2007 . Ano 4 . Edição 35 - 10/9/2007
Pedro Humberto B. de Carvalho Júnior
Tem-se discutido o licenciamento compulsório do anti-retroviral Efavirenz, cuja patente seria expirada no Brasil no ano de 2012, permitindo a importação de genéricos da Índia e a fabricação local. É um dos últimos anti-retrovirais lançados na década de 1990 em que isso ainda não tinha ocorrido. Em 2000, quando o mais barato tratamento com anti-retrovirais chegava a US$ 28,60 diários, o Brasil surpreendeu o mundo ao iniciar a produção local de genéricos,o que baixou esse custo para US$ 7,58. A Índia seguiu o mesmo exemplo em 2001 e reduziu o valor para US$ 0,96. A partir daí, o custo dos tratamentos, inclusive com medicamentos originais, caiu consideravelmente.
O Brasil é signatário desde 1994 do Acordo sobre Aspectos de Direito de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (conhecido pela sigla Trips), cujo artigo 31 prevê a possibilidade de licenciamento de acordo com a legislação do país signatário. Já a Lei Federal 9.279/96, que regula a propriedade industrial e intelectual, refere-se ao licenciamento compulsório por abuso de poder econômico (art.68) e em casos de emergência nacional (art. 71). A concorrência dos genéricos levou os laboratórios detentores das patentes a oferecer preços mais baixos para países pobres africanos ou a negociar com países de renda média, como o Brasil, testando o poder de barganha do Estado versus o poder de monopólio dos grandes laboratórios.
Confronta-se o direito à vida de portadores do HIV em países pobres, cujos governos não podem adquirir medicamentos originais vis-àvis a necessidade de surgimento de novos remédios para combater o problema da resistência e diminuir os efeitos colaterais desses medicamentos. A estratégia mercadológica dos grandes laboratórios pode se basear em explorar as patentes até à proximidade do seu término para lançar novos medicamentos. Como exemplo, tem-se o medicamento Tenofovir, aprovado em 2001, cuja molécula já era conhecida e foi patenteada desde 1985, sendo uma possível alternativa ao AZT. O fim da patente do AZT em 2005, cuja molécula já era conhecida desde 1974, e o lançamento de um possível substituto de fácil administração sugerem que a existência de patentes muito longas pode gerar o efeito perverso de retardar novos lançamentos, já que a indústria de pesquisa e desenvolvimento farmacêutica é oligopolizada.
Por outro lado, pode ocorrer uma retaliação dos laboratórios com países que não respeitam suas patentes,não negociando preços mais baixos nos novos lançamentos. É bem possível que o laboratório Merck não ofereça condições tão favoráveis ao Brasil no seu futuro lançamento, o Raltegravir. Mas é bom lembrar que a grande maioria dos anti-retrovirais atuais terá sua patente expirada na próxima década. A epidemia alcança no País o número de 600 mil soropositivos, segundo notificações oficiais, com 180 mil em uso de anti-retrovirais, acrescentando 25 mil pessoas a cada ano. Isso significa que o gasto realmente vai se expandir.Apesar de a economia gerada pelo recente licenciamento compulsório do Efavirenz não ser tão expressiva (R$ 47 milhões em 2006), sua importância reside em ser indicado como primeira escolha nos tratamentos iniciais.
No tocante à evolução do gasto com a compra de anti-retrovirais no Brasil, o esquema mais usado, que inclui Efavirenz, Lamivudina e AZT, poderia ter seu custo reduzido de US$ 3,10 para cerca de US$ 1 por dia caso fossem utilizados apenas genéricos indianos (no caso do Tenofovir, US$ 4,24 para US$ 1). Embora o programa brasileiro seja um dos melhores do mundo, deveria restringir a prescrição de anti-retrovirais mais recentes e caros como o Atazanavir e o Tenofovir, que representaram, respectivamente, 40,7% e 10,8% dos gastos em 2006,porque,com um sexto do seu custo, poderiam na maioria dos casos ser substituídos, com a mesma qualidade e efeitos que os demais, por Efavirenz e AZT. Efeitos colaterais ou o surgimento de resistência deveriam ser os únicos critérios para as prescrições dessas novas drogas.Isto reduziria muito o custo do programa de acesso universal a anti-retrovirais sem comprometer sua qualidade.
Pedro Humberto Bruno de Carvalho Júnior é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
|