2006. Ano 3 . Edição 28 - 8/11/2006
Paulo Mente
Bismarck, na segunda metade do século XIX, ao convencer os europeus ocidentais da necessidade do estabelecimento de regras que garantissem a sobrevivência dos trabalhadores quando não mais fossem produtivos,não tinha idéia de que a exaustão de seu modelo de reciprocidade contributiva pudesse causar estragos 150 anos depois.
A Europa percebeu, ainda cedo,que o modelo de Bismarck era incompleto e, menos de cinqüenta anos depois,Lord Beveridge introduzia o conceito da universalização,com cobertura também para aqueles que não pudessem contribuir em razão de desemprego,invalidez,velhice ou viuvez. A seguridade social, então, passou a ter dois segmentos. O retributivo, financiado pelas contribuições sobre os salários, e o assistencial,pelos impostos arrecadados pelo Estado.
Atualmente, a seguridade social européia é amadurecida, mas ainda escorada nos modelos integrados de Bismarck e Lord Beveridge. Esse amadurecimento não indica, entretanto, que os sistemas estejam em permanente equilíbrio.Há reformas constantes.
O drama dos sistemas previdenciários na América Latina é muito mais intenso.O modesto nível de desenvolvimento econômico do bloco, com populações abaixo da linha da pobreza,não permite pensar em sistemas previdenciários eficientes quando até mesmo as necessidades primárias não são atendidas.
Nem o Chile - que apresenta melhores índices sociais,com 18,2% da população abaixo da linha de pobreza, 8,1% de desemprego e Produto Interno Bruto (PIB) per capita de 11,3 mil dólares - conseguiu atingir um nível de satisfação adequado. Seu modelo exigiu recentes medidas corretivas. No conjunto dos sistemas público e privado, o benefício médio anual é da ordem de 3,7 mil dólares para quase 1,2 milhão de beneficiários. O Estado ainda consome 4,5% do PIB para a manutenção de benefícios mínimos.
“Os sistemas previdenciários latinoamericanos, parecidos em sua conformação e representatividade, continuarão como uma pedra no sapato dos governantes à vista do estágio ainda favorável do envelhecimento populacional”
A crise rondou de forma severa os dois países mais idosos da América Latina,Uruguai e Argentina, há cerca de vinte anos.A Argentina,que conseguiu importantes reformas em seu sistema previdenciário, mas ainda está longe de atingir um grau de satisfação adequado, tem dado novo impulso à sua economia,elevando o PIB per capita a 13,1 mil dólares,todavia com uma taxa de desemprego de 12% e uma fatia elevada de 38% da população abaixo da linha de pobreza.Segundo país mais populoso do bloco, a Argentina tem 10,6% da população com mais de 64 anos de idade.O seguro social mantém uma renda de 155 dólares mensais para um conjunto de 3,4 milhões de beneficiários. O custo do sistema chega a 6,6% do PIB.
O Uruguai tem 13,3% de pessoas com mais de 64 anos e esse índice deve aumentar, já que o país tem a menor taxa de crescimento populacional de toda a América Latina.Com uma taxa de desemprego similar à da Argentina, distribui melhor seu PIB entre os 3,4 milhões de habitantes,de forma a situar apenas 22% dos uruguaios abaixo da linha de pobreza.O PIB per capita é de 9,6 mil dólares, e o gasto do sistema previdenciário chega a 4,2% do PIB.A renda média do beneficiário é de 150 dólares mensais.
O Brasil gasta 6,4% do PIB tendo uma proporção de população idosa bem menor (6,1%) e um PIB per capita mais modesto (8,5 mil dólares). Apesar da inclusão dos trabalhadores rurais a partir de 1988, com um piso que corresponde a 19% do PIB per capita,o sistema ainda não pode ser dito universalizado.Mas a renda média garantida é superior à dos países vizinhos, superando 250 dólares. O maior drama é a dificuldade em fixar tetos superiores e transferir as prestações mais expressivas para um regime contributivo e de reciprocidade, o que acaba por socializar o dispêndio já elevado do seguro social.
Os sistemas previdenciários latino-americanos, parecidos em sua conformação e representatividade, continuarão como uma pedra no sapato dos governantes, à vista do estágio ainda favorável do envelhecimento populacional, e continuarão dependendo fortemente do desenvolvimento econômico, da melhor distribuição da renda e da justiça social.
Paulo Mente é economista e ex-presidente da Associação Brasileira dos Fundos de Pensão Fechados (Abrapp)
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