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Previdência - Futuro em jogo

2005. Ano 2 . Edição 15 - 1/10/2005

Envelhecimento da população, economia informal, aumento do desemprego e fraudes são as principais ameaças que pairam sobre o sistema brasileiro de previdência social. Apesar da reforma de 2003, ainda há um longo caminho a percorrer para equilibrar as contas e a solução pode passar por medidas impopulares

 
Andréa Wolffenbüttel

Envelhecimento da população, economia informal, aumento do desemprego e fraudes são as principais ameaças que pairam sobre o sistema brasileiro de previdência social. Apesar da reforma de 2003, ainda há um longo caminho a percorrer para equilibrar as contas e a solução pode passar por medidas impopulares

Desde 1974, quando foi criado um ministério específico para a Previdência Social até hoje, 21 titulares ocuparam a pasta, com permanência média de um ano e meio no cargo. Só em 2005, tivemos três ministros e o troca-troca de nomes retrata bem o tamanho do "abacaxi", pois não é fácil comandar um sistema que em 2004 distribuiu benefícios para 23 milhões de pessoas - sendo 19,7 milhões aposentados ou pensionistas - e fica com a maior fatia do Orçamento da União. No ano passado, as despesas do ministério chegaram a 129 bilhões de reais e superaram em 3,6 vezes os gastos do governo federal com a saúde e sete vezes as despesas com educação. A partir de 1996, quando a arrecadação do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) deixou de ser suficiente para cobrir os pagamentos de benefícios, o quadro se complicou, e muito. A dificuldade não é, em absoluto, exclusividade do Brasil. Na América Latina, a crise afetou o sistema previdenciário público de quase todos os outros países. Na Europa, o aumento da idade média da população está obrigando os países a rever seus sistemas, em busca do equilíbrio financeiro.

Aqui no Brasil foram feitas diversas alterações legais para tentar resolver os problemas de caixa, entre elas dois esboços de reformas da Previdência. Uma em 1998, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, e outra em dezembro de 2003, já no mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O governo Lula mexeu em um tabu e os funcionários públicos federais protestaram contra a reforma na frente do Congresso, especialmente porque aumentou a idade mínima para aposentadoria. Mas nenhuma das mudanças conseguiu fazer com que a arrecadação cobrisse os pagamentos do INSS e o buraco continuou crescendo a taxas médias de 15% ao ano. Basta olhar o fluxo de caixa da Previdência para perceber que, em pouco tempo, serão necessários novos ajustes para evitar um desequilíbrio perigoso do sistema. É óbvio que a solução não é simples, mas o que não faltam são idéias para equacionar o problema. Aposentados, trabalhadores, servidores, acadêmicos, técnicos, todos têm sua própria visão sobre o assunto e recomendam um caminho para garantir o futuro da previdência pública. A polêmica é tão grande que dentro de uma mesma entidade pode-se encontrar opiniões divergentes. É o caso do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), onde convivem duas correntes com propostas diferentes sobre a condução da política previdenciária.

O principal debate está centrado na própria natureza do sistema de aposentadoria. Alguns defendem que o INSS seja um órgão auto-sustentável, voltado para atender as pessoas que, ao longo da vida, contribuíram e como conseqüência direta disso, adquiriram direito à aposentadoria. Outros acreditam que a previdência pública, atualmente o mais poderoso instrumento de distribuição de renda no Brasil, deva continuar sendo tratada como parte integrante do sistema de seguridade social. "Se a Previdência chama-se 'social', ela tem de honrar essa etiqueta. Tem de funcionar como um respaldo para toda a população, e não apenas para quem pôde pagar para fazer parte dela", afirma Guilherme Delgado, técnico de planejamento e pesquisa do Ipea. "Por sua natureza redistributiva, o INSS não tem como ser sustentável. Inevitavelmente vai precisar ser financiado", argumenta, contrariando a avaliação de outros pesquisadores do Instituto que defendem a busca do equilíbrio das contas da Previdência, deixando o trabalho de assistência social fora do INSS. Mas Delgado admite que o sistema corre risco a longo prazo e é preciso fazer alguns ajustes agora para garantir o futuro.

Direito Uma das mudanças previdenciárias de caráter redistributivo foi a aposentadoria rural, estabelecida pela Constituição de 1988 e regulamentada por lei em 1991, quando os homens aos 60 anos e as mulheres aos 55 anos passaram a ter direito a receber um salário mínimo mensal mesmo sem ter contribuído para a Previdência. A mudança melhorou a vida de milhões de moradores da zona rural. Foi o caso do casal Pedro Fernandes da Silva, de 74 anos, e Maria Félix, de 70, que moram em Nova Olinda, no sertão do Cariri, no Ceará, e usaram o dinheiro das aposentadorias para construir uma nova casa num terreno doado pela prefeitura. O casal faz parte do contingente de 7 milhões de trabalhadores rurais que passaram a receber a aposentadoria, uma forma de distribuição de renda, mas que provocou um desbalanço nos cofres da Previdência.

Uma das formas de reduzir a diferença entre o que é gasto e arrecadado e, portanto, a necessidade de financiamento da Previdência é adotar uma política mais rígida de cobrança dos devedores do INSS. Essa dívida vem crescendo assustadoramente. Em 1996 era de 21 bilhões de reais e em 2003 estava na casa dos 83 bilhões, ou seja, o valor quadruplicou em sete anos. Há quatro anos, o governo procurou reduzir o tamanho do prejuízo por meio do Programa de Recuperação Fiscal (Refis), mas não obteve o sucesso esperado. Agora, o Ministério da Previdência aposta suas fichas na criação da Receita Federal do Brasil, mais conhecida como Super-Receita, que reúne em um só órgão a Receita Federal e a Receita Previdenciária. A fusão vai permitir o cruzamento dos cadastros de credores e devedores da União e, entre outras mudanças, um acerto de contas entre eles. Dessa forma, quem tem crédito no governo federal mas deve para a Previdência pode ter o valor transferido diretamente para o INSS. "Essa mudança vai gerar mecanismos de compensação interna que deixarão a cobrança muito mais eficiente", garante Helmut Schwarzer, secretário da Previdência Social do Ministério da Previdência Social. Com a unificação, uma série de duplicidades de funções existentes em ambas as receitas deve ser eliminada, liberando mão-de-obra na Previdência para atacar um velho problema: as fraudes. De acordo com cálculos feitos pelo Sindicato Nacional dos Aposentados, ligado à Força Sindical, para cada brasileiro com mais de 90 anos são pagas de duas a quatro aposentadorias. "O levantamento foi feito com base em número do censo nacional", garante João Batista Inocentini, presidente do sindicato, que acredita que o volume de pagamentos indevidos pode chegar a 20 bilhões por ano.

A última tentativa governamental de colocar ordem na casa foi o tristemente famoso recadastramento de aposentados com mais de 90 anos no final de 2003, que redundou em estrondoso fracasso diante das inúmeras reclamações de idosos que não conseguiam se deslocar até os postos do INSS. Na época, o então ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, pediu desculpas pelo atrapalhado recadastramento. Passados dois anos, o Ministério da Previdência retoma a idéia, agora de forma aperfeiçoada. Os aposentados e pensionistas receberão um aviso no terminal bancário quando forem sacar os benefícios e farão o recadastramento nas próprias agências. A revalidação também poderá ser feita por meio de procuradores, desde que preencham todos os requisitos legais exigidos e estejam devidamente cadastrados no INSS. Quem não confirmar seus dados ou apresentar alguma irregularidade receberá a visita pessoal de um agente previdenciário. O processo será feito em duas etapas. A primeira, ainda em 2005, deve atingir cerca de 2,6 milhões de beneficiados cujos cadastros, aparentemente, apresentam alguma inconsistência. Em 2006, o levantamento será estendido a um grupo maior, englobando 13 milhões de pessoas. "Essa é uma medida urgente", exclama o sindicalista Inocentini, "uma vez que tem gente que com uma só procuração recebe mais de 1,9 mil aposentadorias. É claro que há algo errado!"

Na avaliação do Ministério da Previdência, o recenseamento virtual, como está sendo chamado o novo processo de recadastramento, traz uma vantagem paralela: a atualização da base de dados do INSS. "Partindo de um cadastro 100% confiável poderemos fazer projeções mais precisas, fundamentais para uma boa gestão", afirma Schwarzer. "A previdência pública é um instrumento que a sociedade criou para proteger a si própria e, à medida que a sociedade se transforma, a Previdência tem de se adaptar", diz ele. Entre as alterações que aconteceram na sociedade brasileira, uma das maiores diz respeito à expectativa de vida. Em 1950, quando foi criado o Regulamento Geral dos Institutos de Aposentadoria e Pensões, os brasileiros viviam, em média, 46 anos. Para quem nasce hoje, a perspectiva é passar dos 68 anos. Por outro lado, há cada vez menos bebês, pois a taxa de fecundidade está se aproximando de dois filhos por mulher, o que provocaria a estabilização no tamanho da população. Esses dois fatores modificaram o perfil demográfico do Brasil, aumentando a idade média e a quantidade de idosos. Apesar de ainda estar muito longe do padrão europeu, onde a proporção de pessoas com mais de 60 anos chega a 25% da população, os 8% de brasileiros acima dessa faixa têm impacto nos cálculos do INSS. A conseqüência é o crescimento do número de aposentados, a redução proporcional dos contribuintes e uma forte pressão sobre o orçamento da Previdência. Em 2003, faltaram 28,6 bilhões de reais para que o INSS pudesse efetuar todos os pagamentos, e em 2004 a defasagem aumentou para 32,7 bilhões, com um crescimento de 14,3%.

Para superar esse tipo de obstáculo, são necessárias medidas mais profundas do que a cobrança da dívida e o combate às fraudes. "Precisamos restabelecer o equilíbrio das contas e isso só pode ser feito por alguém que tenha a coragem de propor reformas impopulares", diz Paulo Tafner, pesquisador do Ipea, que defende um controle muito mais rígido do fluxo de caixa do INSS. Na avaliação de Tafner, o órgão precisa sanear sua contabilidade e só vai conseguir isso adotando remédios amargos. "No Brasil, apenas 40% dos trabalhadores contribuem para a Previdência. Essa taxa já foi de 65% e os levantamentos indicam que apenas um quarto dos que não pagam são, de fato, muito pobres, o restante não entra no sistema porque opta pela informalidade", diz ele. E por que fazem essa escolha? "Porque ganham pouco e, pagando ou não, no futuro terão direito a uma aposentadoria no valor de um salário mínimo. Então, qual o incentivo que esse contingente tem para contribuir para a Previdência?", pergunta Tafner. O modelo atual não estimula o recolhimento de contribuições ao INSS, sustenta ainda. Antigamente, a aposentadoria no valor do salário mínimo era concedida somente aos trabalhadores urbanos que haviam contribuído pelo menos uma vez para a Previdência. Depois foi estendida aos trabalhadores rurais, mas a apenas um por domicílio. Agora foi autorizado o pagamento de dois por domicílio. "Não estou dizendo que esse auxílio não deva ser prestado, porque sei que ele é importante, porém ele não deve sair do cofre do INSS. Isso é assistência social e não previdência", contesta. É a tal discussão sobre a natureza da Previdência.

Sugestões Mas as críticas de Tafner não se restringem aos que recebem ajuda. Ele acredita que é preciso fazer mudanças mais profundas para adaptar a previdência pública à nova realidade do país e dispara uma série de sugestões. Uma delas é estabelecer uma idade mínima para ter direito à aposentadoria, de 60 anos para os homens e 55 para as mulheres, a exemplo do que já é praticado com os servidores públicos federais. Outra mudança necessária é a eliminação gradual do privilégio das mulheres, que podem se aposentar cinco anos antes do que os homens, assim como os professores do ensino básico, que também se aposentam cinco anos antes. E também a redução do valor máximo das aposentadorias para os trabalhadores do setor privado, que atualmente é de 2,5 mil reais. E a desvinculação do valor dos benefícios ao salário mínimo. Esta última exigiria uma mudança na própria Constituição, que determina que nenhum aposentado ou pensionista receberá menos que um salário mínimo, o que sempre traz imensos problemas na hora de estipular o aumento desse piso salarial, já que cerca de 60% dos 23,1 milhões de benefícios pagos pelo INSS têm esse valor. "Não digo que tudo isso deva ser feito de uma hora para a outra, é claro que as mudanças têm de acontecer de forma gradual, para que não haja rupturas bruscas de direitos", esclarece Tafner.

Desnecessário dizer que essas opiniões provocam reações adversas. Delgado, colega de Tafner, discorda totalmente da idéia e acha que não se pode tirar da população a garantia de contar com uma aposentadoria, pelo menos equivalente ao salário mínimo. Para ele, a raiz do problema social está fora da Previdência e é de lá que tem de vir a solução. "O desaquecimento da economia gerou desemprego e queda da arrecadação. Em 1980, 55,6% da população economicamente ativa contribuía para o INSS, 20 anos depois essa proporção era de apenas 41,8%. Portanto, o único caminho seguro para garantir a saúde do INSS é a retomada do crescimento econômico", afirma. Os cálculos apresentados por Delgado mostram que um crescimento de 4% a 5% do PIB provocaria um aumento de 8% a 10% na receita do INSS por causa dos novos postos de trabalho e da redução da informalidade. "Não adianta nada penalizar os mais pobres", diz.

Efeitos Outros vão além e dizem que algumas propostas de Tafner não resolvem e ainda criam novos problemas. "Desatrelar as aposentadorias do salário mínimo significa colocar 24 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza", pontua Inocentini, do Sindicato dos Aposentados. Mas Tafner tem todos os argumentos na ponta da caneta. Ele explica que nenhum sistema previdenciário público do mundo dá aumento real no valor dos pagamentos e o correto seria reajustar todos os benefícios pelo índice de inflação. Dessa forma não haveria perdas, mas também não haveria ganhos. Em contrapartida, os gastos da Previdência estariam protegidos contra o crescimento inercial que carregam hoje em dia. Alguns alertam para efeitos colaterais de uma eventual redução no valor dos benefícios. "Qualquer medida nesse sentido terá um reflexo imediato no crescimento econômico porque provocará uma queda no consumo dos aposentados", diz Rodrigo Pôssas, vice-presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social (Anfip). Talvez isso aconteça, mas é bom lembrar que o que for economizado poderá ser gasto pelo governo em outros investimentos que gerem emprego e renda.

As propostas de redução da idade mínima para aposentadoria são uma clara tentativa de adaptar a previdência pública à nova realidade demográfica do país, mas será que é mesmo necessário, além de tudo, diminuir o valor do teto pago pelo INSS? Em princípio, o benefício máximo, que atualmente está em 2,5 mil reais, pode parecer baixo, mas Tafner explica que ele permite que 90% dos trabalhadores se aposentem com valor integral, já que eles têm salários iguais ou inferiores a esse limite. Quem ganha mais e quer ter uma aposentadoria mais farta contaria com a previdência complementar. "Na Argentina, 60% dos aposentados recebem o teto desse tipo de benefício e nos Estados Unidos esse percentual não passa de 40%. Por que no Brasil temos de garantir esse direito a quase a totalidade da população?", pergunta ele. Para quem passa a vida ouvindo reclamações sobre o INSS, é surpreendente descobrir que a situação brasileira não é tão ruim quanto parece. Até mesmo Inocentini acaba admitindo que, apesar de todos os problemas, a realidade dos aposentados no Brasil ainda pode ser considerada boa se comparada a outros países. "O benefício mínimo pago na Argentina não chega a 100 dólares, e no Uruguai está na faixa dos 80 dólares", lembra.

Enquanto muitos se esforçam em buscar o equilíbrio entre as receitas e as despesas do INSS, outros têm um olhar diferente sobre o problema. A Anfip acha que a Previdência que paga as aposentadorias - e a Seguridade Social - responsável pelos outros serviços assistenciais do governo - devem ser tratadas como um todo. Pôssas, vice-presidente da Anfip, afirma que não faz sentido nenhum essa separação e mostra que, se forem computadas, além dos recolhimentos de trabalhadores e empregadores ao INSS, todas as contribuições sociais arrecadadas no país, a conta do sistema não só fecha, como há sobra de caixa. Para chegar a esse resultado, ele agrega o valor obtido por meio da Contribuição Financeira da Seguridade Social (Cofins), da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), de parte da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e mais outras contribuições destinadas ao financiamento da seguridade social. De fato, somando tudo isso aos recolhimentos do INSS, em 2004 teria sido possível pagar todas as contas da Previdência, da seguridade e ainda sobrar 33 bilhões de reais. O problema é que o dinheiro das contribuições sociais não é destinado exatamente para esse fim. Parte dele é retirado por meio do mecanismo chamado Desvinculação das Receitas da União (DRU), que permite ao governo aplicar 20% da arrecadação para um fim diferente do planejado. "Além disso, outra parte é usada para financiar o superávit primário", reclama Pôssas, "por isso é que vivem propalando esse tal déficit previdenciário que não existe." Porém, quase ninguém concorda com a visão da Anfip sobre a situação contábil da Previdência.

Disfarce Um dos mais respeitados estudiosos da previdência pública, o professor Helio Zylberstayn, da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), não economiza críticas. "Isso é uma hipocrisia. Pode escrever exatamente o que estou dizendo. Eles chamam de contribuição porque não querem chamar de imposto, mas todas essas contribuições são impostos disfarçados e não vão servir para resolver o problema da Previdência." A avaliação do professor Zylberstayn é um exemplo clássico dos que defendem que a previdência pública deve ser um sistema baseado no modelo pagou-levou, isto é, cada um teria direito de retirar aquilo que contribuiu durante a vida e, nesse caso, não haveria falta nem sobra de dinheiro. Esse sistema existe e funciona em alguns países. O pioneiro nesse tipo de administração da Previdência foi o Chile, que, no final dos anos 70, fez uma das mais radicais reformas já vistas na história, privatizando o sistema previdenciário público. Dentro desse padrão é inimaginável a necessidade de qualquer contribuição social que venha a cobrir algo que já foi depositado e garantido há muito tempo. Mas no Brasil o sistema funciona de forma totalmente diferente. Vivemos no que é considerado um regime de solidariedade intergeracional, pois o que é recolhido hoje serve para pagar quem já está aposentado e, espera-se que no futuro, as novas gerações paguem para que os trabalhadores do presente também possam desfrutar de uma velhice tranqüila. É por isso que é preciso tomar medidas urgentes no sentido de garantir a atratividade da Previdência para que ela continue contando com contribuições. Nesse ritmo, o sistema público de previdência caminha para um impasse, pois implicará em maiores contribuições para os futuros trabalhadores, de forma a manter quem já se aposentou. Na década de 70 havia, em média, 4,2 pessoas que contribuíam para o sistema de previdência pública para cada beneficiário - aposentado ou pensionista - , mas a relação em 2004 caiu para 3,3 contribuintes para cada beneficiário.

Polêmica "O melhor caminho para trazer novos contribuintes que mantenham a máquina em bom funcionamento é a criação de produtos diferenciados que se adaptem a cada anseio, e também uma flexibilização para tentar incluir os que estão na informalidade", propõe Tafner. Ele sugere, por exemplo, uma modalidade para os estudantes, contemplando os que trabalham mas ganham menos de um salário mínimo. Pode ser uma alíquota baixa, mas seria atraente, porque já contaria como tempo de contribuição. Resgatar os que estão fora do sistema de previdência é o sonho de todos. Agora mesmo, está tramitando no Congresso Nacional um projeto de lei, proposto pelo governo federal, instituindo tratamento especial para microempresários e criando incentivos para os contribuintes individuais e por conta própria. As mudanças têm potencial para atingir um grupo de 15 milhões de pessoas, sem considerar os que hoje estão fora do mercado de trabalho, como donas-de-casa e inativos, que poderão optar por contribuir com alíquotas mais baixas. "Esse projeto é um passo importante para melhorar a situação da Previdência porque aumenta a arrecadação sem prejuízo nenhum para os beneficiários", diz Delgado, do Ipea.
Existe também outra forma de driblar a informalidade nas relações trabalhistas, mas essa exigiria mudanças radicais. Em vez de cobrar a contribuição sobre a folha de pagamentos das empresas, ela pode ser calculada com base em outro parâmetro, como o faturamento. Inocentini, do Sindicato dos Aposentados, defende essa tese. Lembra que quando trabalhou na Volkswagen, nos anos 70, a montadora contava com cerca de 45 mil funcionários e tinha capacidade para produzir 1,1 mil carros por dia. Atualmente, ela emprega menos de 13 mil trabalhadores e consegue fabricar 3,1 mil carros diariamente. "Quer dizer que ela contribui muito menos para a Previdência, mas fatura mais", argumenta ele. Tafner, do Ipea, admite que esse poderia ser um caminho, mas afirma que a taxação do faturamento não seria a melhor opção. "Há empresas que faturam muito, mas também pagam muito pelas mercadorias, como é o caso dos supermercados. Talvez fosse melhor cobrar sobre o valor agregado, ou seja, sobre a diferença entre o que a companhia adquire e o que ela vende", diz ele. Mesmo assim, alerta que seria preciso fazer muitos estudos e, aparentemente, essa hipótese ainda não está sendo considerada seriamente no Brasil. "Além do mais, estaríamos rompendo completamente a relação entre contribuinte e beneficiado, já que o pagamento seria coletivo sobre um valor que não guarda vínculo nenhum com os salários dos trabalhadores."

Gestão De qualquer forma, pelo menos por enquanto, o governo passa longe dessa discussão. Schwarzer, secretário da Previdência Social, informa que o ministério está mais preocupado em melhorar a gestão da Previdência do que em fazer mudanças profundas. Ele está empenhado na unificação das receitas, no recenseamento virtual e na aprovação de projeto de lei para inclusão dos informais. Quando perguntado sobre temas polêmicos, como a desvinculação do piso previdenciário ao valor do salário mínimo, ele desconversa. "É melhor deixar que a sociedade debata esse assunto. Por ora, estamos trabalhando para arrumar a casa do jeito que ela está." Tomara que ele consiga, sem estardalhaço, melhorar o desempenho da previdência pública. Afinal, uma das poucas certezas que temos na vida é que um dia envelheceremos, não conseguiremos mais trabalhar como antes e bateremos na porta da Previdência.

David Callund é um dos maiores especialistas do mundo em reformas de sistemas públicos de previdência. Desde os anos 70 atua como consultor de governos interessados em implementar políticas de equilíbrio e capitalização no segmento. Participou das duas fases da reforma previdenciária do Chile e atuou em vários países da Europa Oriental e da África. Para ele, as origens dos déficits dos sistemas de previdência estão enraizadas em erros de gestão pública. Por exemplo, o otimismo político é um dos ingredientes que desvia a atenção das realidades econômicas e também das possibilidades de mudanças demográficas de um país, que podem gerar rombos.

Outro fator que contribui para o surgimento desse tipo de problema, segundo Callund, tem sido um gerenciamento falho e também a existência de focos de corrupção nos sistemas, sobretudo no caso dos países com instituições mais fracas ou quase inexistentes, como os africanos. "Mas no mundo todo as estruturas previdenciárias, por serem muito grandes, são muito rígidas e incapazes de se ajustar facilmente às mudanças econômicas e demográficas", afirma. Para ele, mesmo com a "moda" atual de reformas de previdência, existem problemas políticos para conseguir o apoio popular para fazer as mudanças realmente necessárias para tornar os sistemas previdenciários mais salutares. Os políticos, na maior parte dos países, possuem visões de curto prazo e não estão preparados para colocar em risco seus índices de popularidade ao introduzir as medidas de equilíbrio de contas.

- Proposta: cobrança dos devedores da Previdência cruzando os dados das empresas que têm crédito com o governo federal e devem ao INSS.
Aplicabilidade: será posto em prática assim que começar a funcionar a Super-Receita. Conseqüência: aumento da arrecadação.

- Proposta: combate mais eficiente às fraudes. Aplicabilidade: ainda no segundo semestre de 2005 começará o recenseamento virtual de aposentados. Conseqüência: redução no volume de pagamentos do INSS.

-Proposta: novos modelos de contribuição com alíquotas diferenciadas para atrair quem está fora do sistema previdenciário. Aplicabilidade: há um projeto de lei complementar tramitando no Congresso que prevê a criação de um regime previdenciário especial para microempresários, trabalhadores autônomos e contribuintes por conta própria. Conseqüência: incluir os trabalhadores informais e aumentar a arrecadação.

- Proposta: desvincular o piso do benefício do INSS do valor do salário mínimo. Aplicabilidade: o tema está em discussão, mas exige mudanças na Constituição. Conseqüência: evita que o volume de pagamentos do INSS cresça sempre que o salário mínimo tiver aumento real.

- Proposta: aumento da idade mínima para aposentadoria pelo INSS para 60 anos para homens e 55 para mulheres, como já é praticado para os servidores públicos federais.
Aplicabilidade: depende de lei complementar.
Conseqüência: adaptar a Previdência ao crescimento da expectativa de vida.

- Proposta: eliminar gradualmente o direito das mulheres de se aposentar cinco anos antes dos homens. Aplicabilidade: depende de lei complementar. Conseqüência: adaptar a Previdência à maior expectativa de vida das mulheres e aumentar o tempo de contribuição delas.

- Proposta: eliminar gradualmente o direito dos professores do ensino básico de se aposentar cinco anos antes dos demais trabalhadores. Aplicabilidade: depende de lei complementar. Conseqüência: maior arrecadação, pois aumenta o tempo de contribuição dos professores.

- Proposta: diminuir o valor das aposentadorias de quem nunca contribuiu para que fiquem abaixo do menor valor da aposentadoria dos que pagaram ao INSS. Aplicabilidade: depende de lei complementar. Conseqüência: aumento da arrecadação, pois os trabalhadores que recebem um salário mínimo teriam interesse em contribuir para garantir uma aposentadoria equivalente ao que ganham.

- Proposta: redução do teto de aposentadoria para o trabalhadores do setor privado, que hoje está em 2,5 mil reais. Aplicabilidade: depende de lei complementar. Conseqüência: redução do volume de pagamentos do INSS.

- Proposta: aumentar gradualmente para 25 anos o período de contribuição para o INSS para ter acesso à aposentadoria. A regra atual determina que o período de contribuição aumente em seis meses a cada ano para chegar a 15 anos em 2011. Aplicabilidade: depende de lei complementar. Conseqüência: maior arrecadação porque aumenta o tempo de contribuição.

- Proposta: deixar de cobrar a contribuição previdenciária exclusivamente sobre a folha de pagamentos e passar a tributar o faturamento ou o lucro das empresas. Aplicabilidade: depende de lei complementar. Conseqüência: aumento da arrecadação porque empresas com altos lucros e poucos funcionários contribuiriam mais.

 
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