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Em busca de um lugar seguro

2012 . Ano 9 . Edição 74 - 31/10/2012

Foto: Gleilson Miranda/Secom

Mais de 500 haitianos chegaram ao Acre somente nos últimos 10 dias do mês de janeiro. Apenas a cidade de Brasileia, abriga mais de 1.200 imigrantes

Daniella Cambaúva e Murilo Machado – de São Paulo

Há no mundo cerca de 15,5 milhões de refugiados, vítimas de perseguições, conflitos armados ou catástrofes ambientais. A política brasileira para acolhimento de pessoas nessa situação é das mais avançadas do mundo e tornou-se referência internacional. Mesmo assim, há muito o que melhorar

Em 1991, o peruano Carlos Durand administrava uma fábrica produtora de tabaco em seu país. Tinha uma vida confortável com sua esposa, dona de casa, e suas quatro filhas ainda crianças. Viviam no elegante bairro de Miraflores, em Lima, “o melhor lugar do mundo, a cinco minutos da praia”, descreve. Aparentemente, Carlos não teria motivos para fugir de seu país, deixando para trás tudo o que tinha – incluindo as crianças. No entanto, o cenário político local de duas décadas atrás não lhe deixou alternativas.

O presidente eleito do país, Alberto Fujimori (1990-2000), deu um golpe de Estado em 1992, dissolveu o Congresso e prendeu grupos opositores de modo implacável. Entre esses grupos, estavam os guerrilheiros de orientação maoísta do Sendero Luminoso, movimento cujas primeiras ações no país datam da década de 1960. E, entre os senderistas e os homens de Fujimori, estava a família Durand.

Foto: ACNUR

O peruano Carlos
Durand e sua família
foram acolhidos no Brasil.
Ele mostra seu cartão
de visita de professor
particular de espanhol.
“Descobri que é a profissão
que ‘me gusta’”


CONFLITOS INSUSTENTÁVEIS Carlos conta que, aos poucos, os conflitos se tornaram-se insustentáveis. “Eu cobria os olhos da minha filha a caminho da escola para ela não ver os corpos espalhados pelas ruas”.

A situação se agravou até que um incidente ocorrido na fábrica que administrava o levou a deixar o país. Um dia, alguns guerrilheiros tentaram entrar no local, mas enfrentaram resistência de um colega de trabalho. A reação dos senderistas foi agredir o funcionário com uma pedrada na cabeça. O homem morreu no ato. Carlos, que presenciara a cena, fora obrigado a escrever um cartaz com a frase: “Assim morrem os traidores”.

Após daquele dia, foi procurado pelo Exército para prestar esclarecimentos. “Eu disse que estava tudo bem. Tempos depois apareceu um grupo de mulheres em casa pedindo armamento. Aí começaram”, referindo- se aos guerrilheiros. “Deixei todas as minhas coisas. Eles me procuraram. Queriam dinheiro, participação”.

Com medo de ser perseguido, o peruano decidiu fugir apenas com a mulher. As filhas viriam meses depois. Foi para a Bolívia, passando por La Paz, Cochabamba, Santa Cruz e chegou a Corumbá, já no Brasil. Cinco dias depois de deixar seu país, estava em São Paulo. Logo procurou a Cáritas (organização não-governamental dedicada à assistência e proteção de refugiados, ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e o Acnur (Alto Comissionado das Nações Unidas para o Refugiado). Embora elogie o trabalho das duas organizações, Carlos e a esposa só receberam o protocolo de refugiado dois anos após a solicitação. Enquanto aguardavam, não puderam desempenhar nenhuma atividade que lhes exigisse documentação, como por exemplo, matricular as filhas na escola. “Você não é ninguém [sem os documentos]. Eu e minha esposa vendíamos brincos e anéis em lugares como a porta da faculdade Mackenzie para sobreviver. Quando avisaram que o protocolo estava pronto, nós dançamos”, conta.

Apesar das dificuldades, a família conseguiu aos poucos se estabelecer no Brasil. Atualmente, Carlos dá aulas de espanhol em grandes empresas. “Descobri que é a profissão que me gusta”, contou, sem esconder sua dificuldade para falar português. Por ironia do destino, a mesma faculdade em cuja porta vendiam brincos e anéis foi a responsável pela formação das filhas.

Carlos Durand e sua família foram acolhidos por autoridades brasileiras graças a uma legislação inovadora, responsável por avanços significativos para o apoio de refugiados. Mas ela ainda pode ser aprimorada, segundo especialistas.

Foto: João Brígido

“Os refugiados encontram
grandes dificuldades para ter
acesso aos serviços públicos,
principalmente por questões
culturais e de idioma. Muitos
se queixam porque precisam
pagar um tradutor quando
chegam ao Brasil. É a primeira
reclamação deles”

João Brígido,
técnico em planejamento e pesquisa do Ipea


O QUE É SER REFUGIADO? Em 1945, terminada a Segunda Guerra Mundial, estava colocado um desafio: reinstalar os 40 milhões de deslocados que o conflito havia deixado. Cinco anos depois, em Genebra, a Assembleia Geral das Nações Unidas elaborava um documento regulatório internacional para conferir status legal àquelas pessoas. Era a Convenção Internacional relativa à Proteção dos Refugiados. Naquele mesmo ano, havia sido criado o Acnur, com objetivo de conceder proteção jurídica internacional a pessoas nessa situação.

No documento que ficaria conhecido como Convenção de 1951, foi estabelecida uma primeira definição de refugiado: “Toda pessoa que, devido a fundados receios de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a determinado grupo social ou que expresse opiniões políticas e encontrando-se fora do país de sua nacionalidade ou residência e não podendo, ou a causa de tais receios, não queira acolher-se à proteção de tal país”.

A definição de “refugiado”, bem como de seus direitos ao solicitar asilo, vem sendo modificada desde então. O Protocolo de 1967, por exemplo, removeu os limites geográficos e temporais existentes, expandindo a abrangência da Convenção de 1951, que restringia a aplicação do conceito àquele que havia sido perseguido ou deslocado “em consequência de acontecimentos ocorridos antes de 10 de Janeiro de 1951 na Europa”.

Posteriormente, a Declaração de Cartagena, firmada em 1984, passou a considerar refugiado também aqueles que fogem de seus países porque sua vida, segurança ou liberdade estão ameaçadas pela violência generalizada, pela agressão estrangeira, por conflitos internos ou violação maciça dos direitos humanos.

NÚMEROS DO DESTERRO Atualmente, 62 anos depois da criação do Acnur, estima-se que existam ao redor do mundo 15,42 milhões de refugiados e 895 mil solicitantes de refúgio. No Brasil, segundo dados do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), há 4.506 deles: 63,5% oriundos da África, 23% do continente americano, 11% da Ásia, 2,5% da Europa e cinco apátridas – pessoas que não possuem qualquer nacionalidade. Tal situação ocorre, por exemplo, quando um Estado deixa de existir, ou quando pessoas pertencentes a minorias étnicas nascem em países cuja legislação não atribui nacionalidade a esses grupos. No Brasil, as leis de refugiados consideram o apátrida como uma pessoa a ser protegida.

Foto: ACNUR

Refugiado é: “toda pessoa
que, devido a fundados
receios de perseguição por
motivos de raça, religião,
nacionalidade, pertencimento
a determinado grupo social ou
que expresse opiniões políticas
e encontrando-se fora do
país de sua nacionalidade ou
residência e não podendo, ou a
causa de tais receios, não queira
acolher-se à proteção de tal país”

Convenção Internacional relativa à Proteção
dos Refugiados (1951)

Na atual Constituição, a proteção aos refugiados está assegurada pela Lei 9.474/1997. De acordo com o representante do Acnur no país, Andres Ramirez, esse texto é considerado muito avançado. “É referência e tem reconhecimento mundial. A legislação brasileira é de vanguarda porque define a implementação da Convenção de 1951, a lei base dos refugiados, e incorpora outros instrumentos fundamentais, como a Declaração de Cartagena”. O Brasil foi o primeiro país sul-americano a ratificar, em 1960, a Convenção de 51 e o Protocolo de 1967.

Na atual Constituição, a
proteção aos refugiados está
assegurada pela Lei 9.474/1997.
Ela “é referência e tem
reconhecimento mundial.
A legislação brasileira é de
vanguarda porque define a
implementação da Convenção de
1951, a lei base dos refugiados,
e incorpora outros instrumentos
fundamentais, como a
Declaração de Cartagena”

Andres Ramirez,
representante do Acnur

Na avaliação de Ramirez, outro aspecto que merece destaque é a amplitude da definição de refugiado. No artigo primeiro da lei, consta que “será reconhecido como refugiado todo indivíduo que I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior; III - devido à grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país”. Além disso, permite conceder esse status ao cônjuge, aos ascendentes, descendentes ou outros familiares que dependam do refugiado economicamente e também estejam em território nacional.

O presidente do Conare, Paulo Abrão, sintetiza a amplitude dessa definição legal: são aqueles que precisam “fugir da situação de vulnerabilidade” e “pessoas que, primeiramente, não têm escolha. Querem um lugar onde se sintam seguras”.

Já o técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea João Brígido Bezerra Lima, autor de um estudo sobre políticas públicas para refugiados no Brasil, também destaca a relevância da legislação brasileira. “Esse conceito foi compartilhado por outros países sul-americanos e incorporado às legislações nacionais do Chile e Argentina”, relata ele, que também é integrante do grupo de pesquisa responsável pela publicação anual Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Internacional, pesquisa que investiga as principais características da cooperação para o desenvolvimento internacional e a inserção do Brasil.

 

Foto: UN Photo/Logan Abassi

Um dos problemas da
legislação brasileira é não
reconhecer os refugiados
ambientais, aqueles que
deixam suas casas por conta de
catástrofes naturais. “Em casos
de enchentes, por exemplo, a
pessoa é considerada migrante
comum, mas deveria ser
refugiada”

João Brígido,
pesquisador

 

Haiti - terremoto de janeiro de 2010

PROTEÇÃO PÚBLICA No Brasil, o Conare é o principal pilar da política para os refugiados. É o organismo público responsável por receber as solicitações de refúgio e determinar se os solicitantes se encaixam ou não nas condições previstas pela lei. Faz parte de suas atribuições investigar se a pessoa estava de fato em situação de risco no país de origem e também se cometeu algum crime – fator que impede a concessão desse status.

Concluído o minucioso processo de investigação, o solicitante recebe um protocolo com validade de 90 dias, prorrogáveis por mais 90, prazo final para a instituição emitir a decisão sobre o pedido. Com o protocolo em mãos, a pessoa está legalizada no Brasil e passa a ser formalmente um solicitante de refúgio. Passa a ter direito, como qualquer cidadão brasileiro, a serviços públicos, como saúde e educação, além da possibilidade de ter uma Carteira de Trabalho. O refugiado pode se inscrever em programas habitacionais, por exemplo, no caso daqueles que têm residência permanente, concedida depois de quatro anos de permanência. De acordo com o Conare, há refugiados que já conseguiram ser beneficiados.

Cabe também ao Conare promover e coordenar políticas e ações necessárias para proteger e prestar assistência aos refugiados, bem como oferecer apoio legal. O órgão, de deliberação coletiva, é formado por sete membros que representam os ministérios da Justiça, Relações Exteriores, Trabalho, Saúde, Educação e Esporte, além do Departamento de Polícia Federal e a Cáritas. O Acnur é membro convidado com direito a voz, mas sem direito a voto.

Criado para dar conta dos refugiados em território europeu no pós-Guerra, o Acnur está presente em vários países e expandiu seu trabalho. Assiste apátridas, deslocados internos e trabalha para garantir que os refugiados sejam protegidos pelos países que os acolhem, cobrando assistência por parte dos signatários das convenções internacionais. Trabalha ainda para que os refugiados tenham acesso a políticas públicas e por sua integração na sociedade.

NOVOS OBJETIVOS Apesar de ser reconhecida como “uma das leis mais modernas de refúgio no mundo”, a legislação brasileira para refugiados apresenta lacunas, como aponta João Brígido. Segundo o pesquisador, um dos problemas é não reconhecer os refugiados ambientais, aqueles que deixam suas casas por conta de catástrofes naturais. “Em casos de enchentes, por exemplo, a pessoa é considerada migrante comum, mas deveria ser refugiada”, relata.

Existem três desafios principais:
“o primeiro é dar conta de
um volume de solicitações
de refúgio, cujos processos
precisam ser acelerados. O
segundo é melhorar o apoio
aos refugiados, principalmente
o serviço de integração à
sociedade brasileira, criando
uma rede que dê conta desse
aspecto. E o terceiro é no campo
das reformas legislativas,
porque há algumas lacunas”

Paulo Abrão,
presidente do Conare

Para ele, uma situação que representa essa necessidade de se repensar a legislação brasileira foi o impasse diante da chegada dos 2.186 haitianos em território brasileiro entre janeiro de 2010 e setembro de 2011. “Eles estão fugindo de um terremoto e de uma doença que dizimou muitas pessoas. Isso requer uma revisão da legislação”.

Os haitianos saíram de seu país para fugir das consequências do catastrófico terremoto de janeiro de 2010, que deixou pelo menos 220 mil mortos. O forte abalo sísmico foi seguido por um surto de cólera que provocou a morte de outras seis mil pessoas. No Brasil, sob condição de refugiados ambientais, estavam em um vazio legal.

ACELERAR APOIO Já segundo o presidente do Conare, existem três desafios principais. “O primeiro é dar conta de um volume de solicitações de refúgio, cujos processos precisam ser acelerados. O segundo é melhorar o apoio aos refugiados, principalmente o serviço de integração à sociedade brasileira, criando uma rede que dê conta desse aspecto. E o terceiro é no campo das reformas legislativas, porque há algumas lacunas”. Outro obstáculo é a dificuldade para validar os diplomas de ensino superior de outro país no Brasil. Tais reformas legais dependem do Congresso para serem aprovadas, e Abrão acredita que algumas delas são discutidas pelo governo.

Uma vez concedido o status de refugiado, a integração dessa pessoa à sociedade brasileira é fundamental. O peruano Carlos Durand pouco conhece a língua portuguesa, conforme ele mesmo admite. Esse, porém, não foi um entrave para sua adaptação por conta da proximidade de sua língua materna com o português.

Já para os congoleses, liberianos e iraquianos, os refugiados com maior representatividade no Brasil depois dos angolanos e colombianos, o idioma torna-se uma grande barreira. “Eles encontram grandes dificuldades para ter acesso aos serviços públicos, principalmente por questões culturais e de idioma. Muitos se queixam porque precisam pagar um tradutor quando chegam ao Brasil. É a primeira reclamação deles”, disse João Brígido.

Huda Albandar é palestina. Com o marido Walid e os dois filhos, Hossam e Mahmoud, de 12 e 9 anos, vive em Mogi das Cruzes, a 63 quilômetros de São Paulo. Sua experiência se encaixa como um exemplo perfeito para uma das críticas feitas pelo representante do Acnur: “É necessário implementar a legislação para os refugiados”.

“Muitos brasileiros tiveram
que sair do país na ditadura
(1964-1989) por causa da
perseguição. O Brasil tem
também um histórico de
imigrantes. Então fica na cabeça
das pessoas a solidariedade. O
Brasil tem uma visão humana,
progressista da situação dos
refugiados”

Andres Ramirez,
representante do Acnur

Isso porque o Estado brasileiro ainda não oferece formalmente aulas de língua portuguesa aos refugiados, embora a legislação obrigue a integrá-los à sociedade. Em 2008, um ano depois de chegar ao Brasil, Huda teve uma hemorragia durante a gravidez. No hospital, não conseguiu se comunicar com o médico e sofreu um aborto. Como consequência, ficou estéril.

Cinco anos depois, ela consegue entender português e cursa o Ensino Superior. Huda, Walid, Hossam e Mahmoud integram um grupo de refugiados que chegou em 2007. A família estava na Jordânia – seu primeiro país de refúgio – e vieram para o Brasil por meio do Programa de Reassentamento Solidário, implantado pelo governo junto ao Acnur.

Se, em 1948, a criação do Estado de Israel acolheu 140 mil sobreviventes do holocausto judeu, o mesmo processo resultou, por outro lado, na expulsão de quase um milhão de palestinos de sua terra natal. O problema dos refugiados naquela região é atualmente de maiores proporções, com cerca de 3,6 milhões de refugiados palestinos no mundo, 120 mil deles no Brasil, segundo o Conare.

Na opinião de Andres Ramirez, apesar de todas as dificuldades existentes, o Brasil tem uma capacidade de acolher generosamente os refugiados. “Muitos brasileiros tiveram que sair do país na ditadura (1964-1989) por causa da perseguição. O Brasil tem também um histórico de imigrantes. Então fica na cabeça das pessoas a solidariedade. O Brasil tem uma visão humana, progressista da situação dos refugiados”, conclui.

 
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