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Hans Rosling - “A capacidade humana de buscar uma vida melhor avança mais rápido do que a economia”

2014 . Ano 11 . Edição 80 - 23/06/2014

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Foto: Jörgen Hildebrandt

Hans Rosling

“A capacidade humana de buscar uma vida melhor avança mais rápido do que a economia”

Vanessa Esteves , de Genebra

(*) Com colaboração de Marcos Hecksher, do Ipea

Hoje ele é chamado de Guru dos Números, ora Mago das Estatísticas, uma vez que se tornou uma das personalidades acadêmicas mais conhecidas e influentes da Europa por causa de seus documentários para a televisão e das apresentações teatrais, nas quais usa e abusa de gráficos interativos e animações cativantes para dar vida às estatísticas que ajudam a visualizar o desenvolvimento global, explicar as muitas realidades do mundo e, assim, lutar contra os preconceitos. Mas o sueco Hans Rosling é muito mais que isso: médico de formação, militante de causas humanitárias por opção, professor universitário, pesquisador, estatístico, inventor e visionário. 

Precursor da organização Médicos Sem Fronteiras, na Suécia, conselheiro de saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Unicef, enquanto professor em saúde pública no Instituto Karolinska, em Estocolmo, Rosling ficou surpreso com a ignorância de seus estudantes sobre o desenvolvimento rápido da saúde na Ásia. Uma realidade que o levou a elaborar o “teste do chimpanzé” (chimpanzee test) para medir o nível de ignorância dos estudantes, professores e pessoas eminentes. “Eu fiquei realmente chocado. Os resultados dos conhecimentos eram muito baixos”, disse.

Acabou por criar a Fundação Gapminder, que desenvolveu o sistema de software Trendalyzer, um instrumento inovador que converte estatísticas internacionais em gráficos interativos e permite dar vida aos números. Em 2006, o professor apresentou, com um tom humorístico e muito dinâmico, os resultados finais do “teste do chimpanzé” na sua primeira aparição na conferência chamada TED-talk.

Assim iniciou uma cruzada internacional que busca desmitificar as estatísticas, pregando a necessidade de quebrar os preconceitos que dividem o mundo entre sul e norte e do dever de lutar contra a pobreza extrema. Em 2009, foi citado como um dos 100 maiores pensadores globais na revista Foreign Policy e, em 2011, como uma das 100 pessoas mais criativas nos negócios, pela Fast Company Magazine. Se não bastasse, Rosling é também um engolidor de espadas, habilidade que chegou a demonstrar em um TED-talk.

Nesta entrevista, a primeira para um veículo brasileiro, Hans Rosling aborda assuntos tão diversos quanto causas humanitárias, desenvolvimento econômico, combate à pobreza, saúde pública, educação e política. Fala, sobretudo, de como as estatísticas podem ajudar a compreender as muitas realidades humanas, a reduzir o preconceito e a conscientizar as pessoas da necessidade urgente de se erradicar a fome e a pobreza extrema no planeta. Segundo Rosling, as estatísticas mostram que a capacidade humana de buscar uma vida melhor avança mais rápido do que a economia. “O que avança mais rápido é a saúde, a família que luta duro para dar uma formação melhor aos filhos. Isto é a primeira coisa para mudar. Depois vem a economia”. Confira os principais trechos da entrevista:

Foto:Jörgen Hildebrandt
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Desenvolvimento – Por que o senhor optou por começar a vida trabalhando com causas humanitárias?

Rosling – Não diria que trabalhei no setor humanitário, e sim no setor de desenvolvimento. O trabalho especificamente humanitário consiste em assistência a refugiados ou a vítimas de enchentes, por exemplo. Tem que ver com situações de emergência. Comecei a querer trabalhar com os piores problemas no mundo porque eles devem ser resolvidos para que cada um possa ter um bom futuro. Estive no norte de Moçambique,
local de pobreza extrema. Eu era o único médico de um distrito de 300 mil (habitantes). Isso, em 1980. Regressei à mesma cidade 30 anos depois e encontrei 16 médicos. Ainda é pouco, mas é muito melhor. E depois, na Suécia, fiz parte da formação dos Médicos Sem Fronteiras. Mas isso aconteceu quando eu já era professor na universidade.


Desenvolvimento – Como seu trabalho na África influenciou na sua maneira de ver o mundo?

Rosling– Entendi, pelo menos em parte, o que significa a pobreza extrema. Vocês podem chamar isso de destituição, não ter comida suficiente, não ter roupa suficiente, não poder enviar os seus filhos à escola. Isso foi o que aprendi, entre 1979 e 1981, no norte de Moçambique: a profundidade da pobreza extrema. Não é possível compreender nos livros, tem de se viver a experiência. Vivenciar de perto as pessoas que lutam diariamente, compreender que essas pessoas trabalham tão duro e têm tão pouco. Compreender que é falta da função do Estado, falta da economia. Eu tomava conta de gente, das epidemias de cólera, das epidemias de fome, que eram responsáveis por três mil mortes de crianças por ano.

Desenvolvimento – Por que o senhor sentiu necessidade de participar da criação da ONG Médicos Sem Fronteiras e qual seu envolvimento atual com a organização?

Rosling – Os conflitos no mundo que ocorriam entre nações, nos quais intervinham a Cruz Vermelha e a Organização das Nações Unidas, passaram a ser conflitos internos. Nos anos 1980, a maioria dos conflitos transformou-se em guerras civis. A Cruz Vermelha é uma organização perfeita para guerras entre nações, mas não dentro das nações. Promovi uma reunião na Suécia e propus atuarmos nas áreas em que a Cruz Vermelha não podia intervir. Houve uma reação lenta no norte da Europa. A resposta na França e na Bélgica foi mais rápida perante essa nova situação. Organizamos a Médicos Sem Fronteiras na Suécia como um braço da organização principal. Trabalhei com o MSF por 20 anos.

Desenvolvimento – Qual será o papel do setor humanitário daqui para frente?

Rosling – O trabalho humanitário é aquele que se realiza quando há uma situação de urgência. Esse trabalho será cada vez mais localizado no mundo. Contudo, hoje, considero que o mais importante é efetivarmos ações necessárias para acabar com a pobreza extrema.

Desenvolvimento – E qual o melhor caminho para o desenvolvimento dos países que enfrentam a miséria?

Rosling – O mundo pode eliminar a pobreza nos próximos 20 ou 30 anos. Trata-se de uma estratégia de investimento na saúde, na contracepção, na educação, nas infraestruturas e na produtividade agrícola. Hoje, as organizações de desenvolvimento são as mais importantes, não as humanitárias. Escola e cuidados primários para todos, uma estrada ligando cada localidade, um apoio para os cultivos, uma função da economia rural, todas essas ações fazem com que a produtividade das pessoas seja aumentada. Ações para acabar com a pobreza extrema não se realizam por motivos emocionais, e sim porque sabemos que ela desestabiliza o mundo de uma maneira perigosa, com novas doenças, como o ebola, a pirataria ou refugiados. Não podemos mais permitir a existência da pobreza extrema.

Desenvolvimento – Em determinado momento o senhor mudou sua atuação profissional da medicina para as estatísticas. O que o senhor pretende com os números?

Rosling – Pretendo entender o mundo. Não se pode jamais compreender o mundo sem números, mas tampouco o mundo se compreende somente por meio de números. As estatísticas, para mim, são simplesmente um instrumento. É necessário ter um número e, além disso, compreender a situação cultural, política, ambiental que não se pode explicar com números. Mas sem números é difícil. Por isso, o meu interesse não é números, e sim o mundo e a vida das pessoas. 

Desenvolvimento – Explique melhor como fazer uso das estatísticas para entender a vida das pessoas.

Rosling – Tomemos o exemplo do Brasil. Estou admirado com o fato de o Brasil ter um instituto público de estatística e geografia (IBGE). Brasil e México têm essa coordenação porque são países com muita população e muita geografia. A geografia não muda tanto, mas a realidade humana muda muito. Hoje, no Ocidente, há poucas pessoas que sabem que, atualmente, o Brasil tem uma taxa de natalidade de 1,8% ao ano. “Oh, mas é um país latino e católico, onde as mulheres costumam ter quatro filhos”, admiram-se os europeus.As pessoas não acompanham as mudanças, elas têm uma visão muito antiga. E essas mudanças no Brasil foram muito rápidas. Por isso, para compreender o Brasil, é preciso ter um número como esse. E só depois tentar compreender como é possível essa taxa de natalidade em um país latino e católico. Um número é mais fácil de comunicar do que estudar a modernização e como funciona a religião no Brasil.

Desenvolvimento – Até que ponto as estatísticas são confiáveis para a compreensão de realidades humanas?

Rosling – É importante compreender os indicadores quando coletamos dados. Há alguns que são fáceis de coletar; outros, difíceis. Por exemplo: a mortalidade infantil. Para isso, temos muitos dados em quase todos os países. E, por um lado, quando não há um registro completo, sempre se pode fazer entrevistas com mulheres para saberquantas crianças morreram. Por outro lado, a percentagem das mulheres que morreram em parto é um dado muito mais difícil de obter porque o índice de mortalidade materna está relacionado ao aborto ilegal e perigoso ou, ainda, à falta de acesso ao serviço hospitalar. Por vezes é difícil saber se a mulher morreu por causa da gravidez ou da tuberculose. Outros dados também são difíceis de definir, como a urbanização. Como definimos o que é urbano para a Amazônia, São Paulo, Holanda ou Suécia? Aí temos a dificuldade de definição, não de recolhimento dos dados. Tal casa está em setor urbano ou rural? Mesmo nos países mais pobres, temos informações sobre a população e a mortalidade infantil. Mas, sobre a economia ou PIB, é difícil compreender o que está incluído. O ratio de incerteza é muito grande nos países pobres. Cada indicador tem os seus problemas. Podem ser de definição, de compreensão ou de recolhimento dos dados. É mais importante distinguir entre os indicadores do que entre os diferentes países. No final, tem de saber como os dados foram coletados e compilados. Mas como nem todos podem fazer isso, precisamos aumentar o uso de níveis de incerteza.

PERFIL

Nascido em Uppsala, Suécia, o médico Hans Rosling começou sua vida profissional na década de 1970 em áreas rurais remotas e de miséria absoluta em Moçambique, África. Por cerca de 20 anos, pesquisou surtos de konzo, doença paralisante causada pela fome e consumo de mandioca mal processada. De volta a Estocolmo, participou da formação da Médicos Sem Fronteiras (MSF) na Suécia e começou a concentrar sua pesquisa nas relações entre saúde e economia em África, Ásia e América Latina. O professor lançou novos cursos em saúde global e publicou um livro sobre o tema, buscando uma visão do mundo baseada em fatos.

Para lutar contra a falta de conhecimento geral a respeito das muitas realidades do mundo, Hans Rosling estabeleceu, em 2005, com seu filho Ola Rosling e sua nora Ana Rosling Rönnlund, a Fundação Gapminder, cujo objetivo é divulgar uma visão do mundo baseada em fatos. Daí para frente produziu documentários para as televisões, entre eles para a BBC de Londres. Em um de seus filmes mais assistidos no mundo, de apenas quatro minutos, ele resume o que aconteceu a 200 países em 200 anos. Em 2011 foi eleito membro da Academia Sueca de Ciências de Engenharia e em 2012 membro da Academia Sueca de Ciências.   

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Desenvolvimento – Quais são as consequências dessa falta de indicadores para os países pobres e emergentes?

Rosling – Principalmente por causa do uso de conceito de Terceiro Mundo, agora chamado de países em desenvolvimento. Porque, quando falamos de países em desenvolvimento, estão incluídos Brasil e Somália. O quê? São diferentes, mas são países em desenvolvimento. Ora, esses conceitos já não têm validade. Só que há muitas pessoas que, por motivos políticos ou ideológicos, continuam a usar esses conceitos. Costumo mostrar uma foto de Washington, em 15 de novembro de 2008, durante a reunião do G-20. Lá estava o presidente George W. Bush, que precisava de dinheiro. Também foram Brasil e China que, naquela altura, emprestaram dinheiro para que os Estados Unidos pudessem salvar a sua economia. Tínhamos países que costumavam chamar de países em desenvolvimento, os quais agora têm uma economia que pode contribuir para estabilizar a economia mundial. E o Brasil está emprestando aos Estados Unidos 30 bilhões de dólares por ano. Isso também ajuda a estabilizar o Brasil. É uma transferência de dinheiro que é considerável, tem o mesmo tamanho do apoio dos Estados Unidos para os países pobres. Isso significa que o Brasil paga. Essa é a maneira correta de se ver o novo mundo, mas esse novo paradigma, realmente, não entra na cabeça de quem pensa ainda no Terceiro Mundo.

Desenvolvimento – Mas, afinal, qual seria a nova maneira de compreender o mundo?

Rosling – A maioria da população do mundo vive nos países do meio, ou seja, nas chamadas economias emergentes, do México ao Brasil, até Vietnã e Tailândia. Esses países no meio correspondem a quatro bilhões de habitantes, mais da metade da população mundial. O que vimos é que há países com situações cultural e política muito diferentes, mas todos podem avançar de uma maneira semelhante. China, Índia, Rússia, África do Sul, Brasil, México são muito diferentes. Mais diferentes do que os países da OCDE. Contudo, compartilham a mesma situação: não têm uma população formada e estão avançando economicamente. O que mostro é que o avanço humano, a capacidade humana está à frente da economia. O que avança mais rápido é a capacidade humana, a saúde, a família que luta duro para dar uma formação melhor aos filhos. Isso é a primeira coisa para mudar. Depois vem a economia. No Ocidente, a sequência era diferente. Primeiro foi uma mudança econômica e, depois, uma mudança social. Por isso podemos esperar que as economias emergentes vão avançar.

Desenvolvimento – Como se pode acelerar a melhora das condições de vida nesses países do meio?

Rosling – É preciso mais dinheiro e melhor uso do dinheiro. No entanto, consegue-se mais dinheiro se a sua saúde melhorar, se receber mais educação, se o tamanho da família for planejado. E quando as famílias e a nação conseguem mais dinheiro acontece que se pode oferecer melhores condições de vida, de educação, de serviço de saúde e também as partes bonitas da vida, cultura, lazer e um ambiente agradável para viver.

Desenvolvimento – O senhor acredita que, no futuro, o mundo não será dividido entre ricos e pobres, mas entre os capazes de analisar eficazmente dados e os que não têm essa capacidade?

Rosling – Acho que isso é mais uma escolha política. Uma nação dividida e um mundo dividido são sinônimos de mais conflitos. Mais igualdade significa um mundo melhor para todos, incluindo aí os mais privilegiados.

Desenvolvimento – Qual o novo paradigma que traz a visão das estatísticas?

Rosling – Em primeiro lugar, oferecer um acesso aberto aos dados públicos. O destino do dinheiro, dos impostos, deveria ser disponível para as empresas, as universidades e os ativistas. Em segundo lugar, tornar os dados mais úteis, fazer uso da criatividade e melhorar o acesso dos diferentes instrumentos gráficos. Isso varia entre as engenhosas aplicações, como os horários dos trens de Estocolmo, o skyscanner para encontrar voos e o Gapminder para compreender o mundo. Vamos ver mais disso. Os dois aspectos estão interligados, pois o acesso gratuito aos dados públicos vai fomentar inovações de várias maneiras.

Desenvolvimento – Quais são as próximas etapas dessa evolução estatística? Tem novos instrumentos de análise e visualização de dados em preparação?

Rosling – Sim, a Gapminder está se distanciando dos formatos gráficos com centenas de indicadores para se aproximar de aplicações específicas para diferentes tipos de dados. Os mais fáceis de usar serão os que ganharão.

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Desenvolvimento – O que o senhor descobriu ao medir o nível de desconhecimento das pessoas a respeito das populações?

Rosling – A principal descoberta revelou que a maioria do mundo desconhece o fato de que a taxa de natalidade diminui significativamente a cada dia. A saúde também melhorou muito. A média mundial atual é de 2,5 bebês por mulher, enquanto a esperança de vida subiu para 70 anos. Fizemos um teste com mil pessoas na Noruega, Suécia, Inglaterra e Estados Unidos. E vamos continuar em todo o mundo, esse é o nosso plano. Fiquei realmente chocado. Os resultados dos conhecimentos eram muito baixos. A maioria da população, e mesmo dos profissionais da ciência, da imprensa e da política pensa que o mundo de hoje é como o mundo de 30 anos atrás. Por exemplo, o Brasil, país católico e latino, tem muitas crianças. Irã, país muçulmano, tem muitas crianças. Não! Irã e Brasil hoje têm uma taxa de natalidade inferior à da Suécia. Não é possível, mas é! É preciso ensinar nas escolas as mudanças que estão ocorrendo.

Desenvolvimento – Qual foi o impacto das suas “descobertas” estatísticas?

Rosling – O diretor da Gapminder concluiu que somos famosos agora, mas não temos impacto. É muito importante distinguir entre ser famoso e ter impacto, pois as pessoas gostam das apresentações, mas elas não se lembram dos números.

Desenvolvimento – Não deve haver muitos estatísticos engolidores de espada no mundo. Como os colegas reagem a seus esforços para popularizar os dados e as ferramentas estatísticas?

Rosling – Os meus colegas me apoiam e são simpáticos. Fazem comentários breves quando cometo erros e me apoiam quando dou boas explicações. De fato, é importante ter profissionais especializados em comunicação porque nem todos temos a capacidade para isso. Alguns são excelentes em educação formal e outros em investigação, mas nada mais.
 

Desenvolvimento – A Suécia, conhecida em todo mundo como pioneira no modelo do Estado de bem-estar social, financia vagas gratuitas em escolas particulares desde os anos 1990. Contudo, são grandes as críticas a esse novo modelo. Como avalia essa experiência?

Rosling – A Suécia garantiu as necessidades básicas para todos. Agora queremos atingir a perfeição, mas é difícil. Tivemos 200 anos de paz. Temos recursos naturais. Estamos numa posição favorável para fazer negócios com os países ricos próximos. Tivemos o desenvolvimento político estável. Em todos os aspectos tivemos sorte. Não fomos ocupados pela Alemanha na Segunda Guerra Mundial e temos convertido esta sorte num sistema estável com cada vez mais lugar para a liberdade do indivíduo. Por exemplo, o bispo da Igreja Luterana da Suécia é uma mulher, lésbica, casada e mãe de um filho. Agora, não é mais e mais dinheiro que buscamos; é mais e mais liberdade para os indivíduos.

Desenvolvimento – Levando-se em conta qualidade e custo, o que o senhor considera mais difícil para o setor público dos países: prover serviços de educação e saúde diretamente ou financiar e regular instituições privadas?

Rosling– Os serviços de saúde privados sempre correm o risco de tratar os ricos com intervenções de que eles não precisam. Por exemplo, o Brasil contabiliza uma frequência extremamente elevada de cesarianas até o ponto em que esse excesso de oferta se tornou quase uma cultura. No entanto, serviços de saúde privados bem definidos e orientados, como cirurgia de quadril e da hérnia, podem ser realizados eficazmente no setor privado. As pessoas sabem que precisam substituir o quadril e podem avaliar se funciona. Também é uma questão de tradição e de organização. Na Suécia, a rainha deu à luz seus filhos no hospital público, o mesmo hospital em que os imigrantes pobres da África também dão à luz os seus. A razão é que o hospital público está tendo um dos melhores resultados do mundo. A rainha da Suécia vai para o hospital público porque é melhor. O hospital universitário, no centro de Estocolmo, é um dos melhores do mundo. Os hospitais privados são só para a cirurgia cosmética e algumas cirurgias de rotina.

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Fonte: Gapminder Quiz sugerido a professores e alunos de ensino
médio para pesquisa no site de Hans Rosling com dados
internacionais. Respostas: 1-a; 2-a; 3-a.

Rosling – Um país como o Brasil tem a possibilidade de fornecer um serviço público para todos, mas os que têm dinheiro querem pagar. O Brasil tem um problema adicional crônico: o uso dos recursos, tanto os públicos comoDesenvolvimento – Como o senhor analisa a equação entre os serviços públicos e privados para países emergentes como o Brasil?

os privados. O resultado disso são distorções, como a taxa de cesarianas mais elevada do mundo. Os hospitais privados fazem coisas desnecessárias porque ganham dinheiro. Os serviços hospitalares privados tornaram-se uma cultura. No caso da educação, o ingresso de recursos não é alto. Portanto, não existe a capacidade econômica do Brasil de dar um ensino público ótimo para todos. O mais importante me parece ser buscar a expansão das escolas públicas. Por exemplo, Coreia do Sul e Taiwan aumentaram o ensino público de forma a dar possibilidade a todos aqueles que têm capacidades. Por que dar um ensino bom só para as pessoas que têm pais ricos? Dessa forma, não vão usar a capacidade total da nação. 

Desenvolvimento – Em alguns sistemas europeus, enfermeiros e outros profissionais desempenham funções que no Brasil são exclusivas dos médicos. Qual a divisão do trabalho no setor da saúde que parece funcionar melhor em países menos desenvolvidos?

Rosling– Isso se chama o task shifting (mudança de tarefa) e está bem desenvolvido na Suécia. Por exemplo, temos enfermeiras diabetólogas, especializadas só na doença do diabetes, ou parteiras que tomam conta unicamente dos partos. Quando surge um problema, então, o médico intervém. É uma maneira efetiva de fornecer os serviços de alta qualidade. Muitas vezes as enfermeiras explicam melhor do que os próprios médicos. O task shifting é um fator comercial e cultural que, no Brasil, pode se tornar um obstáculo para se fazer as coisas com mais eficácia. A racionalidade tem de ter um entendimento científico, mas também é uma maneira de trabalhar que deve se transformar em cultura. Na Suécia temos um grande sucesso com a segurança e o tráfico porque as medidas são baseadas em ações e análises científicas sobre quem morre e por que morre. Em 1970, morreram na Suécia 28 crianças de menos de cinco anos no trânsito; no ano passado foi uma só. Questões como tecnologia e regulamentação têm de ser um aspecto cultural. Assim, os suecos podem parecer tristes e bebemos muita vodka. Mas entra em conta um aspecto cultural, pois ninguém conduz o carro quando está bêbado. Isso se transformou em cultura. Assim também tem de ser a transformação em outros aspectos da sociedade, como a divisão do trabalho entre enfermeiros e médicos.

Desenvolvimento – O Brasil contratou médicos estrangeiros para preencher vagas em locais onde não havia profissionais brasileiros suficientes. Que tipo de barreiras os médicos costumam encontrar nas fronteiras nacionais?

Rosling– Há poucas barreiras. Noruega recruta médicos suecos. Suécia recruta médicos gregos. No final, depende simplesmente do dinheiro que oferecem. Nós temos muitos médicos estrangeiros na Suécia. Isso é uma falta de planificação que não compreendemos. Por exemplo, o meu dentista é do Irã. Eles só têm de aprender a nossa língua para funcionar bem. O problema é para aqueles países que perderam os seus médicos (risos). A Noruega rouba 10% dos médicos suecos.

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Desenvolvimento
 – Como se poderia regular a migração internacional em um mundo com países tão desiguais, incluindo aí as taxas de crescimento populacional?

Rosling – Hoje a migração internacional é um fenômeno pequeno em relação ao crescimento da população. Além disso, o número de crianças já deixou de crescer no mundo inteiro. É difícil regular a migração, pois é uma decisão dos indivíduos de ir aonde querem. Lembro-me de ter tido uma discussão no Ministério da Ciência, na China. Perguntei: “Por que é que vocês enviam seus homens para a Suécia ou Estados Unidos a fim de formarem cientistas? Assim vocês perdem seus cientistas”. Eles me responderam: “São vocês que perdem. Não queremos que regressem com PhD, queremos um professor que regresse, queremos um chefe de empresa que regresse”. Eu perguntei: “Como sabem que eles vão regressar?” Eles me responderam: “Eles são chineses”. Portanto, o ministério tem uma ideia de China boa, que seus jovens voltam ao país com conceitos e ideias novas. Realmente é difícil dizer o que é uma perda ou o que é um ganho para o país. Sabe, nossos especialistas de computação no Gapminder são brasileiros...

Desenvolvimento – O senhor tem dito que a população mundial deve crescer dos sete bilhões atuais até se estabilizar em 11 bilhões daqui a 40 anos, mas não há motivo para pânico. Por quê?

Rosling – O número é do Departamento de População da ONU, com os demógrafos mais competentes em projeções. Simplesmente, expliquei os resultados. Recordo que, em 1958, éramos três bilhões no mundo. Os demógrafos projetaram 6,3 bilhões para 2000. E eles se enganaram somente em 4%. Os dados deles são fantásticos. Tendo em conta que o número de crianças deixou de aumentar, será preciso um longo período de vida até o fim deste século para ver a população adulta diminuir. Essa é a distância de ruptura. O crescimento rápido da população acabará na segunda metade deste século. 

Desenvolvimento – Que exemplos de tecnologias permitiriam combinar esse aumento no número de pessoas e o crescimento da riqueza média sem exaurir os recursos naturais do planeta?

Rosling – Novas energias renováveis, o uso mais eficiente das energias e dos recursos em geral e uma produção de alimentos sustentável. Nesse sentido, Embrapa é considerada um instituto muito relevante para o desenvolvimento agrícola.

Desenvolvimento – De acordo com as suas estatísticas, quais são os próximos desafios para o desenvolvimento humano e econômico global?

Rosling – Os desafios são o desemprego dos jovens, desigualdade econômica e o aumento da carga para suportar os mais idosos na população.

Desenvolvimento – E quais os desafios do Brasil?


Rosling
– Sair da categoria de país de rendimento médio e tornar-se um país avançado com pesquisa, desenvolvimento e inovação. Aliás, isso já está acontecendo na agricultura, na farmácia e em alguns aspectos do planejamento urbano. Um país muito promissor!

 
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