Nota Técnica - 2020- Abril - Número 67- Disoc

05/05/2020 17:16

Nota Técnica - 2020- Abril - Número 67- Disoc

Proteção Social aos Mais Vulneráveis em Contexto de Pandemia: Algumas Limitações Práticas de Auxílio Emergencial E a Adequação dos Benefícios Eventuais Como Instrumento Complementar de Política Socioassistencial

Autores: Marco Natalino e Marina Brito Pinheiro

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Com o aprofundamento da pandemia, sociedades e governos vêm redobrando seus esforços no enfrentamento da crise. Para a maioria das pessoas, o esforço passa por reduzir ao máximo o contato social presencial e, logo, a presença nas ruas. A consequência não intencional dessa ação coletiva de autopreservação é um choque econômico generalizado. Os efeitos da Covid-19 na mortalidade, no desemprego e no acesso a necessidades básicas não poderão ser plenamente contabilizados tão cedo. Por conta disso, tem-se observado, como medida emergencial e prudencial, o reforço das ações de assistência social aos mais vulneráveis, tanto por organizações da sociedade civil quanto por instituições de Estado. E, na medida em que o aumento da vulnerabilidade social hoje deriva, em grandes linhas, da perda da renda do trabalho, a maior parte dos recursos tem sido destinada a auxílios substitutivos a essa fonte de renda.

A crise afeta mais diretamente os trabalhadores precários urbanos, tais como os vendedores e os prestadores de serviços autônomos. Impacta, particularmente, aqueles que dependem da rua – guardadores, lavadores, catadores, ambulantes, dentre outros. Com o isolamento, sua fonte de renda praticamente cessou. Além disso, por vezes, essa população não conta com residência fixa. Ou, se possui alguma habitação, esta se encontra muito distante do local de trabalho, obrigando-a a dormir de forma improvisada por vários dias na semana. Trata-se, ainda, de população que frequentemente necessita de cuidados especiais de saúde, apontando, assim, para um acúmulo de desvantagens sociais que a torna particularmente vulnerável nesse momento. Em atenção a essa realidade, e as múltiplas e complexas intersecções de vulnerabilidades que afetam uma grande gama de segmentos sociais, as estratégias nacionais, subnacionais e locais de enfrentamento do vírus têm incluído um forte componente de ampliação da solidariedade social para esses públicos. Em geral, tal ampliação implica reconhecê-los como sujeitos de direitos sociais, e, assim, incluí-los no rol dos cidadãos merecedores de proteção contra riscos para os quais não tinham como se preparar.

Com essa motivação e articulando instrumentos de política relativamente recentes – sistemas de cadastro social dos informais e bancarização subsidiada da população de baixa renda –, o Estado brasileiro demonstrou-se capaz de organizar, em pouco tempo, uma política redistributiva de escala inédita (Lei no 13.982, de 2 de abril de 2020). A lei buscou, em suma, ser a mais abrangente possível, buscando uma cobertura que atendesse toda a população afetada com a redução da atividade econômica. Criou-se um benefício voltado a todos os trabalhadores de baixa renda, incluindo os desempregados, e que estejam descobertos pela Previdência Social. O auxílio será pago em três parcelas de R$ 600 ou três de R$ 1.200, a depender da composição familiar. O efeito pretendido pelo auxílio emergencial é, expressamente, garantir, ainda que de forma temporária, uma renda mínima universal.

Porém, dada a diversidade da sociedade brasileira, as disparidades territoriais e as desigualdades existentes, nem sempre o novo auxílio emergencial, gerenciado desde o governo federal, será um instrumento suficiente, célere e/ou facilmente aplicável. Entre as vulnerabilidades sociais mais agudas do momento, algumas delas podem permanecer descobertas mesmo com o advento do novo benefício temporário. Isso é particularmente verdade nos casos em que as desvantagens sociais se acumulam e algumas necessidades básicas urgentes (nutrição, abrigo) se encontram insatisfeitas. Por sua vez, existe um instrumento de política capaz de envolver mais fortemente os governos municipais e suas pastas de Assistência Social, reduzindo os limites do auxílio operado pela Caixa Econômica Federal (Caixa): os benefícios eventuais (BEs).

Tendo isso em mente, esta nota técnica busca contribuir com os esforços de proteção social neste contexto de pandemia, apresentando uma análise de vulnerabilidades descobertas e propondo soluções. Na próxima seção, relacionamos algumas vulnerabilidades particularmente pungentes – desnutrição, desabrigo, ausência de registro civil, exclusão digital, nascimento e morte – a algumas limitações práticas do auxílio emergencial. Estas limitações incluem questões de: i) acesso a documentos e tecnologias da informação (TIs); ii) celeridade no atendimento a necessidades básicas; e iii) insuficiência do auxílio para cobrir alguns riscos sociais particulares. Na seção três, apresentamos os BEs como um instrumento de política adequado ao enfrentamento de todas essas limitações. Analisamos alguns dos desafios de implementação envolvidos, dando particular atenção: i) à importância do envolvimento do poder público municipal, que já atua na concessão desses benefícios em quase a totalidade dos municípios, mas em pequena escala; e ii) à insuficiência das fontes de financiamento dos BEs para dar conta da demanda potencial. A última seção busca, com base no diagnóstico apresentado e na análise de propostas recentes de aprimoramento da política socioassistencial, apresentar recomendações para a efetivação da medida.