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Paulo Mendes da Rocha

2016 . Ano 13 . Edição 88 - 23/11/2016

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Paulo Mendes da Rocha

“Não existe espaço privado, só existe o público. O único espaço privado é o cérebro humano”

O mais importante arquiteto brasileiro em atividade, premiado internacionalmente, fala dos dilemas da arquitetura e da engenharia no difícil momento que o Brasil atravessa. E alerta: “O planeta, por si, não é habitável.
Se você abandonar um indivíduo em qualquer lugar da natureza, ele não dura 10 dias. No mar, não dura nada. Nem na floresta. Há tsunamis, vulcões etc. A habitabilidade tem de ser construída pela humanidade”

Gilberto Maringoni – São Paulo

Desafios – O senhor descende de dois homens que tinham na ideia do espaço público a sua razão de ser. Seu avô dirigiu o serviço de navegação do rio São Francisco e, mais tarde, a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Seu pai era engenheiro naval e professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). Esse lastro familiar teve alguma influência em sua concepção de arquitetura?

Mendes da Rocha– Deve ter influenciado muito. Meu pai não fazia apologia de nada, mas me fazia ver. Tanto que eu, muito pequeno, conheci, por exemplo, a inauguração do Porto de São Sebastião, nos anos 1930. Do ponto de vista da América, se você imaginar, a navegação interior é toda fluvial, portos, rios e canais. Havia uma iniciativa fantástica. O governo Vargas transformou um pequeno navio estatal de 60, 75 mil toneladas em embarcação de cabotagem. Logo fez daquilo um escritório, botou alguns engenheiros especialistas lá dentro, incluindo aí meu pai, para navegar na costa brasileira, entrar nos pequenos portos e ver os entrepostos de amparo à pesca que deveriam ser feitos. Meu pai me levou nessa viagem. Assisti a coisas incríveis. Passei – 10 dias no mar, frequentei esses portos. E meu pai fazia isso sabendo que estava me educando. Onde estaria o estímulo à educação? Está na confiança de que o homem pode fazer de acordo com projetos e ideais. A engenharia é capaz de realizar desejos humanos de interesse social, de interesse amplo. O confronto das terras com as águas é algo espantoso. Fui compreendendo que esse é um trabalho do homem. Hoje, penso a arquitetura como forma de conhecimento. A natureza não é simples paisagem, mas um conjunto de fenômenos que envolve mecânica dos solos, mecânica das águas etc. 

Desafios – Moldou‑se aí sua visão profissional?

Mendes da Rocha– Abriu os horizontes. Aqui reside a grande dificuldade na vida que é você ter a liberdade de decidir o que fazer. Isso só se faz com projeto. Qual é a projeção que você faria para desenhar determinada coisa? Para configurar aquilo como uma construção? Ou seja, aprendi também que estamos condenados, o gênero humano, a transformar a ideia em coisa. Ninguém pode saber qual é a sua ideia se você não fizer disso uma coisa. Seja uma colher, uma barragem hidrelétrica, uma dança ou um discurso. O planeta, por si, não é habitável. Você tem de  construir. A natureza, por si, é um desastre, não é? Se você abandonar um indivíduo em qualquer lugar da natureza, ele não dura 10 dias. No mar, não dura nada. Nem na floresta. Há tsunamis, vulcões etc. A habitabilidade do planeta tem de ser construída. O confronto das águas com a terra, em território firme, foi sempre um grande problema porque o desejo – haja Veneza como exemplo! – é estar ali porque os navios chegam. E como fazer? Eis toda a evolução da muralha de cais e da atracação. Antigamente, os navios ficavam fora, tinham de descarregar tudo com escaler. A interlocução da água com a terra foi sempre, para o homem, um problema. Portanto, o confronto da terra com as águas é um lugar de construção por excelência, seja fluvial, seja marítima, da necessidade de desejo de forma explícita, como manifestação da arquitetura. A construção de necessidade de desejos humanos.

 

PERFIL

Paulo Archias Mendes da Rocha, 87, é, possivelmente, o mais importante arquiteto brasileiro em atividade. Em 2006, recebeu o principal prêmio da arquitetura mundial, o Pritzker. Dez anos depois, foi laureado na Bienal de Veneza com o Leão de Ouro, pelo conjunto de sua obra. 

Natural de Vitória (ES), Mendes da Rocha chegou com a família à capital paulista em 1940. Toda sua carreira está estreitamente vinculada à cidade. 

Juntamente com João Batista Vilanova Artigas (1915‑1985) e outros, compõe o que se denominou de escola paulista de arquitetura, derivada do modernismo e marcada pelo uso do concreto, do aço, e pela busca da integração da obra com o espaço público. 

Seus projetos sempre provocaram intensa polêmica pela ousadia de soluções. É o caso da marquise de metal sobre a Praça do Patriarca, da reforma no histórico prédio da Pinacoteca, construído em 1900, ou do Museu Brasileiro da Escultura, todos em São Paulo. 

A partir de 1961, tornou‑se professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), atividade que desempenhou até ter seus direitos políticos cassados, em 1969, por força da ditadura militar. Só voltaria às salas de aula 11 anos depois, com a conquista da anistia. Sua obra é composta por edifícios públicos, residências, mobiliário e reformas que redefiniram projetos de terceiros.


Desafios – A chamada escola paulista de arquitetura, que vem do modernismo, parece carregar muito essa articulação entre o projeto com seu meio. No caso da cidade, o meio é o espaço público. A maior parte de seus projetos é feita para espaços públicos. Como o senhor concebe a relação da arquitetura com seu entorno?

Mendes da Rocha – A arquitetura ou um edifício não pode ser um fato isolado. Integra a cidade. Ninguém vive isolado. Então, a cidade tem as suas razões fundamentais e é isso que anima a imaginação do que possa se chamar arquitetura. É claro que você pode concluir, imediatamente, que o arquiteto é um infeliz porque o resultado que está aí é um desastre. É que o resultado que está aí não tem nada que ver com arquitetura.

Desafios – Por quê?

Mendes da Rocha – Porque a ideia da arquitetura não é produzir objetos para o mercado. Não é produzir algo para você vender.

Desafios – O sr. realizou dois projetos extremamente ousados em São Paulo. Um é o da marquise sobre a Praça do Patriarca. Ele está articulado com um lugar histórico da cidade, com algo que já estava lá antes de sua intervenção. E outro é a reforma da Pinacoteca do estado, um prédio histórico de Ramos de Azevedo (1851‑1928). São duas interferências em áreas que já têm história. Como o senhor lida com as críticas dos que defendem a manutenção de uma espécie de pureza da concepção original?

Mendes da Rocha – Você falou uma coisa muito interessante, que aquilo já estava lá, ou muita coisa já estava lá. Mas o homem nunca conseguiu fazer nada diante de alguma coisa que não estava lá. É justamente por isso que ele pode pegar uma pedra aqui e outra ali, e fazer outra coisa arrumando aquilo. Tudo é a realização de necessidades, mas, de um modo concomitante com desejos humanos. No caso, por exemplo, da Praça do Patriarca, onde é muito nítida essa concomitância de necessidades e desejos, não fui eu quem determinou o que tinha de ser feito. Havia uma cobertura, muito deteriorada, da passagem subterrânea da praça para o Vale do Anhangabaú. Ela não existe mais. A praça tinha uma abertura para baixo, que a ligava ao vale. A antiga marquise protegia a caminhada na escada, às vezes, debaixo de chuva. Chamaram‑me para refazer a cobertura. Não é um projeto meu. Tudo estava lá, desde a praça, tão antiga, como a passagem para o Vale do Anhangabaú, que tem uma importância enorme como eixo de transporte público etc.

Desafios – Qual era o projeto?

Mendes da Rocha– Ali se tratava de fazer uma cobertura nova. Imaginei que possibilitar a visualização da praça toda seria sempre muito mais interessante do que ficar colocando pilares e fazer uma tampa de laje etc. Projetei em metal, pois assim se podem fazer coisas levíssimas. Imaginei aquilo mais ou menos como uma asa de avião, aquele vazio, que não pesa nada. São uma, duas, três, quatro, cinco aletas, como nervuras de uma asa, uma capa superior e uma capa inferior, apoiadas em uma suspensão que resulta em dois pilares – os engenheiros avaliam 80 toneladas, ou seja, 40 toneladas em cada parte. As peças são feitas fora. Imagine que é possível transportar em carretas e que uma grua é capaz de se movimentar no local porque transporta tudo de madrugada e não atrapalha o trânsito da cidade. Ou seja, por mais que a obra pareça extraordinária, ela é feita para não ser muito vista. Para o pedestre, a praça está livre.

Marco Antonio Sá

 

Desafios – No caso da Pinacoteca, o senhor introduziu o aço em um ícone do neoclassicismo paulista e eliminou uma escadaria. É uma ousadia e tanto, não?

Mendes da Rocha – Troquei o endereço. A porta de entrada mudou de rua. Tive uma emoção em uma ocasião na qual entrei lá na Pinacoteca, talvez até antes de me encomendarem esse projeto. Vi, naqueles pátios, as andorinhas passando de lá para cá com uma liberdade que o traçado daquele negócio, rigidamente montado sobre quatro eixos, dois eixos, não possuía. É uma arquitetura que te obriga a caminhar num percurso que não lhe dá liberdade. Tinham também alargado a avenida em frente e constrangido a entrada da escadaria original. Era incômodo. Havia na outra face duas varandas, chamemos assim, de frente para a Estação da Luz. Era algo simétrico, igual ao que havia nos fundos, voltado para o jardim. Pareceu‑me a entrada ideal porque você   se abriga logo na varanda e, nas cinco portas que havia, poderia se deixar uma de entrada e transformar duas de cada lado em guichê para venda de bilhetes, guarda‑volumes e informações. Estava tudo feito. Por um lado, geralmente, vejo o projeto todo de uma vez só e, depois, ele vai se realizando. Por outro lado, usar a tecnologia do metal também lá faz com que as peças possam ser descarregadas com gruas, e desmontadas, muito facilmente, sem você estragar aquilo tudo que estava lá. Porque a ideia era fazer ver aquele prédio tombado pelo patrimônio. Mas era para se ver também com uma certa visão crítica de que aquilo não deveria estar lá porque aquilo foi construído em 1900. Se você examinar a arquitetura do [holandês Gerrit] Rietveld (1888‑1964), na Europa, verificará que ninguém fazia mais aquilo na época. É uma manifestação de atraso você se obrigar a ficar lixando tijolo para fazer pilar circular e realizar uma arquitetura neoclássica, que, na América, não precisava. Acho uma porcaria.

Desafios – Como o senhor avalia uma intervenção como a do Museu do Amanhã, na zona portuária do Rio de Janeiro, uma obra que, aparentemente, não dialoga com a paisagem?

 

 

Mendes da Rocha– Naquele museu do Rio você não é capaz de dizer por que diabos o camarada fez aquele dinossauro de metal. Não faz nenhum sentido num lugar em que deveriam aparecer os navios. Aquele é o local no qual atracavam os navios, principalmente de passageiros. Não é necessário se fazer uma construção que é um verdadeiro navio encalhado. É tudo o que não se deve fazer na frente das águas.

Marco Antonio Sá
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Desafios – O senhor citou o caos em que estão imersas nossas grandes cidades. Elas poderiam ser diferentes?

Mendes da Rocha – Temos cidades desenhadas para o mercado, divididas em lotes destinados a casas. Se, em seguida, você tira as casas e transforma aquilo em prédio, na mesma matriz do lote da casinha, é claro que você vai produzir um desastre. Você tem de redesenhar o chão. Você tira quatro casas e faz um prédio de 10 andares. São quarenta onde havia quatro. Sem um transporte público e sem um traçado novo em relação à matriz anterior, você não pode transformar a cidade naquilo que você deseja que ela venha a ser. A arquitetura não foi feita para ser objeto de mercado. Isso não faz sentido.

Desafios – Sim, mas estamos em uma sociedade capitalista em que o mercado regula a maioria das atividades humanas.

Mendes da Rocha – Você não pode vender uma máquina que pesa 700 quilos como transporte individual para um camarada que pesa 60, 70 quilos. Principalmente, se ele é movido a motor a explosão, que contamina tudo. Esse conflito, ou confronto, entre o público e o privado é uma idiotice inventada.

Desafios – Por quê?

Mendes da Rocha – Porque não existe espaço privado. Todo espaço deve ser ligado a um valor, a uma dimensão pública. O único espaço privado que você pode imaginar é o cérebro humano. Mas também se você não publicar o que pensa, ele não existe. Portanto, do ponto de vista da arquitetura, o conceito de “espaço” pressupõe público. Não existe espaço privado. Desafios – Sim, mas se eu compro lotes, se me é facultado o poder de comprar um lote…

Mendes da Rocha – Mas não devia ser facultado. Como é que você pode vender um pedaço do planeta, sabendo o que é o planeta hoje? Um pequeno calhau desamparado girando no espaço. E você vai vender um pedaço para alguém? Não faz sentido!

Desafios – Isso é o que a gente pode achar. Mas eu compro um pedaço e, teoricamente, faço o que eu quero. Se quiser construir uma casinha com duas arvorezinhas, eu construo. Se quiser construir um monstrengo de 40 andares, eu construo. O privado me faculta essa “liberdade”, que é a liberdade de poder acabar com o entorno.

Mendes da Rocha – Não faculta. A engenharia é uma forma de conhecimento complexo. Falta aí o ingrediente ético porque isso não se faz. Se abolirmos a possibilidade de um consenso de grupo, estamos condenados a um desastre enorme.

Desafios – Falo isso por andar em bairros antigos de uma metrópole, de ruazinhas estreitas, onde havia casinhas com 60, 70 anos e hoje há três ou quatro edifícios de 20 andares com 60 famílias. E a circulação do entorno é impossível. O sujeito, para sair de casa e chegar a uma via expressa próxima, demora 40 minutos. Essa liberdade do privado se sobrepor ao público acaba com a cidade como espaço solidário, não? 

Marco Antonio Sá

 

Mendes da Rocha – Não vejo razão para defender o privado, uma ameaça aos interesses hoje da população e do mundo. Os erros que existem na cidade ou da iniciativa individual em relação ao interesse da sociedade fazem ver que a questão é política. É uma questão que está em discussão. Não é algo dado. Temos de ver o que queremos com isso. Por que diabos você vai fazer isso ou aquilo? E temos que discutir juntos.

Desafios – Com isso tudo, o senhor é otimista com o futuro das cidades, da sociedade, do convívio possível?

Mendes da Rocha – Ouço palavras como otimismo, esperança ou amor. Não entendo nenhuma delas. Acho que não têm mais significado nenhum. Você pode ter projetos, que são formas de esperança. De algum modo, vamos continuar. E é justamente, até certo ponto, essa imprevisibilidade da vida que nos encanta. A única coisa que sei é que temos liberdade e podemos aprender técnicas. Portanto, se você, tecnicamente, sabe fazer isso e não sabe fazer aquilo, ou seja, fritar um bife ou arrumar um pedaço de pau para que ele vire uma colher, um instrumento, você tem que decidir por que razões ou com que cara você vai fazer aquilo. Porque, a rigor, o objetivo de tudo é amparar justamente a imprevisibilidade da vida.

Desafios – O senhor não vê sentido em algumas palavras, mas vê em outras. Qual o sentido da palavra “projeto”?

Mendes da Rocha – A ideia de projeto significa uma projeção na mente, portanto, anterior a algo que você faria. Uma ponte, por exemplo, foi pensada antes de ser construída. Essa é a ideia de projeto, uma projeção de desejos. Mesmo as piores coisas têm projetos. Portanto, podem ser discutidas. Há um exemplo clássico: a bomba atômica. Com o que se conhece da constituição da matéria, o mundo pode se transformar de uma maneira maravilhosa. Já a bomba é um desastre. Portanto, projeto é uma ideia muito interessante. Se o fato feito, às vezes, é um desastre, como a bomba, enquanto projeto, antes que se faça, pode ser sempre discutido. Observe que o martelo não tem utilidade nenhuma se você se puser a martelar a torto e a direito. Tem de ter um prego. E, de preferência, o prego tem de ter uma cabeça, com uma ponta aguda. Ou seja, projetamos antes o que queremos fazer na expectativa de ter sucesso. Ora, o sucesso nunca pode ser medido pela vontade individual. O sucesso vem da recepção do outro sobre aquilo. Ou seja, estamos condenados a tentar sempre seduzir o outro com algo que o encante, como é o caso da ponte, por exemplo.

 
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