2006. Ano 3 . Edição 27 - 5/10/2006
Maria da Piedade Morais
De acordo com o relatório da agência da Organização das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (UN-Habitat), The State of the World's Cities 2006/ 2007, quase 1 bilhão de pessoas moram em assentamentos urbanos precários no mundo. Na América Latina e no Caribe, são 134 milhões. O Brasil contribui com 39% desse total, ou 52 milhões de pessoas. As estimativas do Habitat apontam que, mantida a situação atual, até 2020 serão acrescidos a esse passivo brasileiro 2, 7 milhões de pessoas. O relatório também enfatiza que há forte correlação entre a precariedade das condições de moradia e baixos indicadores de desenvolvimento humano, mostrando que “o lugar de moradia importa”. A existência de uma ou mais inadequações habitacionais ameaça saúde, educação e acesso às oportunidades de emprego dos moradores: eles passam mais fome, têm menor probabilidade de conseguir emprego bem remunerado no setor formal, possuem baixo nível educacional, são mais vulneráveis a doenças e morrem mais cedo do que a média da população urbana. Assim, pode-se afirmar que os assentamentos precários se configuram como a materialização das violações aos direitos humanos e sociais básicos.
O Brasil tem ratificado os principais pactos, convenções e declarações da Organização das Nações Unidas (ONU) que incluem o direito à moradia como parte indissociável para os direitos humanos (Declaração Universal dos Direitos Humanos e Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, entre outros). No âmbito legislativo nacional, destacam-se a inclusão, em 2000, da moradia entre os direitos sociais mínimos da população e a homologação do Estatuto da Cidade, no ano seguinte, que introduziu diversos instrumentos para garantir o direito a cidades sustentáveis, o cumprimento da função social da propriedade e a regularização fundiária de assentamentos informais. A prioridade da titularidade da moradia a mulheres e idosos nos programas habitacionais, a urbanização de favelas, a regularização fundiária e a melhoria habitacional em quilombos e reservas indígenas também são exemplos dos esforços empreendidos pelo governo no sentido de garantir o direito à moradia adequada.
Embora tenha ocorrido sensível melhora nas condições de moradia da população brasileira entre 1992 e 2004 - com a proporção de pessoas residentes em domicílios urbanos adequados passando de 48, 0 % para 60, 4% -, o grau ainda é bastante desigual entre grupos socioeconômicos e regiões do país. O índice de adequação da moradia no Sudeste (88, 5%) é mais do que o dobro do registrado no Norte (40, 4%). Entre as pessoas com renda até meio salário mínimo, o grau de adequação é de apenas 31, 0%, ao passo que 78, 7% da população com renda superior a cinco salários mínimos vive em domicílios adequados. A desigualdade racial é gritante. A taxa, para os brancos, é de 70, 7%, enquanto somente 48, 2% dos pretos e pardos apresentam condições adequadas de habitabilidade. Crianças até 12 anos também apresentam condições de moradia inferiores aos das demais faixas etárias.
“Pode-se afirmar que os assentamentos precários se configuram como a materialização das violações aos direitos humanos e sociais básicos”
Nesse contexto, é urgente o aumento substancial nos investimentos em saneamento básico e habitação, além da revisão das políticas habitacionais e de desenvolvimento urbano para o alcance das metas 10 e 11 dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs), e a universalização do direito a moradia adequada para todos os cidadãos brasileiros.
Uma versão completa desse estudo, o artigo “Monitorando o direito à moradia no Brasil”, publicado no Boletim de Políticas Sociais n. º 12, está disponível no site do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea): www.ipea.gov.br.
Maria da Piedade Morais é pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). (*) Artigo escrito com a colaboração de George Alex da Guia, mestre em Planejamento Urbano pela Universidade de Brasília
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