenhuma cidadã ou cidadão permaneça em uma situação de abandono ou desabrigado seja por deterioração das condições de vida, eventos climáticos extremos, catástrofes ou outras conjunturas que levam uma pessoa a um estado de ausência de acolhimento.
3- Segurança de convívio: impedir o isolamento e o abandono gerado pela ausência de relações e vínculos entre familiares e com a comunidade em que uma pessoa vive. Essa segurança parte de dois pressupostos: de um lado, a importância do reconhecimento social como um dos elementos chaves para uma vida digna (com o combate a descriminações e estigmas e outras formas de exclusão social) e, de outro, o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários como uma forma de garantir a oferta de apoio mútuo, algo fundamental em situações de crise ou vulnerabilidade.
A proteção social por meio da política de assistência social, portanto, não se restringe aos mais pobres, nem tampouco à transferência de renda. Enquanto o objetivo de segurança de renda justifica a oferta de benefícios monetários (Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada), as demais seguranças referem-se a serviços, cuja oferta é estruturada através do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) com o objetivo de atuar sobre diferentes situações de vulnerabilidade (relacionadas ao ciclo de vida, arranjos familiares, deficiências) ou situações de violação de direitos (violência, abandono e isolamento, trabalho infantil, exploração sexual, situação de rua, dentre outras). Desse modo, a política de assistência social tem avançado na garantia de direitos por meio da provisão de serviços (benefícios não monetários) e benefícios monetários.
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