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Joan Clos - “As cidades devem virar espaços mais justos e inclusivos”

2014 . Ano 10 . Edição 79 - 23/05/2014

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Joan Clos

“As cidades devem virar espaços mais justos e inclusivos”

Pedro Parisi e Maria da Piedade Morais *

O médico Joan Clos, subsecretário-geral da Organização das Nações Unidas e diretor executivo do ONU-Habitat, braço da instituição para os temas urbanos, quer definir uma “Nova Agenda Urbana” que oriente o planejamento integrado das cidades para que estas sejam mais inclusivas, conectadas, compactas e integradas. A nova forma de fazer cidades depende da boa relação entre os setores público e privado e a sociedade civil e exige a definição clara do papel de cada ator.

Esses são alguns dos temas debatidos na sétima sessão do Fórum Urbano Mundial, ocorrido entre 5 e 11 de abril, na cidade de Medellín, na Colômbia. O ONU-Habitat identificou que as diferenças sociais e econômicas sempre foram o problema central nas cidades, mas, no lugar de diminuir, as disparidades vêm aumentando no início deste século.

Em busca de soluções, ministros, prefeitos, parlamentares, economistas e especialistas de diversas áreas debateram durante uma semana temas como a igualdade de gêneros, juventude, desenvolvimento urbano igualitário, resiliência urbana, planejamento, financiamento e outros. O debate na Colômbia passou pela governança. Os governos – nacionais e locais – devem se preocupar em tocar o timão das cidades de forma mais eficiente e em criar políticas de planejamento eficazes por meio de processos legislativos transparentes e participativos. O setor privado, naturalmente, tem mais facilidade em investir onde há retorno financeiro direto, mas precisa compreender e aproveitar as oportunidades de longo prazo, sobretudo em períodos de grandes investimentos como o que o Brasil passa, por conta dos megaeventos.

Um dos responsáveis por mudar a cara da cidade de Barcelona na preparação para os Jogos Olímpicos de 1992, Clos é otimista: “O Brasil fará ótimos eventos”, tem dito. A experiência como vice-prefeito durante o evento e como prefeito entre 1997 e 2006 o leva a dizer que o fator-chave para que a Copa do Mundo e as Olimpíadas no Brasil não deixem rombos nos cofres do governo, mas legados para a população, está em duas palavras: integração e inclusão. Metade da população mundial vive em cidades e precisa cada vez mais de políticas organizadas e coerentes de inclusão. As cidades-sede da Copa do Mundo têm uma oportunidade que poucos centros urbanos têm de criar esse tipo de política, sobretudo para aproximar as pessoas dos serviços básicos, modernizando o transporte público, por exemplo.

O Brasil tem alta concentração da população nas cidades e passou por uma urbanização rápida, principalmente a partir da década de 1980, o que levou ao fenômeno da criação das favelas. Mas, segundo Clos, a migração das pessoas para os centros urbanos não deve ser vista como algo negativo. As favelas são a resposta da população para problemas sociais, não para problemas de urbanização. A solução é planejar. Só com planejamento as pessoas terão mais acesso à educação, emprego, transporte, saneamento, e começarão a fazer parte das cidades.

No ONU-Habitat, Clos está à frente de um movimento mundial para criar um futuro sustentável, que tem as cidades como um dos principais pontos de partida. Da Conferência Rio+20, organizada pela ONU em julho de 2012, saiu a resolução “O Futuro que Queremos”. O documento tem um capítulo específico que define o papel das cidades para cumprir esse objetivo. “Quando bem planejadas e construídas, as cidades podem fomentar sociedades econômica, social e ambientalmente sustentáveis”, traz a resolução. O documento ainda afirma que o planejamento e a consolidação dos assentamentos humanos dependem dos governos locais e da participação da população na tomada de decisões, conceitos perseguidos pelo ONU-Habitat.

Para a instituição, o processo de urbanização deve ser compreendido como um fenômeno muito mais complexo que apenas o desenvolvimento e o crescimento em uma determinada região, mas que implica em profundas transformações sociais, econômicas, ambientais, culturais e políticas que se estendem, muitas vezes, além das fronteiras territoriais. Nesta linha, o Plano Estratégico do ONU-Habitat 2014-2019 estabelece como um de seus resultados estratégicos “aprimorar políticas públicas, planos e projetos para a promoção de cidades mais compactas, socialmente inclusivas, integradas e conectadas que fomentem o desenvolvimento urbano sustentável e que sejam resilientes a mudanças climáticas, nos níveis municipal, estadual e nacional”. Torna-se necessário reconciliar o espaço urbano à sua territorialidade através da consolidação de uma rede de cidades compactas, conectadas, integradas e inclusivas.

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Desenvolvimento – O tema principal do Sétimo Forum Urbano Mundial deste ano foi enfrentar a desigualdade e sugerir políticas que conduzam à igualdade. Quais foram as novidades desse Forum?

Joan Clos – A sétima edição do Fórum Urbano Mundial teve como tema a Igualdade Urbana para o Desenvolvimento das Cidades pela Vida, lançando a ideia de construção aberta, participativa e solidária das cidades, em que cada ator contribui e se compromete na construção social do habitat, assim como uma estratégia econômica, social, cultural e ambiental. Os Foruns Urbanos Mundiais representam espaços de diálogo onde, ao longo dos anos, se vai construindo um debate e uma aliança entre os diferentes líderes dos cinco continentes, para compartilhar ideias e identificar as melhores práticas. O Fórum em Medellín terá uma relevância especial por fazer parte do processo de definição da nova agenda de desenvolvimento pós-2015 das Nações Unidas. E por marcar o caminho para a terceira conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre desenvolvimento urbano sustentável (Habitat III), para definir uma “Nova Agenda Urbana”.

Desenvolvimento – Qual seria o papel do poder público e o do setor privado para o desenvolvimento urbano sustentável?

Joan Clos – O papel dos governos é definir políticas urbanas nacionais que promovam o planejamento urbano eficaz, transparente e participativo, além de implementar processos legislativos e institucionais pertinentes e facilitar que os governos locais e regionais sejam protagonistas de propostas, políticas e estratégias de desenvolvimento urbano sustentável. Por outro lado, não se pode alcançar estes objetivos sem a participação do setor privado que, além de tudo, tem um potencial enorme de influenciar positivamente no desenvolvimento urbano em nível mundial sempre que haja condições favoráveis para o investimento. O ONU-Habitat defende que sejam feitas alianças produtivas entre as cidades e o setor privado para beneficiar todos os setores da sociedade.

Desenvolvimento – O que uma cidade precisa oferecer aos seus habitantes para ser considerada inclusiva? Há alguma cidade no mundo que esteja perto de ser considerada inclusiva ou que tenha uma iniciativa exemplar que possa ser reproduzida em outras cidades?

Joan Clos – Uma cidade inclusiva é uma cidade capaz de oferecer serviços básicos e sociais inclusivos, de assegurar condições de vida seguras e saudáveis para todos, de garantir transporte e energia acessíveis e sustentáveis, de ter espaços urbanos verdes e seguros. Uma cidade onde haja acesso à moradia e se geram empregos decentes.

Desenvolvimento – No Brasil e na América Latina, o tema da segurança urbana permanece entre as prioridades dos governos, principalmente nas favelas. Como o senhor avalia a gestão pública da segurança nas cidades brasileiras?

Joan Clos – A segurança urbana é um tema estratégico na agenda da maioria dos governos locais da América Latina, em especial, mas não unicamente nesta região. Os avanços nessa área estão claramente vinculados à capacidade das cidades de aumentar os níveis de inclusão social. De fato, as pessoas que não têm acesso aos serviços básicos e estão excluídas da sociedade são as mais vulneráveis a serem as vítimas ou a se tornarem os infratores. Nesse sentido, acabar com a insegurança urbana significa abordar o tema de maneira transversal e integrada com enfoque nos direitos e participação social.

Perfil

Joan Clos é diretor executivo do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat) e subsecretário- geral da Assembleia Geral das Nações Unidas desde outubro de 2010. Foi prefeito de Barcelona por dois mandatos, entre 1997 e 2006, e um dos principais responsáveis pela organização dos Jogos Olímpicos da cidade em 1992, quando era o vice- prefeito de Finanças e Orçamento. Também foi ministro da Indústria, Turismo e Comércio da Espanha entre 2006 e 2008. Antes de ingressar na Organização das Nações Unidas, serviu como embaixador espanhol para a Turquia e Azerbaijão.

Durante o mandato como prefeito, desenvolveu programas de investimento para a cidade. Um dos mais ambiciosos foi o programa Barcelona @ 22, que transformou 200 quilômetros quadrados de zonas industriais degradadas em uma zona comercial intensiva e dinâmica.

Como ministro de Indústria, Turismo e Comércio do presidente José Luis Zapatero, entre 2006 e 2008, Clos otimizou o mercado de energia, com a inclusão da Espanha no marco legal de políticas energéticas europeu. Além disso, contribuiu para a assinatura do acordo entre Espanha e França para ampliar a conexão elétrica entre os dois países. Durante o mandato de ministro, Clos se preocupou em impulsionar o mercado de energias renováveis. O avanço mais importante nesse sentido foi a instalação de um parque de energia eólica de 17 mil MW.

Clos acumula uma experiência sólida em organismos de representação das cidades. Em 1998 foi eleito presidente da Metropolis, a rede internacional das cidades. Dois anos depois, foi presidente da Associação Mundial de Cidades e Autoridades Locais (WACLAC). Entre 2000 e 2007 atuou como presidente da Comitê Consultivo das Nações Unidas de Autoridades Locais (UNACLA). E entre 1997 e 2003 foi membro do Conselho dos Municípios e Regiões da Europa (CMRE).

Catalão,nasceu em 29 de junho de 1949, é casado e pai de dois filhos. É médico formado pela Universidad Autónoma de Barcelona (UAB), com especialização em saúde pública e epidemiologia pela University of Edinburgh (Escócia). Recebeu uma série de prêmios, que incluem uma medalha de ouro do Royal Institute of British Architects, em 1999, pela transformação de Barcelona. Em 2002 ganhou o UN-Habitat Scroll of Honour Award por encorajar a cooperação global entre as autoridades locais e as Nações Unidas.

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Desenvolvimento – O fenômeno da conurbação, ou a integração geográfica das cidades, é algo comum atualmente. Qual o posicionamento do ONU-Habitat sobre a cooperação entre cidades para um desenvolvimento regional sustentável?

Joan Clos – Efetivamente, a tendência das grandes cidades de “criar sistemas” com cidades menores, formando assentamentos urbanos de grande escala, está aumentando em todo o mundo. Não há dúvida de que estas conurbações são importantes motores da economia em nível regional e global. Trata-se, contudo, de um fenômeno que determina novas hierarquias urbanas e representa um desafio em termos de governança. A capacidade de encontrar modelos inovadores e eficientes de planejamento e coordenação é chave para determinar o nível de sustentabilidade destas novas geografias urbanas.

Desenvolvimento – Especialistas consideram o Brasil um país com alto grau de descentralização administrativa. Quais são os benefícios e os desafios para as políticas públicas de um país com este perfil?

Joan Clos – O ONU-Habitat favorece os processos de descentralização administrativa e aposta no papel que os prefeitos e os governos locais podem desempenhar para alcançar os objetivos de planejamento nacional e para conectar as pessoas à estrutura internacional de governança e à Nova Agenda Urbana.

Desenvolvimento – Um dos critérios de escolha das cidades-sede da Copa é o plano de infraestrutura e os legados que serão deixados pelo megaevento. O senhor acha que haverá mais ônus ou mais legados para a população brasileira após o evento?

Joan Clos – Os grandes eventos sempre representam uma oportunidade de avanço nos processos de desenvolvimento e de mudanças positivas nas cidades anfitriãs. Entretanto, o legado destes eventos é, muitas vezes, um assunto complexo que não pode ser avaliado somente pelas transformações urbanísticas que eles podem trazer. Os Jogos Olímpicos de 1992 em Barcelona, por exemplo, foram uma experiência bem-sucedida de cooperação entre diversos atores, de envolvimento do setor privado e de entusiasmo dos cidadãos. O legado foi a criação da consciência da cidade de seu próprio potencial, que abriu portas para realizações que Barcelona continuou construindo por mais duas décadas.

Desenvolvimento – Os investimentos públicos na preparação dos dois eventos, Olimpíadas de Barcelona e Copa no Brasil, superam em muito os investimentos privados. Que tipo de iniciativas podem ser feitas para atrair mais investimentos privados para os próximos megaeventos como os Jogos Olímpicos no Rio em 2016?

Joan Clos – Obviamente, o setor privado prioriza as atividades com resultados econômicos diretos, mas isso não significa que não seja capaz de se adaptar e compreender as oportunidades de melhora da capacidade produtiva que este tipo de evento representa no longo prazo para a cidade.

Desenvolvimento – O senhor conseguiu mudar Barcelona quando foi vice-prefeito da cidade durante os Jogos Olímpicos. Entretanto, pouquíssimos centros urbanos têm a mesma oportunidade. Quais são os desafios de transformar uma cidade mesmo sem grandes incentivos como estes?

Joan Clos – Nosso planeta é cada vez mais urbano. Sabemos que mais da metade da população mundial já vive em cidades e que dois terços dessas pessoas moram em áreas urbanas onde as desigualdades econômicas aumentaram muito desde os anos 1980. As cidades têm o desafio de se transformar em espaços mais justos e inclusivos, mesmo em um contexto de rápida urbanização, onde todas as pessoas podem ter oportunidades de usufruir de uma vida digna. Esta deve ser a essência de qualquer política urbana que se desenvolva em uma cidade, região ou país.

Desenvolvimento – Dados do Ipea indicam que a desigualdade diminuiu em 80% nas cidades brasileiras. Entre 2000 e 2010, a renda dos 20% mais pobres cresceu 217%, enquanto a dos 10% mais ricos cresceu 60%. Além da renda, quais outros fatores devem ser levados em conta para avaliar a qualidade de vida nas cidades?

Joan Clos – Estes dados indicam avanços muito importantes, porque não dizem respeito simplesmente a um crescimento em termos de prosperidade econômica. A erosão dos níveis de polarização social afeta, de muitas maneiras, a qualidade de vida em uma cidade. Entretanto, há outros fatores que devem ser levados em conta. Incentivar processos de desenvolvimento urbano igualitários significa também que os bens públicos e serviços básicos devem ser acessíveis para todos com as mesmas oportunidades e para as diferentes necessidades. Estou falando de água e eletricidade, de mobilidade e redes de comunicação, assim como dos espaços públicos fundamentais para favorecer processos de interação cultural, social e econômica.

Desenvolvimento – As cidades brasileiras cresceram muito rapidamente. Este é um dos principais motivos da formação das grandes favelas do país. É possível se desenvolver de forma acelerada sem esse efeito colateral?

Joan Clos – O problema da urbanização não é a urbanização em si, mas os níveis de desigualdade no planejamento urbano. Os grandes assentamentos informais, ou seja, as favelas, são a solução que muita gente encontra para problemas de origem social. São a consequência de uma demanda de habitação e emprego em cidades que não conseguem se organizar. Isso gera um ciclo vicioso que afeta negativamente a coesão social, os níveis de segurança e o dinamismo econômico das grandes cidades do mundo. A solução para o crescimento acelerado é planejar as cidades com antecipação, pensando em como queremos que cresçam. Ao otimizar a densidade urbana e minimizar o que chamamos de zoneamento, uma das causas da segregação social, começamos a fazer com que a cidade pertença aos seus cidadãos; a proximidade de bens e serviços incentiva os investimentos e as oportunidades. Os principais fatores são distribuir a população em zonas já urbanizadas, planejar os usos mistos do território e repensar o espaço público.

Desenvolvimento – Como os governos deveriam lidar com o rápido crescimento das cidades e os desafios da mobilidade urbana? Qual é a sua avaliação sobre o assunto nos grandes centros brasileiros?

Joan Clos – O crescimento das cidades não deve ser percebido como algo negativo per si. Além disso, sendo que mais da metade da população mundial vive em contextos urbanos, é preciso investir para que as cidades sejam o modelo mais eficiente dos diferentes tipos de assentamento urbano. Para atingir esse objetivo, a eficiência e a extensão dos sistemas de mobilidade urbana estão entre os elementos mais importantes. A mobilidade é uma parte importante no desenho das cidades, já que contribui não só para a habitabilidade em termos de redução dos engarrafamentos e poluição, mas também para o potencial econômico, permitindo um moviefetivas mento eficiente de pessoas e bens. Mas a mobilidade é mais do que o meio de transporte que utilizamos. O planejamento e o desenho urbano deveriam concentrar-se em como aproximar as pessoas e os lugares, criando cidades centradas na acessibilidade, em vez de simplesmente aumentar a longitude e a capacidade da infraestrutura de transporte urbano.

As propostas de Clos para um desenvolvimento urbano sustentável

Olhando para o futuro, Clos acredita que as cidades são determinantes para o desenvolvimento sustentável. Para ele, o crescimento espontâneo das cidades deve dar lugar ao planejamento urbano coletivo.

“A urbanização pode ser conduzida e moldada de forma coletivamente desejável”, afirma. Ele diz ainda que a urbanização deve ser vista como uma oportunidade de solução para os problemas modernos, como o rápido crescimento demográfico e as desigualdades sociais. “Precisamos perceber a cidade mais como um ativo, uma solução para esses problemas”. Só assim as cidades terão uma função mais proativa no desenvolvimento sustentável.

Mas, na prática, a única forma de chegar a esse objetivo é desenvolver uma nova forma de economia urbana. Utilizar a densidade de pessoas e recursos, que só os centros urbanos oferecem, para alcançar ganhos de escala. Dois fatores devem ser prioridade. O primeiro é conectar de forma eficiente e coordenada toda a cidade. O segundo é evitar as externalidades negativas. Clos acredita que é preciso pensar um novo paradigma para as cidades. Um modelo que seja capaz de aplicar esses dois conceitos no mundo real. Muitas grandes cidades contemporâneas estão presas em um antigo paradigma, que as transforma em lugares congestionados, caros e desiguais. Ele defende a ideia de que isso não é irreversível. Mas é preciso esquecer os conceitos obsoletos e avançar para sistemas mais eficientes. A revista Desafios do Desenvolvimento compilou suas propostas para o desenvolvimento urbano sustentável, expostas no documento UN-Habitat Urban Vision nº 2 Vision for post 2015 Agenda, de sua autoria. Para se adequar ao novo paradigma urbano, segundo Clos, as cidades precisam adotar sete mudanças fundamentais.

1. É necessário retomar o conceito de cidades compactas e de usos mistos

Os componentes das cidades devem ser compactos, integrados e conectados. Isso requer uma mudança do modelo de cidades mono-funcionais de baixa densidade, com longas distâncias, que é pouco conectado, segregado socialmente e ineficiente economicamente. Em vez disso, o novo paradigma otimiza densidade demográfica e econômica, e privilegia a proximidade entre as firmas e as pessoas dentro de um padrão predominante de uso do solo mistos. A escala humana resultante minimizará a necessidade de transporte e serviços de entrega, otimizará o uso do solo e promoverá a diversidade social. Também favorecerá a proteção e o uso de espaços públicos abertos.

2. Priorizar o uso eficiente do espaço público é o ponto de partida para o funcionamento das cidades

A forma como o espaço é implantado e moldado é central para o processo do desenvolvimento urbano. Isso determinará o valor da terra e requer mecanismos de compartilhamento de valor. Os espaços urbanos são a espinha dorsal das cidades. Eles permitem às pessoas conviver com a diversidade e com a complexidade social, negociar diferenças, afirmar suas identidades e acessar recursos de maneira formal e informal. Políticas efetivas de criação, gestão e manutenção dos espaços urbanos são a chave para a eficiência econômica, assim como a inclusão social, a interação entre as pessoas e a mobilidade.

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3. Governantes das cidades devem abandonar soluções setoriais e adotar intervenções que alcancem a cidade como um todo e a escala dos problemas

A abordagem setorial e fragmentada, predominantemente usada atualmente, só criou enclaves de sucesso, com pouco impacto de transformação positivo. Soluções parciais tendem a piorar as condições da cidade, produzindo disfunções no conjunto urbano. Problemas como a expansão desorganizada, segregação e congestionamento requerem um enfoque mais holístico e integrado.


4. Planejamento e projeto urbano definem o marco espacial crítico

Um bom planejamento e projeto urbano devem estabelecer um mínimo de espaço comum, conectividade das vias e mix social, com variedade dos preços imobiliários na mesma região. O tecido urbano deve ter alta variedade de tipos de habitação, ambiente público agradável e de fácil locomoção para pedestres. Deve ter centros e limites bem definidos e várias opções de transporte.

5. Planejamento do Uso do Solo e códigos construtivos inteligentes são essenciais

Leis e regulamentação eficazes são os instrumentos-chave para obter cidades resilientes e de baixo carbono. Essa regulamentação deve limitar o zoneamento setorizado e encorajar o uso do solo misto. Além disso, deve estabelecer uma proporção mínima de vias de transporte. Há uma necessidade urgente de aumentar o total de espaços públicos nas cidades dos atuais 10% para, no mínimo, 30%.

6. As cidades devem promover o desenvolvimento endógeno

O novo paradigma urbano requer estratégias, planos e modelos que ativem os fatores endógenos. Isso inclui fomentar e utilizar ativos locais – especialmente o capital humano – para maximizar as oportunidades locais, explorar as potencialidades locais e posicionar a cidade no contexto de desenvolvimento regional, nacional e global. Uma cidade bem planejadapode aumentar diretamente em 15% a sua taxa de emprego aumentando a construção e a oferta de serviços básicos urbanos.

7. Os moradores da cidade – especialmente os mais pobres – devem ser os maiores beneficiários das políticas públicas

Eles são os principais stakeholders, que vivenciam diretamente os problemas das cidades. O “direito à cidade” é um princípio poderoso para garantir que o interesse coletivo prevaleça. A abordagem baseada nos direitos humanos é o único caminho para manter a dignidade de todos os moradores urbanos, incluindo o direito à moradia adequada.

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Desenvolvimento – O Brasil não é um país acostumado a fazer prevenção de desastres naturais, como o Japão, por exemplo. No entanto, o problema é recorrente nas cidades brasileiras nos períodos de chuvas, quando todo ano ocorrem inundações, desabamentos de encostas e tragédias humanas. Há uma cartilha sobre um mínimo de prevenção de desastres políticos ou uma porcentagem mínima do orçamento recomendável para fazer frente a este problema?

Joan Clos – Os objetivos de qualquer agenda urbana deveriam ser assegurar que os avanços já conseguidos pelas cidades não se percam por causa de desastres naturais ou causados por ações humanas. Ou seja, uma cidade com uma boa qualidade de vida tem que ser uma cidade resiliente. Isso significa que, salvo em casos nos quais é impossível prevenir riscos naturais, um bom planejamento urbano pode aumentar a capacidade de resistir a desastres, minimizando os danos. Para conseguir isso, é preciso dinheiro sim, mas também investir em pesquisa tecnológica, regulamentação adequada e planejamento urbano participativo.

Desenvolvimento – O senhor acredita que os desastres naturais, como as enchentes, são tragédias “democráticas” ou afetam mais os pobres do que os ricos?

Joan Clos – Os desastres naturais afetam a população em geral, mas as consequências podem ser diferentes para cada grupo social e afetar com mais intensidade a parcela mais vulnerável da população. Obviamente, uma inundação não causa os mesmos danos em uma favela e em um bairro residencial. A resiliência é produto de uma boa governança, que compreende promover ações dirigidas para diminuir a desigualdade como fator de vulnerabilidade não só social, mas também frente aos desastres naturais.

Desenvolvimento –As cidades são, ao mesmo tempo, responsáveis e vítimas do aquecimento global. Há alguma cidade que possa ser citada como exemplo do controle do clima?

Joan Clos – A urbanização oferece várias oportunidades para desenvolver estratégias de adaptação e mitigação para lidar com as mudanças climáticas. Dado que a maioria do consumo mundial de energia ocorre nas cidades e a metade vem da queima de combustíveis fósseis para o transporte urbano, a solução parece óbvia. Os atores sociais, econômicos e políticos nas cidades devem passar a ser os protagonistas no desenvolvimento destas estratégias. A criação e promoção de redes de prefeitos e governos locais para compartilhar experiências e estimular o debate e a reflexão sobre como transformar nossas cidades é um fator fundamental para conseguir melhores cidades no futuro.

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* Agradecimentos à colaboração de Rayne Ferretti e Manuel Manrique, do ONU-Habitat.

 
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