2005. Ano 2 . Edição 10 - 1/5/2005
Ottoni Fernandes Jr.
O conceito marxista de valor muda de sentido na economia do conhecimento, no capitalismo pós-moderno, em que o capital imaterial, o capital humano, assume um papel talvez mais importante do que o do capital fixo, expresso em máquinas e estoques de produtos. Esse é o centro da investigação do sociólogo André Gorz, um especialista na análise das relações de trabalho, em seu livro O Imaterial, Conhecimento Valor e Capital. Nascido em 1923, em Viena, na Áustria, emigrou para a Suíça em 1938, depois da anexação de seu país pela Alemanha nazista. Fixou-se na França, onde fez seu nome como intelectual. Gorz sempre pesquisou as mudanças nas relações de trabalho no capitalismo, como fica demonstrado em um artigo que escreveu para a revista Les Temps Modernes sobre a contradição entre a busca da máxima produtividade do trabalho de um operário e o fato de ele ser obrigado a exercer tarefas repetitivas.
Em O Imaterial, Gorz trata da dificuldade em quantificar o saber, que não pode ser medido em horas de trabalho. A capacidade de inovar exige criatividade, expressividade, colaboração espontânea, qualidades associadas a alguma insubordinação, à falta de disciplina contraditória com as necessidades de controle e de mensuração intrínsecas ao capitalismo. O autor explora de maneira competente a nova relação entre valor, capital e conhecimento e diz que a sociedade do conhecimento expõe uma crise do próprio conceito de valor. Um dos exemplos de momentos críticos foi a explosão da bolha das empresas criadas em torno da internet em 2000: houve uma valorização excessiva do capital imaterial, pela dificuldade em estabelecer o equivalente monetário de ativos intelectuais, de mensuração complexa.
A edição brasileira do mais recente livro de Gorz difere da francesa, de 2003. Ela é mais ampla porque incorpora modificações feitas para a publicação em alemão. Para o autor, os hackers da internet e os programadores de software livre (não-proprietário) são dissidentes do capitalismo digital, por sua oposição à privatização do conhecimento. Eles buscam montar estruturas não-hierárquicas "em redes horizontais descentralizadas em via de se autoproduzir e de se auto-organizar". Gorz aponta um conflito quando o capitalismo do conhecimento tenta se apropriar de bens que são patrimônio da humanidade, como o genoma das plantas, para transformá-los em produtos, como medicamentos.
É um livro instigante, capaz de provocar polêmica. Induz à reflexão sobre a sociedade em que o saber do indivíduo conta mais do que o tempo da máquina, em que a capacidade de inovar, de ser criativo, repousa em valores subjetivos, em que o funcionário de uma empresa pode estar prestes a produzir um novo conhecimento enquanto assiste a uma peça de teatro.
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