2012 . Ano 9 . Edição 74 - 31/10/2012
Eduardo Fagnani
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A Seguridade Social é um dos núcleos dos regimes de Welfare State, que experimentaram notável desenvolvimento nos “trinta anos de ouro” (1945/1975) de capitalismo regulado. O princípio da “Seguridade Social” (todos têm direito mesmo sem contribuir) prevalece ante o princípio do “Seguro Social” (tem direito quem contribui). Impostos progressivos financiam os direitos daqueles que não podem pagar. A redistribuição da renda é feita pela via tributária. Instituiu-se a forma clássica de financiamento tripartite da Seguridade Social (empregados, empregadores e Estado, via impostos gerais).
A agenda de reforma democrática brasileira construída a partir de meados dos anos de 1970 inspirou-se na experiência da social democracia europeia. Esse movimento ganhou impulso no âmago da luta pela redemocratização do Brasil e desaguou na Constituição de 1988.
A Constituição inovou em diversos pontos. Um deles foi a tentativa de articular políticas de Seguridade Social (art.194) e assegurar fontes de financiamento para o seu desenvolvimento. O “Orçamento da Seguridade Social” (art.195) vincula fontes de impostos gerais (contribuição do governo) e de contribuições sobre a folha de salários (contribuição de empregadores e trabalhadores).
Nossos constituintes copiaram o modelo tripartite clássico do Welfare State. Nos países europeus o financiamento da Seguridade Social é composto, em média, por 38% da contribuição dos empregadores; 22% pela contribuição dos empregados; e 36% da contribuição do governo.
As recentes medidas de desoneração da contribuição patronal para a previdência (20% sobre a folha de salário) corroem esse modelo clássico e acentuam tendência preocupante. Entre 2006 e 2011 as renúncias fiscais passaram de R$ 79 bilhões para R$ 137 bilhões (Gastos tributários do governo federal: um debate necessário. Brasília: Ipea, Comunicado Nº 117, p. 8). Cerca de R$ 21 bilhões desse montante são isenções que afetam a Seguridade Social.
Esta tendência tem se acelerado entre 2011 e 2012 (Medidas Provisórias 540 e 563). Recentemente, quarenta setores econômicos foram isentados da contribuição patronal. Segundo o Ministério da Fazenda a renúncia fiscal será de mais de R$ 60 bilhões até 2016.
O governo afirma que “não haverá impacto sobre a Previdência Social: a União compensará qualquer perda de arrecadação previdenciária com recursos do Tesouro”. Quem vai se lembrar dessa afirmação quando o “novo” rombo da previdência voltar a servir de mote para o mercado financeiro impor novas rodadas de reformas para tornar o país “governável”?
A desoneração é justificada pela criação de empregos formais. “A tendência é uma aumento da contratação de trabalhadores, um aumento do emprego e da formalização”, afirmou o Ministro a Fazenda (Governo desonera folha de mais 25 setores e renuncia R$ 12,8 bi em 2013. 13/09/2012, Agência Estado).
Esse argumento revisita teses do passado. Em meados dos anos de 1990 a ampliação da competitividade passou a ser considerada como pressuposto do ‘sucesso’ do Plano Real. O chamado “Custo Brasil” ganhou centralidade na agenda do governo de FHC. O custo do trabalho era item privilegiado. Formou-se, entre os neoliberais, consenso em torno da premência da redução de encargos sociais que atuaria a favor da competitividade, do emprego e da formalização.
A professora Maria da Conceição Tavares, então Deputada Federal (PR-RJ), denunciava o caráter falacioso desse argumento:
“Não existem evidências de que a regulamentação do mercado de trabalho seja um obstáculo de peso para a criação de empregos ou que sua flexibilização ‘contribua para solucionar os problemas de insuficiência, insegurança e instabilidade no emprego’. Tampouco existem evidências de que a redução dos salários contribua para aumentar o emprego, sequer setorial, que dirá global. (...) Aliás, o Brasil é um dos países em que o custo da mão-de-obra, quando medido pela participação dos salários no custo da produção ou no valor agregado, é um dos mais baixos do mundo. Assim, não são as condições institucionais do mercado de trabalho, mas sim a política econômica e seus reflexos na dinâmica do sistema produtivo que estão causando desemprego. Na ausência de uma política de investimentos, financiamentos e reestruturação econômica e social solidárias – que seriam fatores determinantes na melhoria do emprego e das condições de uso e remuneração da mão-de-obra – não adianta usar paliativos.” (Tavares, M. C. O verdadeiro custo Brasil. Jornal do Brasil, 12/2/1996).
A Espanha foi um dos países que mais avançou na desoneração de encargos trabalhistas nos anos de 1990. Mas o desemprego não cedeu naquela década e na seguinte. Hoje é o maior da Europa.
___________________________________________________________________________________ Eduardo Fagnani é professor do Instituto de Economia da Unicamp.
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