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Perfil - Maria da Penha

2013 . Ano 10 . Edição 77 - 07/10/2013

Cláudia Guerreiro

Maria da Penha

Foto: João Cláudio Garcia


“A vida começa quando a violência termina”

Há 30 anos Maria da Penha empreende uma campanha feroz contra a violência doméstica. Em homenagem à sua luta, sete anos atrás foi promulgada uma lei de proteção às mulheres batizada com seu nome. Desde então, mais de 450 mil mulheres agredidas encontraram forças para denunciar seus algozes

Ela ficou paraplégica em decorrência das agressões do ex-marido. Esse fato ocorreu em 1983. Sangrou muito, levantou as partes do corpo que lhe foram possíveis – peito e cabeça eretos – criou coragem e, desde então, deslocando-se numa cadeira de rodas, foi à luta por justiça para todas as mulheres vítimas de violência de seus maridos e companheiros no país. Sua história pessoal acabou por inspirar uma lei federal de proteção às mulheres contra a violência doméstica: a Lei Maria da Penha. Aos 68 anos, essa senhora continua inspirando.

Afinal, a Lei 11.340, promulgada em 2006, deu força para que mulheres agredidas passassem a acreditar mais nas instituições e a denunciar seus algozes. Desde sua entrada em vigor, foram registrados cerca de 450 mil processos contra agressores, ou mais de 60 mil ocorrências anuais, de acordo com a Secretaria de Política para as Mulheres da Presidência da República. De cada quatro casos, três referem-se a homens agredindo suas companheiras na frente dos filhos. As agressões estão presentes em todas as classes sociais, etnias, culturas e credos.

“As mulheres começaram a acreditar nas instituições e a denunciar mais”, festeja Maria da Penha. Para ela, contudo, a luta continua. Em 2009, criou o Instituto Maria da Penha com o objetivo de divulgar o Projeto Defensores e Defensoras do Direito à Cidadania.

“O projeto explica a origem e a razão da violência familiar e contra as mulheres às comunidades, empresas e redes de atendimento à Lei Maria da Penha, compostas por psicólogos, advogados e assistentes sociais”, esclarece a fundadora.

A luta pela emancipação feminina é tão longa quanto dolorosa. Assume diversas frentes e conta com algumas batalhas já vencidas, como a livre escolha afetiva e o divórcio, a igualdade no trabalho e o direito ao voto. Entretanto, muitas outras questões ainda estão por se resolver. No Brasil, o maior desafio neste início de Século XXI é o combate à violência doméstica. Nesse contexto, a Lei Maria da Penha constitui um dos capítulos mais relevantes dessa história. Por isso torna-se tão importante conhecer a história da mulher-símbolo que a inspirou.

DO AMOR À TRAGÉDIA Maria da Penha Maia Fernandes nasceu em Fortaleza, no Ceará, em 1945. É farmacêutica bioquímica. Conheceu seu ex-marido e agressor em meados dos anos 1970, por intermédio de amigos em comum, quando fazia mestrado na USP. Marco Herédia, colombiano, era bolsista na mesma universidade. Namoraram e casaram. Nos primeiros anos de relacionamento, a vida em comum era ótima. Tiveram três filhas. Ele naturalizou-se brasileiro. E então as coisas começaram a mudar.

De amigo e companheiro, Marco tornou-se agressivo com a esposa e as crianças, à época com idades entre dezoito meses e seis anos. Sem entender o que acontecia, ela não sabia o que fazer para mudar a situação. Tampouco tinha condições de enfrentar as brutais violências físicas e psicológicas. Marco praticava halterofilismo e era extremamente forte e imprevisível. Ela tentou por diversas vezes conversar com ele para saber o que estava acontecendo, sugerindo, inclusive, que se separassem. O ex-marido, entretanto, não apenas recusava essa possibilidade como se tornava ainda mais violento.

Na época, as delegacias de mulheres ainda não existiam e as brigas de marido e mulher eram vistas com certo desdém pela sociedade. A maioria comungava com a máxima “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. Para completar, aquelas que ousavam se separar eram vistas de maneira preconceituosa, enquanto assassinos confessos de suas mulheres, como Doca Street e Lindomar Castilho, eram absolvidos pela Justiça sob a argumentação de estarem agindo em “legítima defesa da honra”. Isso a impedia de tomar uma ação.

Foto:  Arquivo Instituto Maria da Penha/IMP

Diplomação das alunas do Curso Defensores e Defensoras do Direito à Cidadania do Instituto Maria da Penha

Certa noite, no fim de maio de 1983, após um dia relativamente tranquilo passado com Marco e suas filhas, Maria da Penha foi acordada com um forte estampido. Sem entender o que tinha acontecido, seu primeiro pensamento foi: “O Marco me matou!”. Ao tentar se mexer, não conseguiu. A bala atingiu sua coluna. Socorrida pelos vizinhos, Maria da Penha passou quatro meses internada, lutando pela vida.

À polícia, Marco contou que tinha havido um assalto em casa, que lutara com quatro assaltantes e estes haviam tentado enforcá-lo. Ao voltar para casa, no início de outubro, Maria da Penha vivia uma nova realidade: estava paraplégica. A situação tornou-se, então, ainda mais dramática. Com sua mobilidade comprometida e extremamente debilitada, foi mantida em cárcere privado por Marco, que não deixava ninguém visitá-la ou fazer contato com ela. Sua angústia tornou-se insuportável: via as filhas, indefesas, à mercê das agressões do pai, assim como ela própria, sem poder fazer mais nada naquele momento.

Foto: Arquivo Instituto Maria da Penha/IMP

Neste ínterim, sua família procurava por todos os meios possíveis obter uma separação de corpos – medida cautelar usada para prevenir os efeitos extremos de um casal em processo de separação, garantindo o afastamento de um dos cônjuges da morada do casal sem configurar abandono de lar. Essa medida, muito necessária no caso de Maria da Penha, tinha à época importância ainda maior, pois sem ela a parte que saísse de casa – ainda que vivesse uma situação insustentável – era acusada de abandono de lar.

Quinze dias após seu retorno, em meio a intenso sofrimento físico e psicológico, Maria da Penha sofreu nova tentativa de assassinato. Marco danificou um chuveiro elétrico da casa para que entrasse em curto quando ela o abrisse. Dessa vez, a babá das meninas a salvou. Já com o alvará em mãos, ainda teve de esperar alguns dias, até que seu algoz viajasse, para sair de casa em segurança.

Com um advogado a apoiá-la e a polícia tomando conta do caso (quando ficou provado que Marco Herédia havia simulado o assalto para atentar contra a vida da mulher), Maria da Penha esperou oito anos para que acontecesse o primeiro julgamento de seu ex-marido, fi ndo o qual saiu em liberdade, apesar de todas as provas o apontarem como autor dos crimes.

DO LIVRO À LEI Desesperada e sem saber o que fazer, Maria da Penha decidiu escrever um livro, Sobrevivi, posso contar (publicado em 1994 e reeditado em 2010 pelo Armazém da Cultura), onde narrou toda a sua história, mostrando os pontos falhos da justiça e do processo. Procurada por grupos de direitos humanos, foi convidada a denunciar o Brasil na Organização dos Estados Americanos (OEA). Signatário de tratados acerca dos direitos das mulheres, o país havia se comprometido a reduzir a impunidade dos agressores, sem, no entanto, cumprir o papel assumido nessas convenções.

Após as pressões externas, o Brasil foi obrigado a adaptar sua legislação de modo a atender às exigências da OEA. Assim, surgiu a lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, batizada de Maria da Penha em homenagem a essa mulher. A Constituição de 1988 já garantia a igualdade entre homens e mulheres, especifi camente no âmbito familiar. A Lei Maria da Penha avançou ao vedar e prevenir a violência doméstica e familiar de forma explícita, protegendo a mulher contra os maus-tratos praticados por homens com os quais ela tenha tido relações maritais ou de afetividade.

“Por ser estigmatizante, as vítimas preferiam ocultar os abusos sofridos e somente uma parcela pequena tinha a coragem de denunciar o marido ou companheiro”, explica a ministra do Supremo Tribunal Militar, Elizabeth Rocha. “A Lei Maria da Penha buscou romper com o véu da vergonha e mostrar que os agressores devem responder, penal e civilmente, pelas suas condutas.

Foto: Arquivo Instituto Maria da Penha/IMP

No Planalto, com o então presidente Lula: viagens pelo Brasil para divulgar o instituto que administra com as filhas

A lei também protege a mulher contra a violência em caso de relações estáveis ou afetivas entre pessoas do mesmo sexo, estabelecendo uma evolução legal do conceito de família e de relação íntima de afeto. Vale lembrar que essa tutela legal sobre as relações homoafetivas ocorreu antes mesmo de o Supremo Tribunal Federal reconhecer o casamento entre pessoas do mesmo sexo, em 2011. Protege igualmente a mulher da violência de todas as pessoas com as quais convive na intimidade, como pai, mãe, irmão, cunhado, filhos ou netos. Outra inovação significativa foi dispor sobre a prisão preventiva do agressor.

“Não restam dúvidas acerca do papel fundamental da Lei Maria da Penha para alterar o tratamento dado à mulher vítima de violência doméstica, garantindo punição mais severa aos agressores”, avalia a ministra Elizabeth Rocha. “A luta agora é buscar a mudança de mentalidades”.

AGORA, A IMPLEMENTAÇÃO Sete anos depois de promulgada, a lei ainda encontra-se em fase de implantação. Esta etapa não tem sido mais fácil do que as anteriores. Um dos grandes entraves é a morosidade da Justiça brasileira e um Código Penal que possibilita uma sucessão de chicanas protelatórias.

O ex-marido Marco Antônio Heredia, por exemplo, foi duas vezes a julgamento, recorrendo da condenação para conseguir permanecer em liberdade. Somente 19 anos e meio depois de haver cometido seus crimes, quando faltavam seis meses para a sua prescrição, ele foi de fato encarcerado. Sua pena foi de dois anos de reclusão – enquanto sua vítima terá de passar o resto da vida aprisionada a uma cadeira de rodas.

Para Maria da Penha, a lei só trouxe coisas boas. Ela ressalta sua fundamental contribuição para a prevenção e proteção da mulher em relação à violência doméstica. Destaca, porém, que políticas de prevenção, como a educação em questões de gênero, façam toda a diferença na redução dos casos de violência familiar. Por essa razão, decidiu criar um instituto para prosseguir com a luta.

Uma das consequências da lei é que gerou um aumento no número de registros de casos de violência doméstica. Trata-se de uma boa nova. Especialistas no tema avaliam que, efetivamente, há uma quantidade maior de denúncias por parte das mulheres. Isso se verifica em virtude de uma maior visibilidade dada à violência doméstica e, sobretudo, um maior acesso das vítimas ao sistema judicial. Esta postura, entretanto, tem ocorrido de forma mais evidente nos grandes municípios e capitais. Nas cidades menores, a realidade ainda é outra.

“Isto acontece por falta de apoio dos gestores públicos, que não se interessam em desenvolver políticas públicas eficientes para combater o problema”, explica Maria da Penha.

“Juizados, Centros de Referência da Mulher e casas-abrigo são essenciais para a orientação, o esclarecimento e o acompanhamento, além da execução de medidas para a salvaguarda das vítimas”, completa Maria da Penha.

A lei também estabeleceu uma série de pequenas regalias às mulheres que, em seu conjunto, podem fazer a diferença. Entre elas, a realização dos atos processuais no horário noturno e a competência jurisdicional conforme opção da vítima, podendo ser o local do domicílio, a residência, o lugar do fato ou do domicílio do agressor. Os juízes, por sua vez, deixaram de sentenciar os agressores com penas banais, que se convertiam em multa ou pagamento de cestas básicas.

Hoje, dedicada ao Instituto Maria da Penha, que administra com o apoio das três filhas, ela viaja pelo Brasil inteiro com uma agenda cheia de vários compromissos: palestras, participação em campanhas contra a violência como convidada e apoiadora de órgãos governamentais na estruturação, orientação e divulgação de políticas e projetos públicos que beneficiem mulheres vítimas da violência doméstica que surgem por todo o país.

Como gosta de dizer, sua vida é o seu instituto e esta só tem sentido a partir da sua luta. Em outras palavras, Maria da Penha tornou-se um farol para as brasileiras, projetando um cone de luz – cuja dimensão é bem maior do que sua silhueta. Por tudo o que viveu, é natural que insista em repetir a frase que já virou seu bordão: “A vida começa quando a violência termina”.

 
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