2008 . Ano 5 . Edição 42 - 15/04/2008
Cláudio Hamilton dos Santos e Manoel Carlos de Castro Pires
Nos últimos 12 anos, a Carga Tributária Bruta Brasileira (CTBB) subiu cerca de 9% do Produto Interno Bruto (PIB), fenômeno identificado por muitos economistas como uma das causas dos baixos níveis de investimento e de crescimento verificados nesse período. O raciocínio dessas pessoas é simples: o excesso de tributos diminui a lucratividade das firmas, o que desincentiva o investimento, e, por essa via, atrapalha o crescimento. Daí a visão - aparentemente dominante entre os formadores de opinião - de que a redução concomitante do gasto público corrente e da CTBB seria desejável. A popularidade desse argumento contrasta, entretanto, com a virtual inexistência de estudos empíricos sérios sobre o assunto no Brasil.
Recentemente, investigamos o impacto da CTBB sobre o investimento privado no Brasil no período 1995-2007. Os resultados que obtivemos (publicados no texto para discussão nº 1.314, do Ipea) indicam que é difícil sustentar a sabedoria convencional (SC) mencionada acima. A análise de vários modelos econométricos mostra que o investimento privado responde forte e positivamente ao PIB e negativamente ao preço relativo dos bens de capital, mas não responde diretamente a variações na CTBB. O efeito da CTBB sobre o investimento parece ser apenas indireto, ao afetar positivamente o preço dos bens de capital e, por essa via, negativamente o investimento privado.
Quais são, então, os problemas com a SC? Citaremos quatro. Em primeiro lugar, a CTBB é um agregado complexo de muitas dezenas de tributos diferentes, com impactos diferentes sobre a economia. Em segundo lugar, a teoria econômica tem muito mais a dizer sobre a composição do que sobre o tamanho da carga tributária, além de deixar claro que a incidência efetiva de um imposto tem pouco a ver com a sua incidência legal - em muitos casos as firmas podem repassar o ônus dos impostos aos consumidores.
Em terceiro lugar, a SC desconsidera o lado da demanda por serviços públicos. Tanto a extensão como a qualidade dos serviços (e.g. de educação, saúde, segurança, controle de desmatamentos, etc.) ofertados à população estão diretamente ligadas ao tamanho do gasto público corrente. Esse gasto terá que ser reduzido caso se queira baixar a CTBB sem prejudicar a trajetória de queda da dívida pública brasileira. É óbvio que o governo deve buscar maior produtividade da máquina pública, mas dificilmente os ganhos de produtividade possíveis bastariam para contra-restar o impacto negativo do corte no gasto corrente sobre a já insuficiente oferta de bens públicos para os mais pobres.
Por fim, a SC parece desconhecer a forte correlação negativa entre os níveis de desigualdade de renda e crescimento econômico observada na experiência internacional, e a forte correlação positiva esperada - à luz da teoria econômica (notadamente dos modelos de eleitor mediano) - entre desigualdade de renda e carga tributária em democracias. Parece-nos, pois, que a CTBB não somente é estruturalmente mais alta do que a carga tributária de países menos desiguais que o Brasil, como é bom que assim o seja, dado que o nível presente de desigualdade nos parece incompatível com uma trajetória sustentável de crescimento.
Naturalmente, é possível que haja um trade-off de curto prazo entre tributação e crescimento. Isto nos motivou a instituir uma linha de pesquisa em caráter permanente sobre o assunto, visando obter respostas mais claras. Por enquanto, cumpre reafirmar: não há evidência contundente de que o efeito da CTBB sobre o investimento privado seja tão relevante quanto se apregoa.
Cláudio Hamilton dos Santos (foto) e Manoel Carlos de Castro Pires são pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
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