Cidade legal - As favelas cariocas estão sendo inseridas no mapa da urbanidade |
2006. Ano 3 . Edição 21 - 4/4/2006 Iniciativa da prefeitura do Rio de Janeiro cria postos avançados que trabalham para urbanizar as favelas e incluí-las no mapa oficial da cidade
Sustentabilidade Esse foi o grande mérito do Pouso", diz a arquiteta e urbanista Marlene Fernandes, assessora internacional do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam), uma das instituições que integram o Fórum Ibero-Americano e do Caribe sobre Melhores Práticas. O primeiro resultado visível desse movimento surgiu em 2003, com a criação da Coordenadoria de Regularização Urbanística, encarregada de planejar, licenciar e fiscalizar a chamada cidade informal, que inclui as favelas e os loteamentos irregulares. "Até então, a Secretaria Municipal de Urbanismo não entrava em favela. Mas as habitações irregulares respondem por 40% das construções no Rio de Janeiro e é impossível ignorá-las. O Pouso deixou de ser apenas um braço educativo do Programa Favela- Bairro e passou a atuar de forma independente, combinando educação com normatização e fiscalização", diz Alfredo Sirkis, secretário municipal de Urbanismo. Retirar as favelas da informalidade é o principal objetivo do Pouso. Para isso, o programa investe na regularização urbanística dos assentamentos precários. A Coordenadoria de Regularização Urbanística estabele e normas para as construções e limites para o crescimento - vertical e horizontal. Aprovada a legislação, a concessão da certidão do Habite-se é o último estágio para a consolidação da nova ordem urbanística. O documento atesta que a construção é regular, facilita a obtenção do título de propriedade, permite que o imóvel seja inscrito no Registro Geral de Imóveis (RGI) e seja vendido legalmente.
Realização A maior vitória da minha vida de líder comunitária foi ver os moradores daqui receberem a certidão de Habite-se e o título de propriedade. Estamos vivendo um momento histórico". Outro caso é o de Marluce de Oliveira. Ela ainda luta. Há cerca de 80 anos seu bisavô construiu uma casa de madeira na Quinta do Caju que, sem manutenção, tornou-se pouco segura. A casa foi posta abaixo e em seu lugar foi construída uma nova, de alvenaria - obra que está quase pronta. "Construir uma nova casa era um desejo antigo. Decidi transformá-lo em realidade quando a obtenção do Habite- se passou a ser uma possibilidade concreta. Deixar de viver na ilegalidade significa muito para mim e para todos os moradores da comunidade", diz. Com 843 domicílios e cerca de 2, 5 mil habitantes, a Quinta do Caju, situada na zona portuária, foi uma das cinco primeiras favelas da capital fluminense. No início do século XIX, era uma quinta à beira da praia do Caju e, por indicação médica, dom João VI chegou a banhar-se ali algumas vezes. Nessas ocasiões, o rei freqüentava a casa da família Tavares Guerra, hoje Museu da Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb). Os primeiros habitantes da praia eram pescadores portugueses. Suas casas foram construídas na orla e havia um caminho que circundava o morro, a atual Rua Circular. Como se vê, muita coisa mudou. Primeiro para pior. Mais recentemente para melhor. A área foi se degradando com o passar dos anos e se tornou um ambiente insalubre. "Antes das obras de urbanização, havia uma vala na porta da minha casa. Nos últimos anos, nossa qualidade de vida deu um salto muito grande. Somos mais respeitados", diz Ida Marquechi Medina, de 86 anos, uma das moradoras mais antigas da Quinta do Caju. Criado em 1997, o Pouso que atende à comunidade também cuida das favelas de Parque Conquista, Parque São Sebastião, Vila Clemente Ferreira, Ladeira dos Funcionários e Parque Boa Esperança. Vista para o mar Hoje, com 332 domicílios, abriga cerca de 990 moradores. A costureira Francisca Balduíno Pinto, de 66 anos, 21 na comunidade, mora com a família numa casa de quatro pavimentos, cuja cobertura foi reformada recentemente com o apoio dos técnicos do Pouso. A vista que a família Balduíno Pinto tem da praia do Flamengo, lá de cima, é de fazer inveja a muitos moradores de apartamentos da zona sul carioca. "Nossa realidade mudou muito. Quando preciso realizar alguma obra em minha casa, a primeira coisa que faço é procurar o Pouso, onde sou bem recebida", diz dona Zula, apelido pelo qual a costureira é mais conhecida. O Pouso não realiza obras. Oferece orientação técnica para quem deseja erguer ou reformar sua casa. Também não mantém um programa habitacional. Promove a regularização urbanística. Mas isso não impede que seus funcionários sirvam de ponte entre os moradores e o programa de Crédito Direto ao Consumidor para a Compra de Material de Construção (Credmac), da Caixa Econômica Federal. Trabalham na mobilização da comunidade 17 assistentes sociais, 17 agentes supervisores e 33 agentes comunitários - apenas três homens. Até fevereiro de 2006, com o suporte do Posto de Orientação Urbanística e Social, 1,2 mil logradouros de 32 comunidades da capital fluminense haviam sido legalizados "A mulher enxerga a favela como uma extensão da sua casa", explica Tânia Castro, coordenadora de regularização urbanística da Secretaria Municipal de Urbanismo e idealizadora do Pouso. Há ainda 259 voluntários, moradores que zelam por determinada área. Essa turma usa cartilhas ilustradas, de fácil compreensão, para incentivar o respeito ao espaço público e ao ecolimite (fronteira entre as favelas e as áreas verdes delimitada pelo governo com cabos de aço e marcos de concreto), além de ensinar noções básicas de saúde e higiene. " O morador tem de se envolver no processo. Ele precisa entender o que está se passando. É um trabalho de inclusão social, que estimula o exercício da cidadania", diz Tânia Castro.
Três momentos no Morro Azul: em sentido horário, dona Zula e a vista de sua "cobertura"; placas indicam logradouros oficializados; e crianças em ruas urbanizadas A equipe atua na rua, atendendo a solicitações dos moradores e organizando reuniões e palestras, inclusive em escolas. Os assuntos são discutidos de forma participativa. Um exemplo: para a escolha de nomes de ruas e praças, funcionários da prefeitura e moradores elaboram uma lista que é submetida à votação na comunidade. Até fevereiro deste ano, 1.253 logradouros de 32 comunidades haviam sido legalizados. "O Pouso consiste numa prática de gestão democrática da cidade, de inclusão territorial. A grande questão é o reconhecimento desses espaços informais como parte do território da cidade", explica a secretária Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, Raquel Rolnik. Como muitos programas exemplares mantidos no Brasil, o Pouso enfrenta lá seus percalços. Um deles, citado pelo secretário Sirkis, são as dimensões gigantescas do problema. Pelas suas contas, serão necessários pelo menos 15 anos para que se possa constatar uma mudança profunda no ambiente urbano carioca.
Outro problema é a falta de recursos. "As prefeituras brasileiras são as que têm o maior volume de atribuições na América Latina, mas nem todas têm recursos para realizá-las", diz o economista Alberto Paranhos, oficial principal da Representação para a América Latina e o Caribe do Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (UN-Habitat). De fato, os indicadores sociais do Rio de Janeiro melhoraram, mas a cidade caiu no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano dos municípios brasileiros. "Considerando que as favelas são muito dinâmicas e mudam quase que diariamente, como política pública o Pouso ainda apresenta resultados pequenos", diz o arquiteto Itamar Silva, coordenador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e ex-presidente da Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (Faferj). Os problemas, no entanto, não impedem que o movimento cresça. Cinco novos postos do Pouso deverão ser criados ainda neste primeiro semestre. "Enfrentamos muitos obstáculos. Cinco novos postos do Pouso de vem ser inaugurados ainda neste ano Não é fácil lidar com o tráfico, assim como mobilizar a população e se inserir na rotina dos serviços públicos de manutenção. Mas o caminho está traçado. E vamos seguir em frente realizando esse trabalho de formiguinha", garante a arquiteta Tânia Castro. Ótimo. Outras boas providências tomadas nessa área, na esfera federal, merecem registro: a criação do Fundo de Desenvolvimento Social, com 500 milhões de reais para serem destinados ao financiamento de projetos de investimento de interesse social nas áreas de habitação popular; o lançamento do Programa Especial de Habitação Popular, com financiamentos de 20 mil reais, sem juros, para famílias pobres; e o aumento do investimento público em saneamento. Mais: segundo dados da Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, estão em pleno andamento processos de regularização fundiária solicitados por 352 mil famílias de 360 comunidades residentes em 134 municípios brasileiros. Moral da história: o problema é imenso, mas, enquanto a solução definitiva não chega, e ninguém sabe se ela virá algum dia, tem muita gente fazendo trabalho de formiguinha e melhorando a vida daqueles que foram empurrados para fora dos limites oficiais da cidade.
Fonte: Cide-RJ
O Brasil é internacionalmente conhecido por seu futebol, seu Carnaval, suas praias e, infelizmente, por suas favelas. De acordo com o Censo 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no final do século XX o país tinha 3.905 favelas - 22,55% mais do que o registrado em 1991. O tema continua na pauta do dia. Há anos os noticiários de TV mostram cenas de combate nos morros do Rio de Janeiro - onde 19% dos habitantes vivem em cerca de 750 favelas. . As mazelas, mal ou bem, são conhecidas.
As habitações irregulares respondem por 40% das construções no Rio de Janeiro; e 19% da população carioca vive nos morros. É impossível ignorar as favelas Esta reportagem está sob o rótulo Melhores Práticas por trazer algo novo, a informação sobre uma experiência de sucesso: o Posto de Orientação Urbanística e Social (Pouso), da Secretaria Municipal de Urbanismo do Rio de Janeiro, que atua em 60 favelas, alcança 58 mil domicílios e cerca de 250 mil pessoas. Em dezembro passado, o programa recebeu o Prêmio Medellín no 1º Concurso Latino-Americano e do Caribe para a Transferência de Boas Práticas, organizado pela Fundação Hábitat Colômbia em parceria com a prefeitura de Medellín e com o Fórum Ibero-Americano e do Caribe sobre Melhores Práticas. Tânia Castro, coordenadora do Pouso, e um arquiteto caminham pela ruas da Quinta do Caju, onde mais de 15 mil moradores já obtiveram o Habite-se Concorreu com 162 projetos de 14 países e 72 cidades. Além do prêmio de 10 mil dólares, a prefeitura se classificou para a final do Prêmio Dubai 2006, uma espécie de copa do mundo da administração pública que ocorre a cada dois anos. Técnicos da prefeitura de Medellín, na Colômbia, já anunciaram que pretendem implantar ainda neste ano um projeto piloto similar ao Pouso na comunidade de Moravia. E a experiência deve ser replicada também no Peru. No ano passado, o ministro da Habitação, Construção e Saneamento do país, Carlos Bruce, visitou o Morro do Borel, e a comunidade Quinta do Caju - ambos beneficiados pelo Pouso. "Esse trabalho é magnífico por sua grandiosidade e complexidade, e vai mudar completamente o perfil da favela, facilitando o dia-a-dia de seus moradores. Meu objetivo é levar essa experiência bem-sucedida para meu país", disse na ocasião.
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