resep nasi kuning resep ayam bakar resep puding coklat resep nasi goreng resep kue nastar resep bolu kukus resep puding brownies resep brownies kukus resep kue lapis resep opor ayam bumbu sate kue bolu cara membuat bakso cara membuat es krim resep rendang resep pancake resep ayam goreng resep ikan bakar cara membuat risoles
Pedro Demo - É preciso repensar a alfabetização das crianças pobres

2009 . Ano 6 . Edição 47 - 19/02/2009

Por Raphael Souza, de Brasília

rd47not01img02

Desafios- Ao observar a história econômica brasileira, percebemos a aplicação de alguns grandes modelos de desenvolvimento durante determinados períodos de tempo, da substituição de importações e industrialização após a crise de 1929 à abertura de mercados e privatizações da década de 1990. Estamos, nos últimos anos, diante de um novo modelo de desenvolvimento econômico?

Pedro Demo - Vivemos hoje um período com novidades bastante interessantes. Lula e o PT mudaram bastante, mas para mim não deixa de ser uma grande surpresa o governo Lula ameaçado de ser considerado o melhor governo republicano da história do País. Tudo bem, ainda que tenhamos que reconhecer que o êxito dele seja pela direita, e não pela esquerda, e isso seja algo muito interessante que acho que vai dar muita tese de mestrado e doutorado. As idéias que colocaram uma sedimentação forte nessa proposta envolvem, primordialmente, um certo alinhamento da economia com o mercado, com a estabilidade, com o combate à inflação. A própria presença do [presidente Henrique] Meirelles no Banco Central também chama muita atenção. Foi um grande golpe de mestre do presidente Lula não chegar tentando destruir tudo que estava por ai. Pela esquerda, ele tem um êxito relativo, mas também um êxito importante, a idéia de melhorar a distribuição de renda, que é o Bolsa-Família. Ainda que isso não satisfaça, na minha opinião, as necessidades sociais do País. Mas o Bolsa-Família é fundamental, porque atende um monte de famílias. É um grande programa, no sentido de que tem uma grande cobertura, muito diferente de programas anteriores do Fernando Henrique, então ajuda muitas pessoas. Agora isso acaba apenas aliviando a pobreza absoluta. Não se toca na pobreza relativa, porque a concentração de renda continua, também porque é difícil combater isso de maneira mais sistematizada. É um traço histórico de nosso País, infelizmente. Mas eu não poderia negar que houve muita coisa interessante, muito surpreendente, principalmente essa questão do equilíbrio de uma guinada à direita que deu certo e de uma certa presença da esquerda que enfatiza mais, em algumas políticas, as pessoas de baixa renda. Como, por exemplo, é inegável essa abertura de crédito ao pobre. Muita gente comprou carro, nunca se viu tanto carro na rua, gente andando de avião. Então isso realmente deu um certo ar de que nós estamos nos civilizando com um capitalismo menos perverso. Mas não resolvemos os problemas de fundo, que são os problemas de concentração de renda. E hoje, com essa crise toda, já não se fala mais nem em crescimento econômico como se falava.

Desafios - E desenvolvimento envolve um conceito bem mais amplo.

Demo - Claro, em desenvolvimento, temos ai uma tradição grande de pensamento nessa área aqui no Brasil, figuras que tentaram, de certa maneira, trazer mais para frente outras questões, como a cidadania, a possibilidade de redistribuir renda, e não somente distribuir. Quer dizer, nós fazemos apenas a distribuição, que é sempre marginal. O próprio Bolsa-Família, se você olhar no orçamento, consome uma parcela muito pequena. Temos que pensar em algo que fosse redistribuição, e não só distribuição. Mas, mesmo assim, acho que fazer uma boa assistência, efetiva, ampla, para as pessoas que precisam comer é uma coisa muito importante, e esse governo conseguiu isso.

Desafios - O sucesso do governo estaria, então, em conseguir atingir um equilíbrio relativo entre esses dois lados?

Demo - Mas o êxito maior veio da direita, pois as bases da política econômica permaneceram, uma coisa muito surpreendente. O Lula se desvinculou muito do PT. Ele é um petista que assume posturas próprias diferenciadas. Depois dele, no PT não tem mais ninguém para concorrer à presidência. Quer dizer, é uma figura que, realmente, para quem gosta de estudar lideranças, carismas, o Lula trouxe ai um material que acho que vale uma tese de doutorado na academia.

Desafios - E o que possibilitou isso, essa espécie de combinação de popularidade entre as populações de baixa renda e, por exemplo, grandes instituições financeiras?

Demo - Eu acho que é um fenômeno muito interessante. Arrisco-me a dizer que todos os governos são muito contraditórios. Talvez tenhamos, na academia, a expectativa de governos ideologicamente purificados, bem alinhados, quando na verdade são coalizões. Aqui no Brasil não dá para fazer um governo sozinho, de só um partido. Imagina o que não entra de visões distantes nessas coalizões. Às vezes só parecem distante, também, porque o PT também aprontou o que pôde e se aproximou muito dos outros partidos. Hoje eu diria que o PT é, certamente, um partido comum. Mas acho, também, que é muito talento do presidente Lula. Ele conseguiu compor um leque de contradições que funciona. De um lado, uma visão de direita que ele herdou do Fernando Henrique, não estragou. Foi um entendimento de não chegar no governo e destruir tudo que se tinha feito. Se quer fazer uma lei nova, que haja uma transição, algumas continuidades. Ele não pensou que o PT ia chegar lá e reinventar a roda. Ao mesmo tempo, ele foi pela via mais dele, mais de esquerda, de cuidar do pessoal mais simples. Ai fez muita coisa. Há muito o que criticar, evidentemente. Como mencionei, o Bolsa-Família, essa assistência, já é, de certo modo, assistencialista. Não tem uma porta de saída, ainda que o Ministério do Desenvolvimento Social tenha agora uma nova secretaria de oportunidades econômicas. Então há esse cuidado, também, com todo o trabalho de economia solidária, com o Paul Singer. Então há de se reconhecer que o governo tentou, bastante, ficar do lado das populações mais pobres e obteve um grande retorno político disso, como mostra sua popularidade. E na vida o que funciona realmente são contradições, não são coisas paradas, alinhadas. Precisa ter confronto, motivação. Então podemos dizer que a população de baixa renda teve alguma chance nesse governo.

Desafios - A balança pesa mais para algum lado?

Demo - Dentro do sistema, o que predomina, de certa maneira, é o lado fiscal. O Meirelles, por exemplo, tem um discurso extremamente rigoroso. O Lula já tem um discurso mais solto. O [vice-presidente José] Alencar mais solto ainda. E fica essa aparente contradição no ar, mas que vai sendo comandada pelo lado mais rigoroso, do cuidado da inflação. Isto predomina, de longe, aos efeitos sociais, na minha opinião. Os efeitos são muito importantes, mas são caudatários. Porque, no fundo, também, o Bolsa-Família é uma política neoliberal, no sentido de que repassa para os pobres uma parte muita pequena do orçamento, que embora comparando historicamente já seja imensa, objetivamente é aquilo que o mercado pode dar sem ser perturbado.

Desafios - Recomendada inclusive por instituições como o Banco Mundial e o FMI.

Demo - Claro, todo mundo recomenda porque você acalma a pobreza, e não mexe no sistema.

Desafios - Há algum eventual obstáculo para esse equilíbrio num futuro próximo?

Demo - Lula encontrou um meiotermo entre o que é necessário para estar alinhado ao contexto financeiro mundial e à globalização e o trato social que consegue, pelo menos, manter as aparências. Na parte social, estamos empurrando com a barriga, porque também não se vislumbra uma grande solução.

rd47not01img03

Depois da Segunda Guerra Mundial, a Europa viveu um período de crescimento econômico fantástico. Mesmo assim, a proposta da social-democracia em sua plenitude só ficou realmente bem resolvida nos países mais centrais

Desafios - O senhor vê semelhanças deste nosso processo com o de outros países ou ele é único?

Demo - Na América Latina, o Brasil tomou um pouco a dianteira, e todos os países estão hoje, de alguma maneira, tentando imitar, neste sentido de equilíbrio entre política social de esquerda e política econômica de direita. O Bolsa-Família está fazendo moda no mundo todo. O diferente aqui é o tamanho do programa, o tanto de famílias incluídas. Aqui não é um programa de fachada, é um programa enorme.

Desafios - O senhor mencionou que estaríamos, no Brasil, caminhando para um modelo de capitalismo menos perverso. Mas essa não foi a grande proposta, durante décadas, da social-democracia européia, um modelo que por lá chegou a um ponto de esgotamento? Por quanto tempo é possível sustentá-lo no Brasil?

Demo - Essa comparação é mais complicada. Depois da Segunda Guerra Mundial, a Europa viveu um período de crescimento econômico fantástico. Mesmo assim a proposta da social-democracia em sua plenitude só ficou realmente bem resolvida nos países mais centrais. E eles tinham um sindicalismo muito aguerrido, forte, bem organizado. Junto com os investimentos maciços dos norte-americanos na região, a partir do Plano Marshall, principalmente na questão da infra-estrutura. Mais todo um conluio de fatores que produziam o Welfare State, que, como lembrei, nunca foi geral no capitalismo, foi produzido ai em apenas uma dúzia de países, no máximo. Imaginar que o capitalismo mundial no período se tornou socialdemocrata é um grande equívoco. Mas dali surgiram democracias interessantes, propostas interessantes. Estive na Alemanha, no final da década de 1960, e o seguro-desemprego deles era uma glória. Você nem queria voltar para o mercado de trabalho, de tão elevado que ele era. As leis de previdência, a mesma coisa. Mas eu interpreto que isso foi muito mais conquista da cidadania vigorosa que a Europa tinha. Mas ai veio também a grande ironia: quando você tem muito bem-estar, você também se acomoda, porque o Estado vai lhe arrumando a vida, lhe garantindo as coisas e você já tem uma vida tranqüila, então se desarma. Ai veio a crise do petróleo, o capitalismo começou a voltar à sua forma mais pura, surge o neoliberalismo, e foram restringidos os gastos públicos nessa área. O que era de se esperar, porque o capitalismo precisa dos recursos para ele mesmo, para investimentos na infra-estrutura, na produção. O que vai para a população iria no máximo via salário, não por outras iniciativas. Acho que essa comparação é difícil porque nunca tivemos propriamente um Welfare State aqui. Nunca tivemos cidadania suficiente para isso. O Brasil nunca teve resolvida a questão da educação básica. Nós vamos nos arrastando, em certa medida. Não temos todas essas condições. Aqui dependemos muito de um bom príncipe, o que é uma tese muito complicada na ciência política e na sociologia, porque quando a gente depende um bom príncipe, o problema é o príncipe ser bom. Então alguma coisa houve nos últimos anos, alguns avanços no governo Fernando Henrique, outros no de Lula, mas dependemos muito ainda de fatores que não vêm da cidadania popular. A população não tem qualidade democrática suficiente, por exemplo, para pressionar o governo por mudanças, para exigir dos políticos um outro comportamento, um outro tipo de eleição mais rígida, que tire do cenário toda essa malandragem política que nos aflige, esses índices de corrupção elevados. Infelizmente. Então eu interpreto como, em grande parte, carência de cidadania popular. Você não desburocratiza o Estado por outra burocracia, por mandatos de cima. Isso vem muito mais, como aconteceu na Europa, pela pressão de baixo. Quando a população tem bons níveis de educação, quando a pessoa realmente tem uma educação básica de qualidade, quando um monte de pessoas está no ensino médio, na universidade, você tem uma pressão muito grande que foi decisiva no Welfare State. E nós não temos isso aqui.

Desafios - É nesse ponto do desenvolvimento de um país, então, que entraria a questão da educação?

Demo - A política pública mais sensível para o desenvolvimento é a educação. Que tem avançado mais quantitativamente. Qualitativamente, nossas escolas oferecem uma aprendizagem que, eu diria, é miserável. Isto é um desafio a ser resolvido. É bom lembrar também que o Bolsa-Família atrapalha essa vinculação com a educação. Embora ela seja teoricamente correta, como a oferta de educação é muito ruim, não tem efeito. Não conseguimos aprender bem. Não cuidamos dos professores.

Desafios - O senhor coloca a educação como mecanismo crucial para gerar um protagonismo popular e, a partir deste, as demandas por um desenvolvimento mais amplo. Mas, em democracias do mundo inteiro, inclusive em países onde o sistema educacional é impecável, temos problemas de apatia política. Não se trata de um fenômeno exclusivamente brasileiro. Como situar isso?

Demo - Acho que isso é uma consideração correta. A Europa está muito preocupada com isso. Os sindicatos foram, em grande parte, desmantelados, até pela própria crise econômica, ficaram na retaguarda. Se antes os sindicatos encurralaram os empresários, agora os empresários encurralam os sindicatos, desregulando a economia, mas regulando os sindicatos, a parte laboral. Mas, de todo modo, creio que nós poderíamos, no mínimo, melhorar a questão da qualidade da educação básica. Minha experiência em Campo Grande mostra que é possível. Primeiro, tem que cuidar muito dos professores. Tem que rever toda essa pedagogia inicial, todas essas licenciaturas, que isso é de um instrucionismo sem tamanho. Produz alfabetizadores que não conseguem alfabetizar. Daí vem aquela idéia, que eu acho completamente equivocada, do Inep [Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira], se alfabetizar em até três anos. Nenhuma criança precisa de três anos, por mais pobre que seja, para se alfabetizar. Você alfabetiza em um ano com sobras se tiver uma boa escola e um bom professor.

rd47not01img04

Tem que rever a pedagogia inicial. É de um instrucionismo sem tamanho. Produz alfabetizadores que não conseguem alfabetizar.Nenhuma criança, por mais pobre que seja,precisa de três anos para se alfabetizar

Desafios - Isso se reflete nos estudos que demonstram crianças de oitava série com nível de quarta, de quarta com nível de primeira.

Demo - É uma pena. Porque também é fácil mostrar o contrário. É uma teoria pobre para o pobre. Porque o rico não perde tempo com isso, ele se alfabetiza já no pré-escolar muitas vezes. E o pobre tem que ficar patinando três anos no mesmo lugar? Não sei de onde tiraram essa idéia. Mas eu acho que se conseguíssemos cuidar bem do professor e de aluno por aluno, a gente pode melhorar a educação enormemente. Eu vi com meus olhos. E, de certa maneira, me animei muito com a experiência de Campo Grande. Acho que o País deve isso, deveria fazer isso. Não adianta cuidar da alfabetização de adultos, por que em parte ela se perde, e estes adultos não usam isso, não estão inseridos em uma economia que exija isso deles. Mais importante mesmo seria resolver a primeira série. Se a criança se alfabetiza bem na primeira, ela vai fazer as outras. Agora, se começa a patinar na primeira, vai se perder no meio do caminho. Fora isso, a educação tem um impacto enorme na produção de renda. É muito importante hoje na dimensão econômica. Você não faz uma boa economia, competitiva, sem trabalhador que saiba pensar. Um trabalhador muito mais criativo, não só fazedor de coisa, cumpridor de ordem. Acho que, se quisermos falar em desenvolvimento, não é a toa que o Idep usa três indicadores, e o primeiro é educação. O segundo é longevidade, e só o terceiro é o poder de compra. Se quiser democracia, se quiser participação, se quiser distribuição de renda, tem que ser pela educação. O risco que corremos é o de cair no samba de uma nota só, de que educação faz tudo. É um curso de coisas, mas a educação tem um papel estratégico.

Desafios - O senhor apontou a importância de uma massa de trabalhadores qualificada e capacitada para o desenvolvimento econômico de um país. Mas, hoje, mesmo diante de um quadro em que a esmagadora maioria da população trabalhadora não tem essa qualificação, nossa economia formal, mesmo remunerando com salários baixos, abaixo do indicado como necessário por órgãos como o Dieese, passa longe de conseguir absorvê-la. Qual seria a capacidade dela, então, de inserir uma população altamente qualificada e remunerá-la de acordo?

Demo - Essa é uma das grandes misérias de nosso País, essa economia que não consegue abraçar grande parte de sua população e a joga para a informalidade. Agora, se você coloca a educação postada apenas para resolver a questão econômica, sim, aí temos um grande vazio, não só no Brasil, mas no mundo todo. Não há nenhuma economia que hoje corresponda à demanda de mão-de-obra. Talvez, algumas exceções estejam na Índia, na China, com os crescimentos vertiginosos que eles têm. Mas eu acho que a educação também tem outros focos fundamentais, como o da cidadania. Então, se a educação trabalha bem a questão da cidadania popular, você pode exercer sobre a economia alguma pressão. Então ai está uma maneira de ter um acerto histórico. Nós precisamos de uma economia avançada, porque se ela não for competitiva nós ficamos de fora do espaço globalizado, mas também é importante que a população saiba qualificar a economia para o lado dela, e não apenas qualificá-la para o lado da globalização. Então por isso muita gente defende, para a economia, o aumento de pessoas com nível superior. A maioria, de repente, não vai usar o diploma, porque a economia não tem lugar para ela, mas você eleva muito a qualidade da cidadania, o que é muito importante, porque assim a democracia fica mais qualificada. O governo tomou algumas iniciativas que, embora tenham sempre esse tipo de problema, avançaram muito, que é o cuidado com a economia que não é propriamente formal, não utiliza grande tecnologia, mas que tem a capacidade de abranger pessoas simples, como, por exemplo, a agricultura familiar, a microempresa. Iniciativas, também, para que a formalização não acabe com estas, porque isso é outro problema: muitas empresas só se mantêm se não forem formalizadas, porque, se formalizar, entra imposto, controle, e isso é um grande drama. Tem que ver o excedente que nós temos pelas ruas. Mas eu acho que houve uma iniciativa muito grande, e o governo cercou um pouco esse problema. Cercou as famílias, porque deu de comer a muitas pessoas. A economia não corresponde à demanda da população. Nem vai corresponder, porque inclusive existe esta tendência de quanto mais você qualifica a economia, em termos tecnológicos, de menos gente ela precisa.

rd47not01img05

O Bolsa-Família está fazendo moda no mundo todo.O diferente aqui é o tamanho do programa, o tanto de famílias incluídas. Aqui não é um programa de fachada, é um programa enorme

Desafios - E qual pode ser o impacto da crise financeira em toda essa conjuntura relacionada às nossas necessidades de desenvolvimento?

Demo - O primeiro impacto é o que está se dando ai. Nós estamos salvando o sistema financeiro. Ninguém está preocupado em salvar a população. Primeiro tem de salvar o sistema financeiro. E a população vai se adaptar ao novo sistema financeiro. É a regra do capitalismo: ele cuida do mercado, e não das pessoas e de suas necessidades básicas. E isso vai chegar aqui também. Essas facilidades maiores que se ofereciam à população de baixa renda podem ficar mais restritas. Então essa é uma história que se repete toda vida. Quando o capitalismo entra em crise, o que se busca salvar em primeiro lugar são as estruturas do capital. E a população tem que se adaptar.

Desafios - Mas pode haver um desgaste do comando de Henrique Meirelles no Banco Central e sua eventual saída, diante das pressões por uma política de juros mais baixos para enfrentar a crise?

Demo - Pode sim, mas o problema é que outros países podem baixar mais os juros sem serem ameaçados tanto pela inflação, então o espectro que o Meirelles tem é mais sólido. Mas eu vou suspeitar que não, porque hoje essa coisa do equilíbrio fiscal, do combate à inflação, da moeda forte é tão importante, e se mostrou que também é boa para o pobre, não só para o banqueiro, já que é o pobre quem mais sofre com a desvalorização da moeda. E o Lula já deu vários sinais de que pretende segurar o Meirelles. Até porque o Meirelles já foi atacado antes. Tenho a impressão de que dificilmente em nossa história tivemos um presidente do Banco Central que tenha tanto respeito. Ele é visto como o rigoroso, que não cede em nenhuma vírgula. Mas também não sei se, num momento em que todo o mundo está cedendo linhas inteiras, ele não pode ceder essas vírgulas. Não se pode tirar isso de contexto.

Desafios - E as pressões, também relacionadas à crise, no sentido de flexibilizar a legislação trabalhista e outras proteções sociais para dar maior margem de manobra às empresas, podem se concretizar?

Demo - Sim. Esse é o preço do capitalismo sempre. Quando ele entra em crise, quem paga é a população. Não é o banqueiro que paga, não é o sistema financeiro quem paga. É a população. Os empresários querem se desregular mais ainda e regular mais ainda a questão sindical, laboral. Querem mais facilidade para demitir, empregos mais temporários, mobilidade. Ai teremos muitos problemas e provavelmente vamos ceder, porque a determinação não está vindo do lado da cidadania, está vindo do lado da engrenagem econômica que é muito mais forte. E o esforço para salvar essa engrenagem econômica é muito forte. Vemos os Estados Unidos salvando bancos, firmas, até montadoras. Se eles fossem coerentes com os dogmas neoliberais, eles deviam deixar. Vai haver pessoal desempregado, sim, mas não estão preocupados com eles, e sim com essa capacidade de tocar o bonde financeiramente dentro das normas capitalistas.

Desafios - Como analisar essa pressão por maior desregulamentação, no momento em que ela deveria se mostrar uma grande contradição ideológica, dadas todas as discussões sobre intervenções governamentais para salvar o sistema financeiro mundial?

Demo - O que se confirma é que o capitalismo não consegue mudar isso ai. Para mudar, seria necessária uma outra força, que eu poderia ver numa cidadania mais parruda, numa capacidade de impor prioridades sociais à estruturação econômica. Mas hoje não se tem isso. Temos sindicatos enfraquecidos no mundo todo. Eu posso imaginar que também um dia isso se esgote, porque também de crise em crise vai ficando claro que não vale a pena a gente girar em torno de um dragão que nos devora sempre. E a área social é sempre caudatária. Não sei se isso vai provocar choques, talvez na Europa. O que está faltando é esse protagonismo social. Uma sociedade que discuta o que queremos, de que tipo de mercado precisamos. E ainda que o neoliberalismo tenha se tornado tão hegemônico, outro problema é que não temos uma alternativa. Os socialismos se acabaram. Os que estão surgindo hoje não têm qualquer consistência, como o do Hugo Chávez. Ficou um discurso único, e a sociedade não se mexe, não coloca coisas no ar, na esfera pública, aquilo que Habermas dizia que a democracia precisa de gente para avaliar o governo, recoloque as idéias, reclame, exija o controle democrático. E inclusive essas pressões por maiores desregulamentações têm toda essa cara: a de fugir de qualquer controle democrático.
 
Copyright © 2007 - DESAFIOS DO DESENVOLVIMENTO
É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação sem autorização.
Revista Desafios do Desenvolvimento - SBS, Quadra 01, Edifício BNDES, sala 1515 - Brasília - DF - Fone: (61) 2026-5334