Infância quilombola no Empata Viagem |
“Tem muita criança aqui?” Foi o que nos respondeu Reginaldo Conceição Nascimento, presidente da Associação de Quilombos da Região de Empata Viagem – AQREV. O Quilombo de Empata Viagem fica no município de Maraú, no Baixo Sul da Bahia, Brasil. Apesar de pertencente à Maraú, a cidade que serve como referência a esse povo é Ubaitaba. Em um território tradicional de amplas medições, algo na casa dos miles de hectares, vivem cerca de 300 famílias, quase 1000 pessoas. Tais famílias estão distribuídas pelos povoados do Empata Viagem, Pé de Serra, Domingos Branco, Baixa Funda, Rua de Palha, entre tantos outros. Os “parentes” hoje ocupam a menor parcela desse território, que está sob posse de outras pessoas, os “chegantes”, que se juntaram ao povo do Empata Viagem ao longo dos anos. Alguns se integraram à dinâmica desse território ancestral, outros imprimiram lógicas alheias. A única escola, Vitório Magalhães, está situada na sede desse grande território, em um prédio antigo, já bastante castigado pelo tempo, com piso, paredes, telhado e cadeiras danificadas. Nela são atendidas todas as crianças quilombolas dos primeiros níveis da educação fundamental, nas duas pequenas salas da escola. São cerca de 200 crianças negras entre a 1ª e 4ª séries. Além do ensino fundamental, tem uma sala em outro prédio próximo, de madeira, que abriga os pequeninos da educação infantil. Paula Balduino Notamos diversas conquistas no quesito educação: as professoras são da própria comunidade e foram elas que reergueram a escola, em 1993, depois de anos de abandono. Pelo Programa de Aquisição da Agricultura Familiar – PAA, as crianças comem na escola alimentos saudáveis, adequados a sua dieta alimentar, adquiridos diretamente de quilombolas produtores e produtoras. Porém, há algumas adversidades. Professoras têm de dar conta das crianças sozinhas, pois não há auxiliar em nenhuma das classes. Além disso, há dias em que falta merenda, ou falta gás para cozinhar a merenda. Falta também material didático. Não há capacitação para o corpo docente e funcionárias. Essas informações foram contadas por Lia Barbosa, jovem liderança feminina do Quilombo de Empata Viagem. Grande parte dessas crianças nasceu aqui mesmo, dentro do Quilombo, tiradas pelas mãos da parteira Maria Luiza da Conceição, sabedora também de rezas que curam os adoentados e atordoados. Como Luiza, muitas outras mulheres e homens do Empata Viagem conhecem inúmeros usos para as espécies da Mata Atlântica. E é assim que tratam suas meninas e meninos quando têm febre, dor de barriga, inflamação... Marina Santos Souza, tesoureira da AQREV e uma das protagonistas da retomada da escola, conta que foi a mais velha de sua geração a ganhar neném, com 22 anos. Dona Maria Dalva ganhou seu primeiro menino com 13 anos. Hoje vemos por aqui mulheres de 16 anos com seus recém-nascidos no colo. Sejam aquelas que pariram aos 13, 16 ou 22 anos, tendo seus 2, 5 ou 15 filhos, o fato é que nasce muito menino nessa terra do Empata Viagem. Observamos então vários desafios para esta comunidade. Como transmitir para essa meninada tantos conhecimentos sobre as plantas? Essas crianças não sambarão mais o samba de roda, virando a madrugada, como faziam os antigos? E a educação formal desses pequenos, o que fazer para melhorar o precário atendimento que a escola hoje lhes oferece, ao capacitar-lhes apenas para o primeiro ciclo da trajetória escolar? Provavelmente, a questão basilar: onde está a terra que garantirá a sobrevivência dessas novas gerações? Apesar dos desafios prementes, o Quilombo de Empata Viagem demonstra mobilização em torno desses temas, e de outros, ao recorrer aos vínculos estabelecidos pelas relações de parentesco e à institucionalidade da Associação comunitária. Assim, segue os trilhos de sua resistência ancestral. Por Paula Balduino, coordenadora do projeto “Quilombos das Américas: articulação de comunidades afrorrurais” |