A maior e mais ousada iniciativa do nacional‑desenvolvimentismo |
2016 . Ano 13 . Edição 88 - 23/11/2016
Lançado em 1974, o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) buscou enfrentar a crise internacional da época sem levar o país à recessão, definindo uma série de investimentos em setores-chave da economia. Combinava ação do Estado, da iniciativa privada e do capital externo. Sua execução foi seriamente comprometida pelo aprofundamento da contração internacional. Mesmo assim, foi capaz de dotar o Brasil de uma cadeia produtiva completa, algo inédito na periferia Gilberto Maringoni – São Paulo O cenário era simétrico, opaco e nada televisivo. De um lado, estava a bandeira e, de outro, um panteão com o brasão da República. Um púlpito de madeira escura, dois microfones e uma parede revestida com madeira marrom emolduravam o personagem, um senhor de cabelos brancos, terno escuro e aparência grave. A voz era monocórdia e sem emoção, ao ler um maço de papeis que trazia nas mãos: “Brasileiros. Em diferentes oportunidades, particularmente por ocasião do II Plano Nacional de Desenvolvimento [II PND], julguei necessário referir‑me ao cenário de perplexidade e obstáculos pelo qual vem se arrastando a economia mundial, desde fins de 1973”.
O país começava a vivenciar
Não havia retóricas de marketing, efeitos especiais ou fundo musical. Pelos 44 minutos seguintes, na véspera do Natal de 1975, o presidente da República Ernesto Geisel (1974‑1979), em rede nacional de rádio e televisão, faria algo impensável nos dias de hoje. Leria um consistente diagnóstico da situação brasileira e mundial e daria ciência das iniciativas de sua gestãoperante tal quadro. “A verdade é que não estamos diante de uma simples crise, aguda embora, de reajustamento econômico em larga escala. Enfrentamos uma mudança estrutural de toda a economia mundial. O Brasil está conseguindo evitar a estagnação e a recessão”, dizia com formalismo o quarto general da ditadura. Dois meses antes, em 25 de outubro, boa parte da opinião pública se chocara com a notícia do assassinato – propagado como suicídio – do jornalista Vladimir Herzog numa cela dos órgãos de repressão política, em São Paulo. Politicamente, o governo estava em meio a uma queda de braço entre o presidente e os setores mais duros do regime. A censura prévia havia acabado na imprensa. Disputas intestinas de poder resultariam em um recrudescimento e quase descontrole da repressão política nos meses seguintes. Geisel alternava o olhar entre o texto e a câmera e falava de subsídios à agricultura e de “setores sem dinamismo”. Detalhava investimentos nas áreas de bens de capital e de infraestrutura. Comentava a situação delicada do balanço de pagamentos e saltava para um tema que lhe era caro: a política energética.
“O plano foi montado em
DESACELERAÇÃO PAULATINA O país começava a vivenciar um período de desaceleração paulatina da atividade econômica, um ano após o presidente anunciar a mais ousada intervenção articulada do Estado na atividade econômica. Tratava‑se de um ambicioso projeto de investimentos e estímulos coordenados, que tinha o planejamento como métrica e uma combinação de capital privado, estatal e externo nos papeis de motores do crescimento. O II PND priorizava o aumento da capacidade energética e da produção de insumos básicos e de bens de capital. Engendrado e concretizado em meio a uma forte contração da economia mundial, aquele foi o mais elaborado plano econômico do ciclo desenvolvimentista. Para o cientista político José Luís Fiori, “o governo Geisel, navegando contra uma maré ideológica e econômica internacional desfavorável, foi o último dos desenvolvimentistas latino-americanos e, certamente, o mais acabado realizador da proposta industrializante da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) do fim dos anos 1940”. O plano vinha de uma tradição de ordenamento econômico que vicejou especialmente a partir dos anos 1930. Na época, a ação dos Estados nacionais foi decisiva para tirar vários países da depressão e estabelecer eficazes políticas anticíclicas alavancadas por investimentos públicos que estimularam a demanda agregada para reverter a rota descendente dos mercados. A PALAVRA DE GEISEL No início dos anos 1990, o general Geisel, em longo depoimento a Maria Celina D’Araujo e a Celso Castro, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas (FGV‑RJ), falou de sua biografia e destacou as ações de seu governo. O II PND mereceu foco especial. “O plano foi montado em grande parte pelo Ipea, com algumas ideias que eu tinha exposto na primeira reunião ministerial, e contou com a colaboração de todos os ministros. Foi muito discutido, inclusive no Congresso, que o aprovou com algumas emendas, entrando em vigor em dezembro de 1974”. Nas palavras do ex-presidente, “O II PND não era rígido. Era uma diretriz para os diferentes órgãos do governo pautarem suas ações e, como tal, foi sujeito a modificações ou reduções, conforme a situação”. Partia da meta governamental de concluir a cadeia produtiva interna – bens de consumo leves, bens duráveis e bens de capital – através de pesados investimentos em infraestrutura e na indústria de bens de capital. Buscava com isso superar a “industrialização restringida”, expressão de João Manuel Cardoso de Mello, e criar um feito inédito em economias periféricas, o de tornar o Brasil uma potência até o final do século. No depoimento, Geisel completava: “O II PND pretendia alcançar um desenvolvimento integrado, não apenas econômico, mas também social. Além do aumento da produção nacional, nossa preocupação era, tanto quanto possível, assegurar o pleno emprego, evitando o agravamento de nossos problemas sociais e promovendo melhorias na sua solução”. O então ministro do Planejamento, João Paulo dos Reis Velloso, em entrevista a esta revista, em 2008, lembrou que “Com o II PND, passamos a dominar o paradigma industrial da época, que eram metalurgia e indústrias mecânicas”. O ex-ministro assinala que o conjunto “foi escrito por mim lá na SQS 114 [então uma quadra de apartamentos funcionais em Brasília]. Eu passava lá os fins de semana, escrevendo o plano com base em ideias minhas, mas usando os documentos que tinha recebido do Ipea e com alguns subsídios do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)”.
“Na primeira metade dos anos
DILEMAS DOS ANOS 1970 Maria da Conceição Tavares, no artigo “A arrancada da economia brasileira em tempos de crise”, aponta a conjuntura em que o leque de medidas foi concebido: “Na primeira metade dos anos 1970, o sistema mundial foi abalado por dois fatos que, ao afetar o centro e também a periferia, provocariam recessão e obrigariam a economia do mundo todo a promover mudanças que levaram ao fim a chamada Era Dourada do capitalismo”. O chamado “milagre econômico”, com taxas de crescimento acima de 10% ao ano, vivia seus estertores. A professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) lembra que o primeiro desses fatos se deu quando o governo de Richard Nixon, em agosto de 1971, mudou drasticamente a estratégia dos Estados Unidos em relação à sua moeda. “Diante do enfraquecimento do dólar e da incapacidade de conter a especulação no mercado cambial, Nixon rompeu com o padrão estabelecido em Bretton Woods, pelo qual a moeda norte‑americana tinha sua conversibilidade em ouro”. O segundo fato, aponta ela, decorreu do acirramento do conflito no Oriente Médio, quando, depois da Guerra do Yom Kipur e do apoio explícito dos Estados Unidos a Israel, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) impôs um embargo aos países do Ocidente, com forte redução da oferta de óleo bruto no mercado mundial. “Entre outubro de 1973 e março de 1974, ante a redução da oferta em cerca de 50%, os preços do petróleo aumentaram em mais de 300%, gerando déficits nas balanças comerciais das nações importadoras”, escreveu a economista. Diante de tal situação de desaceleração econômica e de forte pressão nas contas de juros das dívidas externas, os países da periferia foram pressionados a fazer rápidos e fortes ajustes em suas economias. O Brasil resistiu.
EXPANSÃO E CRISE A ousadia do governo brasileiro estava em não adotar medidas restritivas, mas, ao contrário, de contar com a possibilidade de um novo ciclo de endividamento – enquanto os juros ainda não haviam subido significativamente – para manter o impulso desenvolvimentista. O testemunho de Ernesto Geisel deixa claro tal propósito: “A política de meu governo [...], apesar da alta do petróleo e dos males decorrentes de nosso balanço de pagamentos, visou sempre a evitar a recessão”. Na mensagem que enviou ao Congresso Nacional, em 10 de setembro de 1974, juntamente com o texto inicial do plano, o mandatário parecia se precaver contra possíveis acusações de voluntarismo: “É certo que não pode haver lugar para otimismos exagerados, num universo de profecias sinistras que vão da estagnação inflacionária à depressão econômica arrasadora. Por outro lado, conformar‑se, a priori, ante tais expectativas sombrias de dias difíceis, com um pessimismo derrotista, seria refugar o esforço construtivo que, com fé, tudo pode, e aceitar, pela apatia e pelo desânimo, a generalizarem‑se em ondas sucessivas, a realização, afinal, daqueles mesmos prognósticos negativos”. De forma um tanto rebuscada, isso significava evitar uma profecia autorrealizável. Agência Brasil / Portal EBC
Entre o envio ao Congresso
Entre o envio ao Congresso e a sanção da lei, em 4 de dezembro de 1974, o mundo, literalmente, caiu para a ditadura. Nas eleições de 15 de novembro, que renovariam um terço das cadeiras do Senado e a totalidade dos assentos da Câmara dos Deputados, o regime conheceria uma derrota inesquecível. O governo, por meio da Aliança Renovadora Nacional (Arena), elegeu 203 deputados e a oposição, abrigada no Movimento Democrático Brasileiro (MDB), obteve 161 vagas, de um total de 364. Perdia assim a maioria qualificada, que lhe facultava realizar alterações constitucionais com tranquilidade. Das 22 vagas em disputa no Senado, o MDB levou 16. Começava a longa decadência do regime. Nesse quadro complicado, o governo decidira chutar o balde, em matéria econômica. Antônio Cruz / Agência Brasil
“Se o II PND não chegou José Luís Fiori, cientista político
DIFICULDADES EXTERNAS O II PND foi a principal ferramenta para a constituição de uma economia moderna e diversificada no Brasil. Apesar disso, teve graves insuficiências em sua execução. A maior delas foi a baixa confiança inicial – seguida de aberta oposição – do capital privado nacional. O agravamento da situação externa e a elevação unilateral dos juros nos Estados Unidos foram fatais para os objetivos oficiais. A realização de um grande empuxo desenvolvimentista lastreado em financiamentos externos e recursos públicos mostrou sua fragilidade a partir do segundo semestre de 1975. É essa a tônica do longo pronunciamento presidencial em rede nacional. José Luís Fiori assinala que, “se o II PND não chegou a modificar a natureza da acumulação de capital no Brasil, que continuou pautada pelo consumo de bens duráveis, graças ao poder de irradiação dos padrões de consumo dos países avançados, entretanto, esse plano alterou substancialmente as relações do país com o exterior”. CRÍTICAS ÀS DIRETRIZES OFICIAIS O II PND vem à luz na transição de um período de alta aprovação popular do regime, nos primeiros anos da década, para sérios descontentamentos causados pela desaceleração nos anos seguintes. Se, nos anos do “milagre”, taxas de crescimento da ordem de 10% ao ano geraram um clima de certa euforia com a elevação do consumo de bens duráveis, os anos do II PND foram marcados por crescentes contestações à ditadura. Além da derrota eleitoral, em 1974, e dos protestos contra o assassinato de Vladimir Herzog, o regime colheu o desgaste pela edição do Pacote de Abril de 1977. Com aquela medida, Geisel determinou o fechamento do Congresso por 14 dias e baixou medidas artificiais para assegurar maioria parlamentar. Protestos de rua, promovidos por estudantes, começaram a se espalhar pelas principais capitais e inéditas greves operárias foram deflagradas a partir do Sul e do Sudeste, no ano seguinte. Mesmo assim, o II PND foi capaz de dotar o país de uma cadeia industrial completa e postergar alguns dos efeitos mais profundos da crise externa para os primeiros anos da década de 1980. CRÍTICAS DE VÁRIOS LADOS É extensa a literatura voltada para a avaliação econômica daqueles anos. Possivelmente, a reflexão mais abrangente tenha sido feita por Antonio Barros de Castro, em seu livro A economia brasileira em marcha forçada, de 1985. Entre outros tópicos, ele assinala que: “Trata‑se de um plano cujas propostas centrais encontram‑se profundamente marcadas pela consciência de que o mundo se encontrava mergulhado em grave crise, que tornou patente a vulnerabilidade da economia brasileira”. Segundo ele, “de 1974 a 1978, estamos diante de uma economia em desenvolvimento que decidiu não provocar uma recessão como meio de lidar com a adversidade externa”. Apesar de sua opinião favorável ao elenco de iniciativas, Barros de Castro ressalta um aspecto importante: a falta de articulação e legitimidade social. “O II PND cumpriu toda a sua conturbada trajetória, como um produto de gabinete, incapaz de obter o apoio (e muito menos a mobilização) de uma sociedade que não participou de sua elaboração e não tinha como controlar a sua execução”, destaca. O economista e ex‑presidente do BNDES Carlos Lessa avaliou o II PND, ainda em 1978, como um caso extremo de descolamento do Estado de suas bases de sustentação. “Trata‑se de um plano cujas propostas centrais encontram‑se profundamente marcadas pela consciência de que o mundo se encontrava mergulhado em grave crise, que tornou patente a vulnerabilidade da economia brasileira” Trecho do livro A economia Documentadamente, o período Geisel foi de retrocesso,
SITUAÇÃO DE RETROCESSO Com uma visão ortodoxa, o economista Edmar Bacha, um dos formuladores do Plano Real e atual diretor da Casa das Garças, assim avalia a política econômica de Geisel, em entrevista concedida ao jornal O Globo, em 2009: “Quando se abateu sobre a Coreia do Sul a primeira crise do petróleo, em 1974, os coreanos mudaram de rumo, trataram de poupar e investir mais e começaram a enfatizar a busca do mercado externo, abandonando a substituição de importação como estratégia de crescimento. No Brasil, fizemos o contrário. Quando veio a primeira crise do petróleo, a nossa resposta, por meio do II PND foi reafirmar o modelo de substituição de importações, o que acabou desembocando nessa loucura que foi a Lei da Informática. E, documentadamente, o período Geisel foi de retrocesso, houve uma enorme queda da produtividade por causa dessa insistência em produzir cada vez mais produtos para os quais não estávamos capacitados. As respostas do regime militar às crises externas que ele enfrentou fizeram com que o Brasil perdesse potencial de crescimento, virasse uma economia hiperinflacionária e agravasse a concentração de renda”. ATAQUES VIA IMPRENSA Houve uma segunda ordem de críticas ao II PND, vindas de setores liberais do empresariado. A caixa de ressonância foi a imprensa. O jornalista Elio Gaspari, em seu livro A ditadura encurralada, conta: “Na segunda metade de fevereiro de 1975 o jornal [O Estado de S. Paulo] publicou uma série de onze reportagens intitulada “Os caminhos da estatização”. Refletindo o clima da época e o tipo de relações do patronato com a ditadura, exaltava a iniciativa privada, sem que houvesse em nenhum dos textos uma única frase de empresário defendendo seus interesses, muito menos criticando o governo. O Estado justificava o anonimato das fontes como um estímulo à franqueza, mas reconhecia: ‘A busca desse sigilo, por si só, é bastante representativa da situação de dependência em que vivem esses empresários’”. Na retórica do jornal, o governo trabalhava de forma aberta em um objetivo de estatizar a economia e sufocar a iniciativa privada. Era algo que uma simples leitura do texto aprovado pelo Congresso poderia desmentir. Mas o matutino insistia: o Brasil estaria em marcha batida rumo ao socialismo. Outros setores atacavam o caráter autoritário do plano e o próprio governo federal. Mais adiante, Gaspari assinala que “o Jornal do Brasil se juntou ao debate com um novo articulista, o almirante da reserva José Celso de Macedo Soares Guimarães, ex‑ superintendente do programa de Marinha Mercante (Sunaman). Entrou batendo forte. Num artigo intitulado ‘Comunismo e seu novo nome: capitalismo de Estado’, iluminou o caminho que permitiria ao empresariado criticar o governo sem desonrar o compromisso anticomunista do regime”. Freepik CRESCIMENTO EXPRESSIVO O plano garantiu taxas de crescimento expressivas, embora menores que no período 1969‑1973. Em 1975, o PIB se expandiu 5,1%; em 1976, 10,2%; em 1977, 4,9%; em 1978, também 4,9%; e em 1979, 6,8%. Entre 1974 e 1979, a dívida externa passou de US$ 14,9 bilhões para US$ 55,8 bilhões. No início do período, havia crédito barato no mercado internacional, parâmetro que se reverteu no fim da década. Segundo Vanessa Boarati, professora do Insper, no artigo “A defesa da estratégia desenvolvimentista do II PND” (2005), “em meados de 1976, a acentuação dos desequilíbrios do balanço de pagamentos alterou sensivelmente todo o discurso oficial, e, a partir desse ano, o governo é obrigado a rever os projetos de investimentos, reduzindo‑os significativamente”. Segundo ela, em declaração aos jornalistas em dezembro de 1976, Geisel ressalta que “os investimentos públicos previstos pelo II PND para 1977 teriam de ser reduzidos em 25% para evitar a escalada da inflação (estacionada em torno de 40%) e da dívida externa (cerca de US$ 31 bilhões) para controlar o déficit do balanço de pagamento”.
“É intenção do governo evitar Ex-presidente Ernesto Geisel,
A BUSCA PELA AUDIÊNCIA Voltemos ao pronunciamento televisivo de Ernesto Geisel, mencionado no início. O ritmo monótono seguiria dando o tom de toda a intervenção. O general falava da política energética, com absoluto destaque para o setor de petróleo e álcool. Ao longo de infindáveis minutos, ele seguiria comentando a situação internacional, os perigos da elevação dos juros e a necessidade de se manter o nível de emprego interno. Lamentava a redução do crescimento. Uma inserção televisiva dessa natureza jamais seria feita numa atualidade pautada pelo ritmo de videoclipe e por efeitos especiais da propaganda política. O mandatário detalhou as ações da Petrobras, diante das perspectivas “pouco alentadoras” de redução ou estabilização dos preços do petróleo. Falou dos contratos de risco, associação com empresas privadas. Prosseguiu, externando uma meta: “É intenção do governo evitar que a estagnação de certas regiões do mundo se propague pelo Brasil. Para tanto, prosseguiremos com uma política antirrecessiva”. Ressaltava a importância de se manter os programas de investimentos “que levam à solução dos problemas do balanço de pagamentos, [possibilitam a] substituição intensiva de importações e a manutenção do nível da atividade econômica”. No fim, parecia vocalizar uma intenção: “Isso interessa fundamentalmente ao setor privado, ao qual cabe executar aqueles programas, ao qual cabe fornecer‑lhes equipamentos, matérias-primas e serviços”. Embora favorecido por incentivos, financiamentos e subsídios, ficaria claro que boa parte do setor privado preferia não correr riscos. E logo começou a se opor ao plano e ao governo.
O PLANO EM LETRA DE FORMA A legislação que define o II PND, aprovada no Congresso no fim de 1974, afiançava: “O Brasil deverá ajustar a sua estrutura econômica à situação de escassez de petróleo e ao novo estágio de sua evolução industrial. Tal mudança implica grande ênfase nas indústrias básicas, notadamente o setor de bens de capital e o de eletrônica pesada, assim como o campo dos insumos básicos, a fim de substituir importações e, se possível, abrir novas frentes de exportação. Veracel O plano também apontava para as virtudes do setor rural: “A agropecuária, que vem tendo, em geral, bom desempenho, é chamada a cumprir novo papel no desenvolvimento brasileiro, com contribuição muito mais significativa para o crescimento do PIB e mostrando ser, o Brasil, capaz de realizar sua vocação de supridor mundial de alimentos e matérias-primas agrícolas, com ou sem elaboração industrial”. Diante dessas premissas, o objetivo é assim sintetizado: “Espera-se consolidar, até o fim da década, uma sociedade industrial moderna e um modelo de economia competitiva”. CIÊNCIA E TECNOLOGIA Em tempos de alta nos preços do petróleo, do qual o Brasil era dependente de importações, um dos focos essenciais estava no capítulo de energia: “Na etapa dos próximos cinco anos, o país realizará grande esforço de reduzir sua dependência em relação a fontes externas de energia”. A necessidade de se reduzir a dependência em relação ao petróleo importado era premente. A Petrobras ainda não havia feito as grandes descobertas de poços em alto-mar. Assim, o documento apontava a necessidade de um “programa maciço de prospecção (na plataforma, em áreas sedimentares em terra e no exterior) e de produção”, com elevação de 225% do valor dos investimentos em cinco anos. As áreas correlatas mereciam destaque no texto, que culminaria com a criação do CNPq: “Em nenhuma outra época do desenvolvimento brasileiro o progresso científico e tecnológico teve a função básica que lhe é atribuída, no próximo estágio, com equilíbrio entre pesquisa aplicada e pesquisa fundamental, sob a coordenação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em fase de criação”. Como tópico adicional, essa parte apontava para a necessidade de se incrementar os programas “nuclear e espacial”.
MUNDO AO REDOR O projeto elaborado por João Paulo dos Reis Velloso também contemplava as relações internacionais: “Na Integração com a economia mundial, ganha mais importância a conquista de mercados externos, principalmente, para manufaturados e produtos primários não tradicionais (agrícolas e minerais). Procurar-se-á manter sob controle o déficit do balanço de pagamentos em conta‑corrente (equivalente ao volume de poupança externa absorvido). Será continuada a política de diversificação das fontes de financiamento, dos mercados externos e do investimento direto estrangeiro”. Mesmo sendo uma economia não completamente industrializada, o Brasil, na visão dos dirigentes da época, deveria abrir o leque de parcerias externas e buscar formas de integração continental: “No esforço dinâmico de mais alto nível de intercâmbio com as áreas prioritárias definidas, será diversificada a nossa atuação de comércio dentro dos Estados Unidos (Costa Oeste, Meio Oeste, Sul, Zona do Caribe); consolidada a posição junto ao Mercado Comum Europeu (hoje nosso maior mercado); desenvolvido esquema da maior integração possível com a América Latina; tornada mais efetiva nossa política em relação à África e estabelecida estratégia global de cooperação com os países árabes; fortalecida a ponte já feita com o Japão, com seleção de áreas prioritárias para seus investimentos no país; formado um conjunto de novos mecanismos para a intensificação do comércio com a União Soviética e o Leste Europeu; ampliada consideravelmente a frente de relações comerciais com a China Continental”. Em relação ao Sul do mundo, a dinâmica seria prioritária: “O Brasil continuará preconizando a maior abertura possível de cooperação econômica entre os países da América Latina, como o verdadeiro caminho para a viabilização futura dos esquemas de integração econômica. [...] Nossa política em relação à África, e especialmente às nações tornadas independentes a partir dos anos 60, ganhou nova dimensão, com o início de empreendimentos conjuntos em vários países”. Agência Petrobras
A necessidade de se reduzir
PODERES DO PODER PÚBLICO No capítulo sobre estratégia econômica ficava bem delimitado o papel do Estado: “Adoção de regime econômico de mercado, como forma de realizar o desenvolvimento com descentralização de decisões, mas com ação norteadora e impulsionadora do setor público”. O capital externo deveria se submeter a tal lógica: “Aqui se coloca, obviamente, o problema de ajustar as multinacionais à estratégia nacional”. O governo Geisel buscaria concretizar uma meta cara aos desenvolvimentistas: a criação de grandes grupos empresariais privados, que atuassem complementarmente à ação estatal. Algo assim seria realizado com êxito pela Coreia do Sul, na década seguinte. E, surpreendentemente, o texto apontava a “necessidade de compatibilizar tal orientação com a política de distribuição de renda”. DIVIDIR O BOLO Em sua “Estratégia de desenvolvimento social”, o II PND criticava diretamente uma frase atribuída ao ex-ministro Delfim Netto: “O governo não aceita a coloc ação de esperar que o crescimento econômico, por si, resolva o problema da distribuição de renda, ou seja, a teoria de ‘esperar o bolo crescer’. Há necessidade de, mantendo acelerado o crescimento, realizar políticas redistributivas enquanto o bolo cresce”. A verdade é que, de um lado, o crescimento pode não resolver o problema da adequada distribuição de renda, se deixado à simples evolução dos fatores de mercado. E, de outro lado, a solução por meio do crescimento, apenas, pode demorar muito mais do que a consciência social admite, em termos de necessidade de melhorar rapidamente o nível de bem-estar de amplas camadas da população”. O programa envolvia ainda uma “estratégia de desenvolvimento social”, que tinha por meta a criação em cinco anos de “cerca de 6,6 milhões de empregos novos” (em um país de 110 milhões de habitantes) e com uma política de salários “para permitir a criação progressiva da base para o mercado de consumo de massa”. Ao mesmo tempo, apontava para uma “política de valorização de recursos humanos, para qualificação acelerada da mão de obra, aumentando sua capacidade de obtenção de maior renda, por meio da educação, treinamento profissional, saúde, saneamento e nutrição”. Em cada um desses tópicos, o plano apontava os valores dos investimentos a serem feitos. Além disso, apontava-se que “nas áreas de saúde pública e assistência médica da previdência, cuidar-se-á da reforma de estruturas, para dar capacidade gerencial a esses setores, a exemplo do que já se vem fazendo na educação, especialmente quanto às universidades”. Divulgação / Mercosul “O Brasil continuará
POLUIÇÃO E MEIO AMBIENTE O documento mostra uma preocupação positiva com o meio ambiente, num Brasil de quatro décadas atrás. Nesse ponto, destacam-se as atenções dadas à urbanização desordenada: “Ao longo da década, o país se estará caracterizando, cada vez mais, como uma sociedade predominantemente urbana, em processo acelerado de metropolização. [...] Essa prematura metropolização tem levado, principalmente no Grande Rio e na Grande São Paulo, à presença forte do problema da poluição industrial, que começa a ameaçar outros grandes centros [...] O combate à poluição já é importante, no Brasil. De um lado, já se observam, principalmente em face da excessiva concentração industrial em certas áreas metropolitanas, sem zoneamento adequado, assim como da proliferação de veículos nos mesmos aglomerados urbanos, manchas de poluição agudas ou significativas, em várias regiões do país, como os casos críticos óbvios da Grande São Paulo e do Grande Rio. De outro lado, a devastação de recursos naturais — de solo, vegetais e animais — assume proporções inadmissíveis, em consequência da construção da infraestrutura, da execução de programas industriais e agrícolas, mas, principalmente, da ação predatória de interesses imediatistas. DE ONDE VEM O DINHEIRO O plano não apenas apontava gargalos e definia soluções, como mostrava o volume de investimentos e suas fontes internas de financiamento. Eram eles o Orçamento da União, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), Banco Nacional de Habitação (BNH), a Caixa Econômica Federal. “Atuação dos bancos oficiais, e das superintendências regionais, em estreita articulação com os ministérios setoriais, para que sua ação financiadora, e na gestão dos incentivos fiscais, seja integralmente consistente com as prioridades do ministério responsável pela área.” |