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Renato Baumann - Diretor da Cepal avisa: disparidades dentro do Mercosul precisam diminuir

2007 . Ano 4 . Edição 32 - 7/3/2007

É para valer ou não é?

Por Andréa Wolffenbüttel, de Brasília

A Constituição brasileira afirma que o que é acertado externamente não se sobrepõe às decisões constitucionais nacionais. Isso dificulta os acordos internacionais

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Há doze anos diretor do escritório brasileiro da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), da Organização das Nações Unidas (ONU), Renato Baumann acredita que o Mercosul vai superar a crise atual. Até porque os membros estão condenados à vizinhança e o custo da separação seria muito alto. Mas avisa que, se Argentina e Brasil não tomarem providências para reduzir as disparidades com o Uruguai e o Paraguai, o bloco nunca será uma união verdadeira.

Desafios - Após a reunião de Cúpula do Mercosul em janeiro, a ex-embaixadora dos Estados Unidos no Brasil, Donna Hrinak, disse que o mercado norte-americano considera que o Mercosul, como um bloco comercial sério, está morto. Como o senhor avalia essa declaração?
Baumann -
Apesar de conhecer bem o Mercosul, temos de considerar que ela está a alguns milhares de quilômetros de distância. Eu acho que, ao olhar para o Mercosul, pode-se ver um copo meio cheio ou meio vazio. A afirmativa dela é do tipo meio vazio. Boa parte dos sinais externos que o Mercosul dá leva a essa avaliação, em particular depois da adesão da Venezuela, o que suscita uma série de dúvidas. Mas, ao mesmo tempo, há alguns avanços, entre aspas, que levam ao copo meio cheio.

Desafios - Que avanços?
Baumann -
O mais significativo é o volume de comércio. Já foi melhor, mas até hoje, em alguns setores, como equipamentos eletroeletrônicos e linha branca, tem um peso significativo. Esse comércio poderia e deveria ser mais expressivo, mas há a influência da variação de renda, do ciclo econômico das quatro economias originais e há efeitos do ponto de vista de gestão. Por exemplo, sabemos que a construção do arcabouço deveria estar bem mais avançada do que está hoje, por razões as mais diversas, políticas locais, conjunturas externas etc. Não podemos esquecer o baque que representou o reajuste do câmbio brasileiro em 1999. Também existe um desencontro de normas e legislações nacionais.

Desafios - Que tipo de desencontro?
Baumann
- Por exemplo, o caso mais notório é o da Constituição brasileira. Ela afirma que o que é acertado externamente não se sobrepõe às decisões constitucionais nacionais. Isso é um impeditivo importante que faz com que os acordos internacionais não vigorem automaticamente. Outra dificuldade é que o Brasil tem alguns milhares de normas técnicas, dos mais diversos tipos, enquanto alguns parceiros, como o Paraguai, não chegam perto disso. É um problema que só admite duas soluções: ou você retrocede e elimina essas normas técnicas ou você espera que o sócio adote as mesmas normas. Não há uma terceira possibilidade.

Desafios - Que setores são afetados pela incompatibilidade das normas técnicas?
Baumann
- Todos, de certa forma. Há normas técnicas fitossanitárias, por exemplo, que afetam o comércio de carnes, laticínios e produtos primários em geral, como frutas. Outro caso interessante aconteceu, se não me engano, no segundo semestre de 1999. Quando começou a se ressentir dos efeitos da mudança cambial no Brasil, a Argentina adotou uma nova norma técnica para a tampa de produtos de limpeza. Todos os produtos de limpeza eram obrigados a ter uma tampa igual àquelas dos remédios, que impedem que as crianças abram os frascos. Esse simples fato causou o embargo de vários lotes de produtos brasileiros com destino ao mercado argentino. Isso quer dizer que a norma técnica pode ser muito boa, mas também pode ser uma barreira implícita ao comércio.

Além das fronteiras

No enorme grupo de pessoas que foram prejudicadas pela crise do setor aéreo no final do ano passado, está Renato Baumann, impedido de mostrar sua boa forma na Maratona de São Silvestre. Com um sorriso conformado, ele explica que abriu mão do prazer da corrida pelo medo de ter de comemorar o Réveillon no aeroporto de Congonhas, em plena capital paulista, longe da família. A perspectiva é horrível para qualquer carioca, mesmo para este que foi levado para Brasília aos 7 anos de idade e nunca mais deixou a capital federal. Mas o tempo e a distância não conseguiram eliminar o sotaque cheio de erres e esses, típico do Rio de Janeiro, como também um inspirado senso de humor, não muito comum entre os que lidam com relações internacionais e comércio exterior. Mas, desde o começo da carreira, Baumann manteve os olhos voltados para além das fronteiras e soube conciliar a simpatia carioca com o protocolo diplomático. Depois de uma curta passagem pela Secretaria do Planejamento, do Ministério do Planejamento, na década de 1970, esse economista formado pela Universidade de Brasília (UnB) e doutorado pela Universidade de Oxford foi trabalhar na Befiex, uma agência governamental de fomento à exportação. Desde então, sempre esteve envolvido com relações estrangeiras. Ocupou a Coordenação do Setor de Planejamento Externo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e, em 1989, entrou para a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), da Organização das Nações Unidas (ONU). Seis anos depois assumiu a diretoria do escritório no Brasil, onde está até hoje. De sua posição pôde acompanhar de perto todas as idas e vindas das negociações do Brasil no Mercosul, assim como na Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e na Organização Mundial de Comércio (OMC). Foi na condição de espectador privilegiado que ele concedeu esta entrevista a Desafios.

Desafios - Considerando que somos um bloco, não deveria ser obrigatório algum tipo de consenso antes de modificar as normas?
Baumann -
A adoção de novas normas é um terreno complicado porque existem coisas que dizem respeito à operação conjunta das quatro economias, mas também há o grau de soberania de cada uma delas. Você não pode impedir que um chefe de seção do ministério X adote certas normas. No Brasil, por exemplo, temos critérios de segurança em relação a brinquedos. Um brinquedo não pode ser vendido se, ao quebrar, fica pontiagudo, para evitar que as crianças se machuquem. Essa é uma norma do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior), não é uma norma do Mercosul. Há uma área cinzenta onde não se distingue bem o que é negociável ou passível de apreciação conjunta antes de ser implementado e o que é o exercício de soberania.

 

Desafios - Se nem os quatro parceiros originais conseguem chegar a um acordo, como fica a situação com novos membros?
Baumann -
Para ser membro é preciso adotar tudo o que já foi acertado. Portanto, a adesão da Venezuela e o eventual ingresso da Bolívia implicam a aceitação e a adoção de todo o histórico de normas já estabelecidas no âmbito regional e de todos os acordos firmados por terceiras partes, como Índia, China, África do Sul etc. Eles têm de aceitar a cláusula de que cada país não pode negociar individualmente com outros mercados, deve negociar em bloco. Têm de permitir a entrada livre de produtos dos quatro países em seus mercados. Ou seja, é uma corrida ladeira acima. Não é que eles vão entrar sem pagar pedágio.

Desafios - O que o senhor entende quando o presidente Hugo Chávez diz que está entrando no Mercosul para descontaminar o neoliberalismo do bloco?
Baumann
- O que se supõe é que essa adesão é parte de uma trajetória que visa fortalecer os vínculos entre países sul-americanos. O discurso comporta qualquer dimensão, mas, sem querer entrar no mérito do discurso, o relevante é o sinal de que há um potencial entre países da região que deveria ser mais bem explorado. O pedido venezuelano de adesão ao Mercosul é anterior a Chávez. No primeiro momento, o interesse era atender a demanda energética do Norte e do Nordeste brasileiro e havia uma posição mais cautelosa por parte dos outros sócios, até pela situação geográfica. Hoje, consolidou- se o interesse de parte a parte, sobretudo em função da questão energética. Já a Bolívia pediu a formação de um grupo de trabalho, mas ainda não sinalizou plenamente que quer entrar. Ela é um membro associado já há alguns anos, mas pediu a formação do grupo, sensatamente, porque a agenda a cumprir é muito complexa.

Desafios - O senhor falou que o volume de comércio no Mercosul já foi mais alto. Por que caiu?
Baumann -
São várias as respostas. O ponto máximo do comércio intrarregional ocorreu em 1997, 1998, quando atingiu 25% de todo o fluxo de comércio externo do Brasil. Foi quando aconteceram algumas crises externas, como a asiática em 1997, a da Rússia em 1988, seguidas pela crise do Real em 1999. Isso gerou muita turbulência. A segunda explicação refere-se ao processo negociador. Houve um período em que coincidiram três grandes negociações internacionais, com os mesmo negociadores em diversas chancelarias. A da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) começou com uma reunião vice-ministerial, aqui em Belo Horizonte, em 1997. Na época, já se tinha a perspectiva da Rodada do Milênio, que depois se transformou na Rodada de Doha. E havia o Mercosul. Ora, a Rodada do Milênio e a Alca eram acachapantes em relação ao Mercosul. Então o processo negociador do Mercosul ficou um pouco em banho-maria. Além disso, no âmbito estrito do Mercosul há uma peculiaridade que não pode ser esquecida. Em 1995, foi adotada a Tarifa Externa Comum, a TEC. Isso significa que, em 1997, tudo o que se referia a comércio de mercadorias estava devidamente mapeado e equacionado. Portanto, para avançar, era necessário partir para pontos mais sensíveis: serviços, compras governamentais, questões ambientais, trabalhistas etc. Para deixar de ser só uma área de livre comércio e consolidar- se como uma união aduaneira, era preciso enfrentar temas delicados. Além de tudo, houve eleições em diversos países em 1998 e vieram as dificuldades políticas para lidar com esses pontos. Todo esse contexto dificultou o progresso do Mercosul e gerou a avaliação cínica que muitos fazem do bloco.

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Desafios - Isso explica por que o Mercosul não avançou, mas não explica por que ele regrediu.
Baumann - O problema é que todo esse panorama influenciou, em grande medida, algumas decisões de investimento, provocou um menor ritmo da integração aduaneira; enfim, uma série de iniciativas que poderiam ter facilitado o fluxo de negócios não aconteceram. Além, obviamente, da disparidade entre as taxas de câmbio. Não esqueçamos que a paridade argentina foi até 2002 e o Brasil mudou seu regime cambial em janeiro de 1999. A mudança da taxa de câmbio brasileira provocou um imenso impacto em poucos meses. Entre janeiro e março, o real desvalorizou 60%. Argentina, Paraguai e Uruguai, que naquele momento dependiam do mercado brasileiro para suas exportações, perderam em dois, três meses, de 20% a 25% de sua competitividade total por uma decisão tomada aqui, na Esplanada dos Ministérios. Isso criou um trauma do qual os agentes econômicos ainda não se livraram porque é muito recente. Também existem dificuldades práticas. Por exemplo, desde o início sempre houve o compromisso de convergência. Só que, ao tentar começar a fazer isso, surgiram coisas do tipo: como é que se define dívida pública? Os países usam critérios distintos. Como são calculados os índices de preço ao consumidor? São apurados de forma muito distinta. Registro de capital estrangeiro também é diferente. Então, existe um imenso dever de casa que precisa ser feito para se começar a pensar, não em metas comuns, mas em algum tipo de convergência.

"A mudança cambial brasileira provocou um imenso trauma. Em poucos meses, os produtos argentinos, paraguaios e uruguaios perderam mais de 20% da competitividade no nosso mercado"

Desafios - Mas agora a Alca já perdeu muita força, até por uma decisão do Brasil...
Baumann
- Do Brasil e de outros também. O Brasil não é a única pedra no sapato da Alca. O Brasil é, talvez, a economia que mais tem a perder se a negociação for malfeita. Por quê? Porque tem uma estrutura produtiva diversificada. Porque tem nítidas vantagens comparativas no agronegócio. E porque tem interesse direto em regras em relação às quais boa parte dos países demonstra resistência em negociar: disciplina de aplicação de código antidumping, disciplina para aplicação de subsídios, questões de propriedade intelectual e medidas de incentivos a investimentos. Tudo isso é de extremo interesse brasileiro, e tudo isso não se quer negociar na Alca. Então qual é a graça? Não é que o Brasil tenha empatado a Alca, é que se ele não fizer isso corre o risco de ter uma significativa perda.

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Desafios - Bem, a Alca esfriou, Doha ora avança, ora recua, e mesmo assim o Mercosul não evolui. O comércio interno no bloco continua caindo.
Baumann -
Acontece que em alguns setores, como linha branca e têxtil, o Brasil e a Argentina sempre foram concorrentes diretos. Por isso, os brasileiros, mais uma vez, aceitaram as cotas em termos de volume de suas exportações, entendendo que elas dariam espaço no mercado argentino para os produtores locais. Mas uma das grandes queixas, hoje, dos negociadores brasileiros é que acabou ocorrendo um desvio de comércio. Em lugar da substituição de produtos brasileiros por argentinos, está havendo uma enorme substituição de produtos brasileiros por produtos chineses.

Desafios - E vice-versa da parte do Brasil. Em 2006, a China foi o segundo maior fornecedor para o Brasil, ultrapassando a Argentina.
Baumann -
Aí são coisas um pouco diferentes. No caso das importações brasileiras, trata-se do peso relativo de um fornecedor no valor total importado. Se você importa trigo da Argentina pagando 100 e importa componentes eletrônicos da China pagando 2 mil, é claro que as compras da China vão pesar mais. No caso que eu mencionei, é substituição produto a produto. É como se o Brasil se autolimitasse nas suas exportações de sapato e depois descobrisse que, em vez de os argentinos estarem produzindo sapatos, eles estão comprando sapato chinês.

Desafios - Brasil e Argentina vivem sempre em conflitos comerciais. Agora a Argentina está em disputa com o Uruguai por causa da fábrica de papel. O Paraguai há muito que se sente alijado do grupo e reclama das assimetrias econômicas. O Mercosul é um casamento em crise total.
Baumann -
O casamento pode estar em crise, mas pagar pensão é muito caro. O custo de sair é muito alto. Por isso, mantém- se essa relação de amor e ódio. Em 2006, nós fizemos aqui na Cepal um documento sobre os quinze anos do Mercosul. Olhando os dados oficiais apresentados nesse documento, é fácil constatar que Uruguai e Paraguai não têm muito a festejar. Eles têm déficit comercial com os demais países do bloco e têm déficit em relação ao resto do mundo. Era esperado que no comércio regional houvesse uma compensação, já que o Mercosul não tem nenhum fundo de desenvolvimento para superar eventuais desequilíbrios comerciais. Há uma percepção crescente por parte do Brasil e da Argentina de que algo tem de ser feito em relação aos sócios menores, já que só existe um exercício de integração regional sustentável ao longo do tempo se os participantes constatarem que houve ganhos. Isso explica, em grande medida, as recorrentes tentativas, por exemplo, do governo uruguaio de negociar de forma bilateral com os Estados Unidos. Mesmo a Argentina, no passado, tentou essa negociação. E elas só não se concretizaram por uma resistência da parte dos Estados Unidos, que sempre afirmaram que querem negociar com os quatro.

"O casamento pode estar em crise, mas pagar pensão é muito caro. O custo de sair é muito alto. Por isso, mantém-se essa relação de amor e ódio"   

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Desafios - O acordo firmado entre o Uruguai e os Estados Unidos no começo deste ano ameaça o Mercosul?
Baumann -
Isso foi um acordo bilateral de proteção ao investimento e algumas cláusulas de propriedade intelectual. No âmbito do Mercosul, entendese que não se constitui um tratado de livre comércio porque não há preferências comerciais.

Desafios - Mas a tendência desse tratado não é evoluir para um acordo de livro comércio?
Baumann -
Não sei se em Montevidéu há consenso sobre isso. Eu acredito que não. Houve muita discussão, muita inconformidade, muita resistência em relação a esse acordo assinado. Ao mesmo tempo, já foi dito com todas as letras pelo chanceler brasileiro, e imagino que pelo argentino também, que se essa negociação evoluir para um tratado de livre comércio o Uruguai terá de optar. Ele não poderá continuar membro do Mercosul tendo um tratado de livre comércio com os Estados Unidos.

Desafios - O senhor aposta que o Uruguai faria qual opção?
Baumann - Hoje qualquer aposta é muito difícil. É prematuro dizer qual a probabilidade de ir numa direção ou em outra. Só o tempo pode mostrar. Depende do que o Mercosul oferecer em termos compensatórios e do que os Estados Unidos oferecerem para levar a uma satisfação maior.

Desafios - E quanto ao futuro do Mercosul? Estamos condenados à vizinhança e a um entendimento ou ele vai se desmanchar aos poucos?
Baumann -
Um dos grandes desafios que se coloca para o Mercosul hoje é o modismo dos acordos bilaterais. Tanto do ponto de vista de composição interna, ou seja, da coesão dos quatro, quanto do ponto de vista do Mercosul como bloco. Claro que haverá dificuldades se eventualmente um dos membros negociar um acordo mais profundo com os Estados Unidos. Isso porque os Estados Unidos vão exigir boa parte das cláusulas que foram aceitas por outros países.

Desafios - A que cláusulas o senhor se refere?
Baumann -
Cláusulas ligadas à propriedade intelectual, ao controle do capital de curto prazo, à política cambial. O Chile aceitou algumas restrições que transcendem o plano estritamente comercial, tais como as que se referem a questões ambientais e trabalhistas. Para uma economia pequena como a do Chile, a relação custo-benefício pode ser favorável. Mas, numa economia com as características da brasileira, boa parte dessas condições seria desastrosa ou, no mínimo, potencialmente daninha. À medida que se consolida essa sucessão de acordos de livre comércio entre os Estados Unidos e outros países da região, o grau de liberdade do processo negociador do Mercosul vai ficando cada vez mais restrito. Isso faz com que os sócios menores, mesmo insatisfeitos, optem por permanecer, pois o custo da alternativa não-Mercosul pode ser alto. E esses países dependem do mercado do Mercosul para um percentual importante de suas exportações.

Desafios - E quais são as possibilidades de chegar a um acordo com a União Européia?
Baumann -
É interessante reparar que a negociação do acordo com a União Européia teve sempre um caráter "reflexo", ou seja, ela se intensificou quando se intensificaram as negociações da Alca. Os cronogramas são muito próximos. O Tratado de Madrid, que deslancha a negociação do acordo com a União Européia, vem de 1995. São onze anos de negociação rolando. Em segundo lugar, o mandato dos representantes europeus é para negociar região por região, quer dizer, União Européia com Mercosul. Nesse caso, a entrada da Venezuela põe um enorme conjunto de dúvidas. Não se sabe se as condições para avançar nas negociações com a União Européia permanecem tão favoráveis quanto antes.

Desafios - Que peso político tem a entrada da Venezuela no Mercosul?
Baumann -
Não é só político, existem questões econômicas mesmo. Suponhamos que se concretize o discurso de nacionalização das plantas produtoras de petróleo. Até onde isso é aceitável do ponto de vista da União Européia?

Desafios - No acordo do Mercosul não há nenhuma restrição à adoção de políticas desse tipo?
Baumann -
Não. O Tratado de Assunção (documento que deu origem ao Mercosul) preocupa-se muito com a preservação da democracia. Já em relação ao respeito à propriedade, suponho que o tratado o preserva, mas não sei se há alguma cláusula explícita nesse sentido. De qualquer modo, seria muito estranha a convivência plena entre quatro economias regidas pelas forças de mercado e uma não.

  

Desafios - Claro que o Mercosul é um bloco que deve transcender os poderes dos partidos, mas estamos convidando a Venezuela e a Bolívia para juntar-se ao Mercosul num momento particularmente difícil, não?
Baumann -
Sim, para todos. Mas há vantagens do ponto de vista geopolítico no longo prazo. Sobretudo a complementaridade energética viabilizando, em teoria, o desenvolvimento das economias da região. Essa é a idéia original. A superação de limitações de infra- estrutura no setor de energia e a complementaridade dos mercados. Vale lembrar que são mercados de dimensões não desprezíveis. A Venezuela tem uma população de 30 milhões de habitantes, com um poder aquisitivo razoável. Portanto, há argumentos favoráveis para procurar alguma intensificação nas relações econômicas. A questão é em que termos.

Desafios - Mas, se o chavismo tomar o rumo mais radical, será muito incômodo para o Brasil, que pleiteia maior participação no comércio mundial, tê-lo sob o mesmo teto.
Baumann -
São muitas interrogações. Aonde o processo vai nos levar? É muito difícil dizer. Por isso, voltando à primeira pergunta, muita gente enxerga o copo meio vazio. Todo mundo quer um acordo de livre comércio com a Europa, os Estados Unidos e a Ásia. O Mercosul não tem. O número de acordos de livre comércio com terceiras partes é relativamente limitado. As normas adotadas em comum estão num percentual abaixo do desejado. O volume e a participação do comércio intrarregional poderia ser muito maior. O percentual de complementaridade produtiva poderia ser bem maior. As manifestações por parte de grandes empresários dos quatro países são constantemente desfavoráveis. Então, claro, existe efetivamente uma leitura negativa.

Desafios - E ainda assim o senhor continua enxergando o copo meio cheio?
Baumann -
Sim, enxergo. Porque, apesar de o comércio atualmente ser a metade do que foi em seu auge, ele ainda é mais de seis vezes superior ao que era há dezoito anos. E já existe um conjunto de itens negociados bastante expressivo, existem investimentos de parte a parte e interesses consolidados.

Desafios - O senhor se refere a investimentos produtivos?
Baumann -
Sim, investimentos de complementaridade produtiva. Empresas argentinas que se instalam no Brasil e vice-versa. Esses investimentos, que são produtivos, reais, geram uma resistência muito maior às influências políticas, porque há muito a perder. E, além de tudo, como já foi dito, há a percepção de que somos vizinhos. É um fato inexorável, temos de buscar a melhor forma de conviver.

"Em algum momento, a sociedade brasileira vai ter de definir se põe um recurso do BNDES no Nordeste, que é a região mais carente do país ou se vai financiar os investimentos de uma indústria paraguaia"
 
Desafios - O senhor é um otimista?
Baumann -
Sou, mas também sei que é preciso chegar a algumas definições urgentemente. Por exemplo, o que fazer para dar percepção de ganho aos sócios menores? Essa é uma questão crucial. Eu estive falando de Mercosul no Nordeste e fiz uma provocação. Disse que, em algum momento, a sociedade brasileira vai ter de definir se põe algum recurso do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) no Nordeste, que é a região mais carente do país, ou se põe esses recursos para financiar os investimentos de uma indústria na região metropolitana de Assunção.
 

Desafios - Esse dilema vai ser um caos...
Baumann -
É para ter o Mercosul? É ou não é? Se é para ter o Mercosul, deve-se ter alguma complementaridade produtiva. É preciso viabilizar as condições de oferta nas quatro economias. Onde é que está a carência maior? Nos dois sócios menores. Só há um jeito, então: fazer um jogo de soma positiva. É somar esforços para esperar o crescimento do mercado de forma que todos ganhem. Porque até agora tem sido um jogo de soma zero. É toma-lá-dá-cá. Eu abro o setor tal, você abre o setor tal. Isso é uma manobra para um participar do mercado do outro. Na hora em que somarmos esforços para explorar de forma conjunta terceiros mercados, todos ganham. Mas, para isso, é preciso ter parques produtivos que falem entre si, iniciativas comerciais conjuntas, uma política de Estado, uma geopolítica que comporte esse tipo de coisa. E isso exige recursos.

Desafios - Existe essa vontade política por parte dos governos de Brasil e Argentina?
Baumann
- Desde a administração Fernando Henrique, e certamente intensificando- se na administração Lula, há uma tentativa de recuperação, de estreitamento dos laços com os vizinhos. Sem dúvida. Atualmente, existem linhas de financiamentos do BNDES, coisa que nunca existiu. Existe o fundo de investimentos, que nunca existiu. Existem também medidas claras nas quais o governo brasileiro procura identificar oportunidades para venda no mercado brasileiro de produtos paraguaios, uruguaios e argentinos. São iniciativas importantes, mas certamente não suficientes. É preciso estabelecer uma política de compras governamentais que use a capacidade de compra do governo brasileiro para, por exemplo, alavancar uma indústria uruguaia, sei lá...

Desafios - Mas vai ser outro caos aqui...
Baumann -
Mas esse é o ponto. É para valer ou não é?

 
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