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Fernando Lyra - "Problema do Brasil (...) é o apartheid social"

2009 . Ano 7 . Edição 55 - 17/11/2009

"O desafio do Brasil é acabar com o apartheid social"

Fernando Lyra


Bruna Cruz e Fabiana Andrade, de Recife

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Esta é a primeira questão a ser enfrentada para o País ter uma democracia definitiva, na avaliação do ex-ministro da Justiça Fernando Lyra. São necessárias várias mudanças, que vão da educação a uma reforma política ampla, condizentes com a realidade do País, e não um modelo importado de outros países, diz. Fernando Lyra é hoje presidente da Fundação Joaquim Nabuco, em Recife, uma entidade encarregada de preservar o legado históricocultural do País. Em sua vida parlamentar, Fernando Lyra se destacou na luta contra a ditadura militar e na mobilização nacional que resultou na abertura política e eleição indireta, em 1984, de Tancredo Neves para a Presidência da República. Na Assembleia Nacional Constituinte, defendeu os direitos sociais incluídos na Constituição brasileira. A seguir a entrevista concedida à Desafios do Desenvolvimento, em fins de outubro:

Desenvolvimento - Em sua opinião, o Brasil é um País de regime verdadeiramente democrático? Algumas questões, como as medidas provisórias, o voto obrigatório e as gritantes desigualdades socioeconômicas, além do déficit habitacional e de saneamento básico e dos problemas na saúde e no acesso à educação, não contradizem este conceito?

Fernando Lyra - O grande problema para o Brasil ser uma democracia grande e definitiva é a eliminação do apartheid social, o que só é possível com um projeto a médio e longo prazo, que enfrente as deficiências na educação, no serviço público, na representação política e no controle civil - com destaque para a reforma agrária, que nunca foi encarada com a profundidade necessária. Neste particular, o discurso de Joaquim Nabuco em 1884, sobre a sobrevivência da escravidão, passados 125 anos, infelizmente, está atualizado.

Desenvolvimento - Passados pouco mais de 20 anos do processo de redemocratização brasileira, que avanços o senhor aponta como os mais importantes nesse período? O que mudou?

Lyra - Em primeiro lugar, a conquista de liberdade e a sua manutenção. Nunca em nossa vida republicana tivemos um período constitucional tão prolongado. Depois do Estado Novo, tivemos a Constituição de 1946 e o golpe de 1964.

Desenvolvimento - O senhor identifica alguma falha na implantação deste modelo?

Lyra - Em primeiro lugar, o Brasil não é verdadeiramente uma federação. O poder é extremamente concentrado em torno da União, o que dificulta muito a administração pública. Temos uma só língua, um território contínuo, mas há diferenças econômicas, políticas e socioculturais entre as regiões que não são devidamente consideradas devido a essa excessiva centralização, também já denunciada por Joaquim Nabuco na sua época.

Desenvolvimento - Como reparar esta situação?

Lyra - É necessário descentralizar mais, dar mais autonomia aos estados, o que também se refletiria positivamente nas políticas regionais. Há ainda a necessidade de reformas profundas envolvendo o sistema eleitoral, a área social, os três poderes da República e a sociedade em geral.

Desenvolvimento - No dia 5 de outubro, a Constituição brasileira completou 21 anos de existência. Qual foi a importância da sua promulgação, em 1988, para o País?

Lyra - Foi uma Constituição muito discutida e votada pela maioria, mas mesmo assim não teve a legitimidade exigida. Os parlamentares não foram eleitos como constituintes exclusivos. Um terço do Senado era composto por biônicos, que votaram. A questão agrária foi mais uma vez postergada, a exemplo da Constituição de 1946. E ainda temos como pontos pendentes uma série de dispositivos que não foram regulamentados até hoje, como, por exemplo, a regionalização da programação de rádio e TV, que, embora tímida, contribuiria para a expressão da diversidade cultural e estimularia o mercado de trabalho na área artísticocultural. A Constituição de 1946 também teve itens importantes que não foram regulamentados, até 1964.

Desenvolvimento - Em sua opinião, algum aspecto da Carta Magna deveria ser atualizado?

Lyra - Defendo a formação de uma constituinte exclusiva para atualizar a atual Constituição como um todo. Atualmente estão presentes na Carta Magna tópicos muito específicos, próprios de leis ordinárias, que precisam ser retirados do texto constitucional.

Desenvolvimento - O processo democrático conquistado pode ser prejudicado pelo desvirtuamento dos Três Poderes após sucessivos escândalos nos últimos anos?

Lyra - Escândalos são decorrentes do processo político geral. Hoje eles se tornam mais conhecidos. Mas acho que as instituições republicanas se encontram mais bem instrumentadas para enfrentá-los, e com mais rapidez. Há um crescimento da malha do Ministério Público e da Polícia Federal, além de muitos inquéritos e processos rolando. E foi criada a Controladoria Geral da União. Veja-se o caso dos cartões corporativos: depois de implantados, constataram-se desvios no seu uso e as medidas saneadoras foram implantadas em curto espaço de tempo. Ressalte-se a importância da internet, expondo os meandros do serviço público e divulgando informações em alta velocidade.

Desenvolvimento - Há muito se fala de uma reforma política. Até que ponto ela é uma solução para aperfeiçoar a democracia?

Lyra - Acho que ela é fundamental, mas não é uma missão fácil e não diz respeito apenas aos poderes formais, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. O Judiciário é o único poder que não tem nenhuma abertura para os outros poderes constituídos e não é objeto de nenhum controle por parte dos cidadãos. A reforma política inclui a sociedade como um todo: a academia, os intelectuais, as representações classistas, os movimentos sociais, as igrejas, o meio cultural e até os times de futebol. Precisamos de uma reforma que corresponda à realidade brasileira e não seja uma cópia de modelos teóricos ou esquemas mais próprios a realidades de outros países. Uma reforma que considere as nossas particularidades nacionais. É necessário eliminar os resquícios coloniais, imperiais e ditatoriais na nossa vida republicana. No processo eleitoral, considero um equívoco a representação igual para todos os estados e o voto proporcional para as assembleias e câmaras municipais. Defendo um distritão. Define-se uma quantidade de vagas no estado - por exemplo, 25 parlamentares -, e os eleitos serão os mais votados, independentemente dos partidos e sem a utilização do voto de legenda. Hoje, com o voto de legenda, um candidato com um milhão de votos elege vários representantes sem voto, do seu partido. Também sou pela eliminação dos suplentes de senador e dos vices para prefeito, governador e presidente. Em caso de vacância antes da metade do mandato, seria convocada outra eleição. Em prazo superior a isto, assumiria o presidente da instância parlamentar correspondente. Quanto às medidas provisórias, elas são instrumento do parlamentarismo, aqui utilizadas no presidencialismo. É preciso estabelecer limites, no corpo de uma reforma política geral.

Desenvolvimento - O senhor esteve à frente da Campanha das Diretas Já. Como avalia a postura da população nos últimos anos em relação àquele momento histórico, no que diz respeito à mobilização em torno de uma causa comum?

Lyra - A Campanha das Diretas foi um movimento que resultou do acúmulo de 20 anos de resistência democrática. Um movimento tão forte e profundo que, no dia da eleição, Brasília estava em estado de emergência. Tancredo foi eleito pelo colégio eleitoral, mas com o pensamento das Diretas, no clima das Diretas, e com o apoio de 80% da população.

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"O grande problema para o Brasil ser uma democracia grande e definitiva é a eliminação do apartheid social, o que só é possível com um projeto a médio e longo prazo, que enfrente as deficiências na educação, no serviço  público, na representação política e no controle civil - com destaque para a reforma agrária, que nunca foi encarada com a profundidade necessária"

Desenvolvimento - Qual a influência da democracia no processo de desenvolvimento do País e na redução das desigualdades sociais entre as regiões e as zonas urbana e rural?

Lyra - Há muitas medidas importantes, mas ainda há precariedades. O atual governo tem dado contribuições significativas, mas estamos ainda longe de nos livrarmos do apartheid social.

Desenvolvimento - Estas contribuições propiciarão adequadamente esse desenvolvimento?

Lyra - São políticas emergenciais. Ainda não são políticas que deem a esperança de que as diferenças sociais sejam estruturalmente equacionadas a partir daí. E aqui temos de ressaltar lamentáveis limites legais, constitucionais.

Desenvolvimento - E a política econômica, na sua visão, vem fomentando a desconcentração de renda e o crescimento do País e, principalmente, o desenvolvimento do Nordeste?

Lyra - O Bolsa Família é uma tomada de posição emergencial para atenuar a situação que marca a sobrevivência da população na linha da miséria. Ajuda a se sair da pobreza absoluta. Mas ainda falta muito para uma política que chegue às raízes sociais dos problemas e permita uma mudança social profunda nos centros urbanos e nas áreas rurais, com as suas repercussões no conjunto do Nordeste e de outras regiões do País.

Desenvolvimento - Apesar de não termos passado incólumes pela recente crise na economia mundial, não sofremos tanto quanto os outros países. Deixamos de ser devedores para ser credores do FMI. O risco país está em queda. Apesar da retração do PIB no primeiro semestre, as projeções para este ano são de crescimento. Diante deste quadro, em sua opinião, o Brasil possui atualmente uma economia forte e sólida?

Lyra - O Brasil possui mérito sim, pela sua extensão, por suas riquezas naturais e pela estratégia montada pelo governo federal, de diversificar as nossas relações econômicas internacionais e estimular as atividades produtivas e o consumo de massa. Quem sofreu mais, agora, foram os grandes, porque a crise foi financeira.

Desenvolvimento - Quais as perspectivas para o desenvolvimento do Nordeste nos próximos anos e décadas, a partir, por exemplo, da iniciativa da implantação de polos como o de petróleo e gás e o farmoquímico em Pernambuco, e de uma indústria siderúrgica no Ceará?

Lyra - São iniciativas muito importantes, mas é preciso não esquecer a questão da educação, para que haja uma participação real da população. Muitas vezes, milhares de vagas de emprego se abrem no Nordeste, mas falta mão de obra qualificada, formação técnica.

Desenvolvimento - Qual a sua opinião sobre a euforia provocada pela descoberta do présal? O senhor acha que a região Nordeste será favorecida, de alguma forma, com os frutos de sua exploração?

Lyra - Fico muito preocupado, porque faz um ano que só se falava em etanol, biodiesel. De uma hora para outra, só se fala em pré-sal. Não sei se o petróleo terá, no futuro, o valor que tem hoje. Quanto ao biodiesel, não há dúvida sobre a capacidade de produção do Brasil.

Desenvolvimento - Apesar dos investimentos, o Nordeste ainda é uma região com forte dependência da agricultura. Como o senhor enxerga, atualmente, a questão agrária no País?

Lyra - A terra ainda é muito concentrada em poucas mãos, enquanto há uma grande carência de acesso por parte dos trabalhadores. São as legiões dos sem terra ou com pouca terra. Os processos de desapropriação e distribuição de terras ainda são lentos e, financeiramente, muito custosos pela manutenção do dispositivo das indenizações prévias em dinheiro, que Jango (ex-presidente João Goulart) quis substituir em 1964 pelo pagamento em títulos da dívida pública, resgatáveis em 30 anos, sendo esta uma das principais razões da sua queda, segundo Celso Furtado. Isso são fatores negativos. Mas há os positivos. Hoje temos grandes demonstrações de vitalidade nas vertentes da agricultura familiar e da agroindústria, que precisam ser equilibradas no interior de uma estratégia de governo.

Desenvolvimento - E quais são os desafios que os próximos governos precisam enfrentar para alavancar o País rumo a uma equalização entre as regiões e a consolidação da nossa democracia?

Lyra - Ampliar a participação popular, com uma reforma política que inclua os Três Poderes da República, o sistema eleitoral e a sociedade civil, sem esquecer a reforma agrária adequada a cada região, envolvendo a questão fundiária, o apoio técnico, a infraestrutura, o crédito e a circulação das mercadorias. E com atenção aos empreendimentos, os negócios produtivos que podem ser gerados, decorrentes desse contexto.

Desenvolvimento - O senhor lançou, recentemente, o livro Daquilo que eu sei. O que o levou a retomar as reflexões, anotações, e a fazer revelações dos bastidores do processo de transição democrática iniciado após a derrocada da ditadura militar?

Lyra - Entendi que o livro poderia servir de exemplo, ao relatar como se comandou um processo de transição política num momento delicado de crise e radicalização. Coisas que eu tinha vivenciado estavam obscuras ou postas em cena de modo parcial, com lacunas. Sem querer desmentir ninguém, apresentei a minha versão daquilo que eu sei como aconteceu.

 
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