Parece impossível, mas não é - Estudo analisa 33 escolas públicas que apresentaram bom desempenho na Prova Brasil |
2007 . Ano 4 . Edição 32 - 7/3/2007 Pesquisa realizada pelo Unicef e pelo Ministério da Educação analisa 33 escolas que, apesar de localizadas em regiões problemáticas tanto social como economicamente, conseguiram obter bom desempenho na Prova Brasil. A fórmula é acessível a qualquer um: criatividade, empenho e disposição de professores, funcionários, pais e alunos Aluno de escola pública do Distrito Federal desenha a "cara" da Matemática Algumas características comuns a essas escolas: boas práticas pedagógicas, professores comprometidos e par ticipação ati va de pais e estudantes
No primeiro dia de aula do ano letivo, os alunos do Centro Educacional 03 do Guará, cidade-satélite de Brasília, no Distrito Federal, recebem um manual. Entre as muitas instruções, está lá escrito que sua responsabilidade é estudar, fazer as tarefas e demais trabalhos solicitados e entregá-los pontualmente nas datas especificadas pelo professor. Também é preciso respeitar as normas disciplinares da escola e ser honesto na realização das verificações de aprendizagem. Mas não pensem que os alunos têm somente deveres. Nessa escola, eles também têm direitos. Um deles é o respeito à dignidade, independentemente da convicção religiosa, política ou filosófica, grupo social, etnia e nacionalidade. Outro é a garantia de que lá o aluno terá a oportunidade de desenvolver sua potencialidade ao máximo. O Centro Educacional gravita entre dois pólos:a rigidez e o respeito. E tem sido justamente a manutenção do complexo equilíbrio desse pêndulo o segredo dessa escola, que coleciona resultados positivos. Para Fernanda Leôncio da Paz, de 14 anos, aluna da 8ª série, "a escola nos mostra que estamos aqui para estudar. Os professores são rígidos, mas sabemos que é para o nosso bem". Sua colega de série, Letícia Aguiar de Melo, de 13 anos, resume o sentimento:" Às vezes achamos ruim, mas as regras nos dão maturidade". O Centro Educacional 03 do Guará é uma das 33 escolas públicas que fazem parte do estudo "Aprova Brasil, o direito de aprender", realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pelo Ministério da Educação (MEC). A maioria das escolas pesquisadas está localizada em pequenos municípios ou na periferia de grandes cidades e é freqüentada por crianças de famílias de baixa renda. Tudo conspirava contra, mas essas instituições mostraram que nenhum obstáculo é incontornável para a criatividade e para os métodos inovadores. Elas conseguiram driblar as precariedades e oferecem um ensino de qualidade a seus alunos. Cada escola está em um canto diferente do país e tem, em seu entorno, uma realidade própria (veja mapa abaixo), mas algumas características são denominadores comuns e servem para explicar seu sucesso: boas práticas pedagógicas, professores comprometidos e com atitude positiva em relação aos alunos, participação ativa dos estudantes e dos pais, gestão democrática e parcerias externas. Combinando alguns desses fatores, essas 33 escolas, localizadas em catorze estados e no Distrito Federal, conseguiram melhorar a qualidade do ensino oferecido, garantindo o acesso à educação e a permanência escolar. As instituições estudadas foram selecionadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e pelo Unicef não só segundo o desempenho de seus alunos na Prova Brasil, mas também de acordo com o perfil socioeconômico dos alunos e do município onde estão instaladas.
Superação "Grande parte dessas escolas está situada em lugares pobres e mesmo assim tiveram notas acima da média nacional na Prova Brasil. Nosso desafio era descobrir o que essas instituições de ensino faziam de diferente", conta Fabiana de Felício, coordenadora de articulações institucionais do Inep. Segundo ela, as 33 escolas foram escolhidas com base num cruzamento das informações socioeconômicas dos alunos que participaram da Prova Brasil em 2005 com os dados dos municípios onde elas se localizam e o desempenho médio de cada escola. A esse cruzamento foi dado o nome de Índice de Efeito Escola (IEE). As escolas selecionadas para o estudo "Aprova Brasil, o direito de aprender" foram instituições em que o IEE era positivo. Ou seja, onde o desempenho médio dos alunos, tanto da 4ª como da 8ª série, em português e matemática, estava acima do valor esperado para escolas em que os alunos tivessem perfis socioeconômicos similares. Portanto, de acordo com o estudo, que foi realizado entre os meses de setembro e novembro de 2006, as 33 escolhidas não são necessariamente escolas que conseguiram as melhores notas na Prova Brasil, mas instituições que tiveram maior impacto na vida de seus alunos quando comparadas às demais de semelhante perfil socioeconômico de alunos e do município. "Não escolhemos as melhores instituições de ensino. O estudo alia os bons resultados na Prova Brasil a uma situação de vulnerabilidade e exclusão social. Na maior parte das pesquisas, a tendência é procurar as razões do fracasso. Nosso estudo foi atrás das razões do sucesso escolar, e a principal instrução que demos aos pesquisadores que foram a campo era que tivessem olhos, ouvidos e coração abertos para compreender cada escola em sua originalidade", explica Maria de Salete Silva, consultora do Unicef para educação e coordenadora do estudo. O Centro Educacional 03 do Guará conta com uma boa infra-estrutura. Além da quadra de esportes (ao alto) também tem sala de leitura, sala de vídeo e TV, laboratório de informática, três laboratórios de ciências e auditório. Tudo funcionando sob o comando da vice-diretora Cândida Vieira (acima) Todos os dezesseis professores da escola do Guará têm formação no Ensino Superior, e o Centro Educacional incentiva a capacitação constante Vida No Centro Educacional, a explicação para a escola ter conquistado tantos resultados positivos está na ponta da língua. "Nós temos a missão de preparar nossos alunos para a vida. Aqui, os estudantes não são só um número, são pessoas. Eles têm acesso direto à direção e temos todos uma relação muito próxima. Incentivamos o aluno para que ele possa ser sempre o melhor", diz Cândida Angélica Freitas Alencar Vieira, vice-diretora da escola, que sabe o nome de cada um dos estudantes e os recebe sempre com um sorriso na sua sala, que fica cheia durante os intervalos. Ela também aponta outras razões do sucesso: a boa gestão das verbas públicas, o empenho, o comprometimento e a capacidade de inovar dos funcionários, a manutenção da infra-estrutura - apesar das limitações -, a valorização dos alunos e a boa formação dos professores. "Um dos grandes destaques dessa escola é que as práticas pedagógicas são desenvolvidas com base em projetos bimestrais interdisciplinares", explica Fabiane Robl, pesquisadora do estudo "Aprova Brasil, o direito de aprender". Os temas dos projetos são definidos com a participação dos alunos, dos professores, dos coordenadores e da direção. No ano passado, a escola escolheu trabalhar com cidadania e valores por meio da programação da rádio da escola. Foram abordados a Copa do Mundo de Futebol, com uma gincana dos países, eleições, com campanha, votação e até a prestação de contas que seguiam as regras do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), além da feira de ciências no último bimestre. A rádio da escola vai ao ar todos os dias por vinte minutos durante os intervalos das aulas. Os próprios alunos redigem o texto e escolhem as músicas, sempre com a supervisão de um professor, e revezam-se nas funções de locutor e técnico. No segundo dia de aula deste ano, os estudantes receberam incentivos para um bom aproveitamento do ano letivo e dicas de como estudar melhor. "Os projetos são fundamentais, pois despertam o interesse dos alunos e dão à escola uma dinâmica diferente. Os estudantes passam a ter outra relação com o conteúdo", explica Maria do Socorro Ferreira Paixão, coordenadora pedagógica. Ainda em planejamento, o tema do projeto transversal deste ano já foi escolhido: tanto o Ensino Médio como o Fundamental estudarão o aquecimento global. Parâmetros As escolas foram pesquisadas com base em cinco dimensões: as práticas pedagógicas (trabalho coletivo, projetos de ensino, inovações na organização da escola, ensino contextualizado, realização de atividades externas com os alunos, incentivo à prática de jogos e esportes e implementação de novas formas de acompanhamento e avaliação da aprendizagem); a importância do professor (formação e valorização); a gestão democrática e a participação da comunidade escolar; a participação dos alunos e as parcerias externas. Entraram também na conta fatores como o ambiente da escola (relações entre pessoas), a existência e a boa manutenção das bibliotecas, quadras de esporte e laboratórios de informática e ciências, e a integração entre a escola, as secretarias municipais e estaduais e as demais escolas da rede e do município. O Centro Educacional 03 do Guará conta com uma boa infra-estrutura. São 26 salas permanentes, sala de leitura, sala de vídeo e TV, laboratório de informática, laboratório de ciências, laboratório de química, laboratório de física, auditório, quadra de esportes e área de lazer. A biblioteca, que tem um acervo de 25 mil livros, funciona de segunda a sexta-feira das 8 horas da manhã às 8 horas da noite e atende não só a escola, mas a comunidade do entorno. Mesmo dispondo de todo esse espaço, o Centro Educacional estimula e promove a realização de atividades fora dos muros da escola por meio de diversas parcerias externas. A escola tem convênio com cinemas, museu, espaço cultural, o Ministério Público e a Universidade de Brasília (UnB), que oferece oficinas de matemática aos alunos. " As parcerias são feitas a cada ano, dependendo dos projetos interdisciplinares. Elas são valiosas porque dão acesso a mundos que transcendem as paredes da escola", acredita Vieira. Não são só os alunos que estão satisfeitos com a escola, os professores também. "Aqui, temos ótimas condições de trabalho", diz Erundina Barbosa da Silva, professora de matemática da 7ª e da 8ª série. Todos os dezesseis professores da escola têm formação no Ensino Superior, e o Centro Educacional incentiva a capacitação constante. " Estimulamos o professor para que ele participe de cursos do governo do Distrito Federal e da UnB mesmo quando há conflitos de horário. Sempre damos um jeito de liberá-los", conta a vice-diretora. Na escola, o regime de jornada é ampliado. Os professores trabalham trinta horas por semana em sala de aula, mas recebem o equivalente a quarenta horas. "Nas dez horas restantes, ficam na escola na parte da coordenação, corrigem provas, elaboram atividades e atendem alunos e pais", explica Vieira. Não são só os alunos que estão satisfeitos com a escola, os professores também. "Aqui, temos ótimas condições de trabalho", diz Erundina Barbosa da Silva, professora de matemática da 7ª e da 8ª série. Todos os dezesseis professores da escola têm formação no Ensino Superior, e o Centro Educacional incentiva a capacitação constante. " Estimulamos o professor para que ele participe de cursos do governo do Distrito Federal e da UnB mesmo quando há conflitos de horário. Sempre damos um jeito de liberá-los", conta a vice-diretora. Na escola, o regime de jornada é ampliado. Os professores trabalham trinta horas por semana em sala de aula, mas recebem o equivalente a quarenta horas. "Nas dez horas restantes, ficam na escola na parte da coordenação, corrigem provas, elaboram atividades e atendem alunos e pais", explica Vieira. Crianças da escola Prof. José Negri, em Sertãozinho (SP), aprendem noções de frações preparando bolos Estímulo Cuidados desse tipo ajudam a criar um ambiente estimulante para estudantes e funcionários, o que melhora a qualidade da convivência em geral. "O que nos surpreendeu positivamente foi que em nenhum momento houve reclamação sobre o aluno. Nas 33 escolas, o estudante é valorizado e tratado com muito respeito. Em geral, essas instituições de ensino não cumprem o calendário escolar de forma mecânica. Propõem atividades simples e criativas. Afinal, o que diferencia uma escola é sua alma", afirma Silva, do Unicef. Exemplos de boas práticas não faltam e vêm das mais diferentes regiões do país. Na cidade de Sertãozinho (SP), a biblioteca Sol do Saber, da Escola Municipal Professor José Negri, atrai os alunos e procura desenvolver o gosto das crianças pela leitura. As aulas de português ganham reforço também com aulas de teatro e textos escritos ou adaptados pelos estudantes. O clássico de Machado de Assis Dom Casmurro fez tanto sucesso que os alunos organizaram um julgamento para a fictícia Capitu. Coube aos estudantes desempenhar os papéis de júri, juiz, advogados e promotores. As aulas de matemática são reforçadas com oficinas especiais. Noções como as de fração são ensinadas de maneira divertida. A mais famosa é o bolo da escola. Quem pode traz um bolo para a aula e todos se reúnem no pátio. A aula de matemática, temor de muitos, transforma-se numa grande confraternização entre alunos e professores cortando e comendo bolo. Os pais e pessoas da comunidade também são convidados. Já em Ibema (PR), dança, teatro, jograis e poesias preenchem a Hora Cultural, um projeto mensal desenvolvido pelos alunos da Escola Municipal Getúlio Vargas. Para fechar as atividades com chave de ouro, os estudantes apresentam-se para a comunidade no espaço cultural da prefeitura. Crianças aprendem a reconhecer e valorizar a riqueza da fauna em escola na Amazônia Campeonato Para enfrentar as dificuldades em leitura e escrita dos alunos, a Escola Municipal Leonor Mendes de Barros, em Barra do Chapéu (SP), desenvolveu o projeto Poeta na Escola, que organiza oficinas de leitura e redação fora do horário de aula. As crianças são constantemente incentivadas a levar livros para leitura em casa e podem participar também do campeonato de leitura, durante o qual fazem uma resenha do livro que leram e apresentam aos colegas da turma. Na escola 1º de Maio, em Salvador (BA), crianças e adolescentes são estimulados a resgatar a história de suas famílias e de sua comunidade. Os projetos Minhas Raízes, Minha Identidade e Resgatando Minha Identidade combinam conteúdos de português, matemática, história e ciências. Os estudantes exercitam a expressão escrita, noções de tempo, fatos históricos e noções de biologia para resgatar suas histórias e falar sobre racismo, preconceito, discriminação e identidade étnico-racial. Os projetos terminam com a produção de um vídeo com o relato das crianças. Na Escola Municipal Wanda Gomes Soares, em Duque de Caxias (RJ), a participação da comunidade é levada a sério. Lá, mães desempregadas se envolvem em oficinas de profissionalização que acontecem dentro da escola. O projeto, que foi batizado de Família na Escola, oferece oficinas de artesanato e confecção de tapetes. As mães também fabricam brinquedos pedagógicos, que podem ser levados para casa com o objetivo de estimular o desenvolvimento das crianças. Pais e professores reúnem-se bimestralmente; e os pais, escolhidos em votação direta, ainda participam do conselho escolar. E, para driblar a escassez de recursos, o grêmio estudantil da Escola Estadual Inglês de Souza, em Charrua (RS), promove atividades para arrecadar fundos para projetos especiais da escola, como a compra de livros. As crianças e os adolescentes têm acesso à escola no horário contrário ao turno que estudam e nesse período fazem seus trabalhos e também mantêm um grupo de dança. Os alunos que vivem na área rural do município usam o espaço da escola para almoçar e fazer as tarefas de casa. Uma gestão transparente também é fundamental. No Ciep 279 Professor Guiomar Gonçalves Neves, em Trajano de Morais (RJ), o conselho fiscal escolar acompanha a aplicação dos recursos destinados à escola. Um painel no corredor, logo na entrada do Ciep, informa a destinação do dinheiro. Os pais participam da Associação de Apoio à Escola (AAE), que se reúne bimestralmente. Disseminação Práticas inovadoras dependem muito pouco de recursos financeiros. Sua força motriz está na criatividade e no envolvimento de todos em torno de uma missão comum e compartilhada. Entretanto, reunir essas experiências num livro, como foi feito com o estudo "Aprova Brasil, o direito de aprender", não basta. Entre os compromissos assumidos pelo MEC e pelo Unicef está o de colaborar com o debate sobre a urgência para que a escola pública consolide suas boas práticas e que estas sejam disseminadas para todos. As duas entidades também pretendem articular uma ampla gama de parceiros para dar visibilidade a essas e outras boas práticas já sistematizadas e dar continuidade a esse estudo ampliando o universo de pesquisa e aprofundando os conceitos. "O livro em si já é um bom começo, pois é de fácil leitura. Faremos com que ele chegue a todas as escolas e secretarias de Educação do país. Além disso, vamos organizar seminários regionais sobre o Prova Brasil para debater como as informações reunidas por esse exame podem ser usadas pelas instâncias educacionais. O estudo 'Aprova Brasil, o direito de aprender' também vai servir de referência para que o MEC desenhe suas políticas daqui para a frente", garante Reynaldo Fernandes, presidente do Inep. Apesar de todas essas boas intenções, Divonzir Gusso, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), é cético. "Hoje, não existe uma política de qualidade da educação no sentido de usar um repertório de boas soluções educacionais criadas pela própria sociedade. A disseminação das experiências é complexa. Ou cria-se um incentivo de vontade própria ou estimula-se por meio de políticas públicas. " Como se vê, práticas simples podem fazer toda a diferença, mas pouco adianta se elas forem transformadas apenas em um livro que embeleza a estante. O que é a Prova Brasil |