Nota Técnica - 2020 - Abril - Número 32 - Diest
Estratégias de Coordenação Governamental na Crise da Covid-19
Autor: Flávia Schmidt, Janine Mello e Pedro Cavalcante
Em 11 de março último, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia do novo coronavírus (Covid-19).Em relatório divulgado em setembro de 2019, portanto antes de os primeiros casos da doença serem reportados oficialmente, a OMS havia alertado que:
“O mundo não está preparado para um patógeno respiratório virulento e em movimento rápido pandêmico.A pandemia global de influenza de 1918 adoeceu um terço da população mundial e matou em torno de 50 milhões de pessoas – 2,8% da população total. Se um contágio semelhante ocorresse hoje com uma população quatro vezes maior e tempos de viagem em qualquer lugar do mundo com menos de 36 horas, de 50 a 80 milhões de pessoas poderiam perecer. Além dos níveis trágicos de mortalidade, uma pandemia poderia causar pânico, desestabilizar a segurança nacional e impactar seriamente a economia e o comércio.”
Se ainda antes disso a própria OMS já havia chamado publicamente atenção para os riscos do que eles tratavam como “The Big One”,2 os dados mais recentes sobre os complexos e multidimensionais impactos da pandemia em curso sugerem que os governos ao redor do mundo de fato não estavam preparados para o que ora se enfrenta – e especialmente para o que ainda parece se descortinar para o futuro.
Para além das implicações sanitárias, sociais e econômicas naturais, ainda que não por isso menos complexas, o momento adquire contornos de uma crise marcada pela confluência simultânea a,governos, e uma responsabilidade difícil de cumprir (Boin et al. 2005; Boin e T'Hart, 2003), exigindo a ação dos Estados em diversas dimensões. A crise atual envolve desafios em todas as áreas de políticas públicas – se não imediatamente observáveis, iminentes no curto e médio prazo. O êxito das medidas adotadas no enfrentamento, contudo, não é apenas contingente à efetividade das medidas per se nesses diversos campos; é essencial que seja estabelecida uma coordenação governamental efetiva.
Ao longo do processo, não importará apenas a real capacidade de entrega de resultados pelos governos, mas também a percepção dos cidadãos sobre a ação governamental; trata-se assim de um domínio de ação que transcende aspectos técnicos e exige competências políticas, como sugerido por Christensen et al. (2016). Além da população em geral, adicionamos também a esta análise os atores sociais, direta ou indiretamente envolvidos pelas diversas dimensões das políticas públicas. Os mesmos autores fazem ainda um alerta que não deve ser perdido de vista: grandes crises podem soar como um “alarme da democracia” e muitas vezes resultar em uma crise para a própria democracia instituída, posto que proteger seus cidadãos contra as consequências de ameaças deveria ser uma tarefa central do Estado e espera-se que os governos sejam capazes de cumprir tal papel. Ao romper com essa premissa tácita e compartilhada, a legitimidade das instituições públicas e a reputação dos líderes políticos restariam prejudicadas (Boin, 2019).
O objetivo desta nota técnica é apresentar uma sugestão, com base na literatura existente e no acúmulo de pesquisas realizadas no Ipea sobre o tema, de um arranjo institucional de coordenação governamental que pode contribuir para um melhor desempenho das ações adotadas pelo governo brasileiro nesse momento. A nota faz parte de um conjunto de documentos elaborados pelo Ipea buscando garantir, em um momento crítico e de potencial inflexão para a trajetória nacional de desenvolvimento, subsídios, propostas e evidências robustas e objetivas para o país.
Além desta introdução, o texto está dividido em quatro seções. A seção 2 reúne algumas contribuições da literatura sobre a atuação governamental em situações de crise. A seção 3 discute alguns determinantes de sucesso da coordenação governamental aplicáveis ao contexto atual. A seção 4 apresenta uma proposta de atuação organizada em frentes de ação para viabilizar a atuação do Estado brasileiro diante da pandemia em curso. Por fim, na seção 5, são tecidas algumas considerações.

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