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Lia Vasconcelos: - Ciência sem fronteiras

O paulistano Miguel Nicolelis tem 44 anos e mora nos Estados Unidos há 16. É um caso clássico do que em ciência se costuma chamar de "fuga de cérebros". Construiu uma carreira de sucesso por lá.

Lia Vasconcelos

O paulistano Miguel Nicolelis tem 44 anos e mora nos Estados Unidos há 16. É um caso clássico do que em ciência se costuma chamar de "fuga de cérebros". Construiu uma carreira de sucesso por lá. É professor titular de Neurobiologia e Engenharia Biomédica da Universidade de Duke, de Durham, na Carolina do Norte, nos Estados Unidos, desde 1994. Nicolelis desenvolveu uma técnica pioneira com neuropróteses que poderá devolver a mobilidade a quem sofreu graves lesões na medula espinal e perdeu o movimento dos membros superiores. No ano passado, foi indicado pela revista norte-americana Scientific American um dos 50 líderes mundiais em pesquisa, por seu trabalho na área da neurociência, mais especificamente a que lida com a robótica. Nesta entrevista, concedida por telefone, ele fala a respeito de seus achados, sobre as diferenças de pesquisar no Brasil e no exterior e sobre um de seus maiores sonhos que começa a virar realidade em 2005: um instituto de neurociência no Rio Grande do Norte, concebido para se tornar um centro de excelência mundial em análise e tratamento do cérebro e também um local para o estímulo ao estudo da ciência entre as crianças.


Desafios - Quando o senhor se interessou pelo campo da neurociência?
Nicolelis - O interesse começou na graduação, quando passei a trabalhar com computação na faculdade de Medicina. Os microcomputadores estavam aparecendo e eu estava muito interessado em estudar a computação aplicada à biologia e à medicina. Então, construí alguns programas para estudar a infecção hospitalar e comecei a perceber as analogias entre os computadores e o cérebro e me interessei pelo assunto. O computador era usado como uma metáfora para o cérebro. Passei a freqüentar o laboratório de neurofisiologia da faculdade e, a partir daí, desenvolvi minha própria linha de pesquisa.

Desafios - Existe uma forte expectativa por parte da comunidade científica em relação às pesquisas com animais que o senhor vem conduzindo na Universidade de Duke, e que aliam princípios da robótica e da medicina para, no futuro, facilitar a vida de pessoas que não podem movimentar parte ou a totalidade do corpo. O senhor pode explicar qual é a linha condutora desse trabalho e quais os seus benefícios potenciais?
Nicolelis - Quando uma pessoa quer andar ou mexer seus braços, o cérebro gera uma mensagem de como fazer isso e a transmite através de sinais elétricos para a medula espinal, que, por sua vez, passa o comando para os músculos. Uma lesão nesses cabos elétricos da medula impede que o sinal chegue aos músculos, embora a mensagem continue sendo produzida pelo cérebro. Há cerca de oito anos começamos a fazer experiências com animais. Em 2004, publicamos o primeiro estudo pré-clínico mostrando que é possível usar técnicas de microeletrônica para capturar esses sinais no momento em que são produzidos no cérebro. Como as vias normais de transmissão estão comprometidas, usamos um desvio para mandar, de forma eletrônica, os sinais produzidos no cérebro para um braço mecânico. Assim, o animal consegue fazer o movimento quando gera a mensagem no cérebro. Tudo isso por meio de programas computacionais que extraem os comandos motores dessa mensagem e os traduzem para uma linguagem digital que o robô entende. Então, a pessoa, ou no caso o animal, começa a produzir os movimentos que gostaria de fazer, mas não pode mais, usando o braço mecânico.

Desafios - Sua equipe já conseguiu resultados concretos?
Nicolelis - Sim, comprovamos que essa técnica funciona nos testes feitos na Universidade de Duke, primeiro em ratos e depois em macacos. Criamos o termo neuroprótese para definir essa interface cérebro-máquina, pois é uma prótese neural. Há um ano provamos que a técnica também funcionou em alguns pacientes e começamos a criar um plano para testá-la em institutos clínicos, para que viabilizem essa nova tecnologia como uma terapia para pacientes que sofrem de paralisia severa grave, em que a comunicação do membro afetado com o cérebro é interrompida. Portanto, essa terapia seria uma alternativa para quem teve o braço amputado, pois a pessoa vestiria o braço robótico, que faria os mesmos movimentos do braço original. A neuroprótese também poderá beneficiar as pessoas que ainda têm o braço mas não são capazes de movimentá-lo, pois poderão vestir (junto ao braço natural) o braço robótico para fazer os movimentos.

Desafios - Que outros pacientes poderão se beneficiar da técnica de neuroprótese?
Nicolelis - Essa primeira técnica - dos braços robóticos - serviria para os pacientes que sofreram uma lesão profunda nos membros superiores. Mas nós também já começamos a pensar no mesmo conceito para locomoção, para fazer as pessoas andarem novamente. Estamos desenvolvendo uma série de conceitos, entre eles o de um robô que a pessoa vestiria e teria seus movimentos controlados pelo cérebro, de tal forma que carregaria a pessoa. Pensamos também em outras interfaces para outras doenças neurológicas. Outros laboratórios do mundo, depois que nosso trabalho começou a aparecer, tomaram essa idéia e muitos já trabalham com essa técnica.

Desafios - Em quanto tempo essa terapia, se comprovada viável, poderá ser oferecida como alternativa de tratamento?
Nicolelis - Os testes clínicos vão começar, no máximo, em dois anos. Eu acredito que, em cinco ou dez anos, a tecnologia deva chegar à prática médica se os testes realmente se desenvolverem conforme o previsto e a solução se comprovar viável como acreditamos. Já existem nos Estados Unidos companhias criadas para trabalhar nessa área. Temos dois laboratórios na Universidade de Duke - um para testes em macacos e outro para testes em ratos. Vamos criar uma rede mundial de centros de neurociência para conduzir as pesquisas. O laboratório da Duke ficará com os testes em macacos, a escola politécnica de Lausanne com os testes em ratos e os testes em pessoas serão feitos no Instituto de Neurociência que pretendemos montar em Macaíba, cidade na periferia de Natal, no Rio Grande do Norte, em conjunto com o Hospital Sírio Libanês, de São Paulo. É um projeto ambicioso, que inclui pesquisa básica e aplicada, escola para crianças, museu e centro esportivo. Enquanto não é construído, vamos trabalhar em um prédio que alugamos em Natal.

Desafios - Como funcionará essa rede?
Nicolelis - Ainda estamos alinhavando todos os acordos. O Instituto de Natal e o Hospital Sírio Libanês serão os membros brasileiros. O centro aqui na Duke será o membro americano. A escola politécnica de Lausanne, que vai ser a sede da rede, é o primeiro membro europeu. Estamos negociando agora com uma universidade no Japão e já temos a adesão da Universidade Hebraica, de Jerusalém, que será o braço no Oriente Médio. Essas universidades vão ser membros fundadores da rede, que esperamos lançar em meados do ano que vem. Cada participante irá contribuir com suas competências específicas, a serem amalgamadas numa entidade que possa oferecer a possibilidade de trabalhar em projetos que nenhum outro instituto por si só pode, isoladamente.

Desafios - Por que é necessário montar essa rede?
Nicolelis - Vai ser preciso reunir gente do mundo inteiro e dar liberdade a essas pessoas para pensar livremente, sem as amarras que também existem nos Estados Unidos. Fazer ciência na Europa ou nos Estados Unidos não é o paraíso. Muitos colegas brasileiros acham que tudo aqui é um mar de rosas. Não é. Pelo contrário, existe uma crise muito grande hoje em dia, particularmente nos Estados Unidos, no que diz respeito a definir prioridades e financiar pesquisa. O aparato universitário americano é gigantesco, mas não está dando conta. Eles também estão sofrendo sérios problemas para definir o que querem da ciência. Pouco dinheiro não é a única questão. Se o Brasil investir bem, será possível fazer coisas excelentes, como, aliás, já faz. Existem muitas coisas que acontecem no Brasil hoje que são de altíssimo nível, mas a média ainda não é boa.

Desafios - Com base em sua experiência pessoal, como avalia os diferentes ambientes de pesquisa acadêmica no Brasil e nos Estados Unidos?
Nicolelis - Quando eu saí do Brasil, no final da década de 80, era muito difícil fazer pesquisa independente e de ponta. O sistema brasileiro é muito engessado. As pessoas têm pouca liberdade para explorar sua criatividade, enquanto o modelo norte-americano aposta no indivíduo. O cientista tem de agir como um microempresário de ciência, que vende suas idéias às agências financiadoras, consegue recursos e publica seus trabalhos. Isso permite que os pesquisadores toquem as idéias adiante, dêem asas ao sonho, sem necessariamente ter o crivo ou a censura de quem está acima deles. Mas também paga o preço se o projeto for muito louco e não der certo. Se der certo, quem pesquisou ganha os frutos do próprio trabalho. Na época que saí do Brasil era muito difícil conseguir qualquer tipo de recurso. Quem conseguia fazer alguma coisa de bom tinha de lutar contra a média, que não queria fazer nada ou não fazia nada que prestasse. Era muito complicado, e isso persiste em certos lugares. O Brasil ainda tem muita dificuldade de explicitar o discurso de excelência. Há muito corporativismo científico.

Desafios - A que o senhor atribui essa diferença de cenários?
Nicolelis - É uma diferença cultural, que tem de ser modificada. É preciso sonhar grande e não ficar perdendo tempo sonhando pequeno, porque você perde tempo e o resultado é incipiente. Se você sonha grande e faz, o impacto é enorme. A ciência brasileira tem de se abrir e ousar. Às vezes, penso que as pessoas têm muito receio por achar que não podem competir com os Estados Unidos e com a Europa, mas isso não é verdade. Temos talentos de sobra no Brasil, o que falta é planejamento, um plano de negócios para a ciência. É preciso ter ousadia.

Desafios - Em sua opinião, qual a importância para um país como o Brasil ter um sistema de inovação?
Nicolelis - A ciência hoje não é apenas uma questão de desenvolvimento econômico, cultural e educacional, mas sim de soberania nacional. O impacto da ciência nas sociedades modernas pós-industriais mudou a dinâmica do que realmente é considerado trabalho científico, que deixou de ser uma atividade de uma classe intelectual responsável por algo abstrato. Ciência hoje é o motor das futuras economias do século XXI. Um país sem um projeto de ciência não sobreviverá soberanamente e vai ter de se aliar com algum bloco econômico, com algum país dominante para conseguir sobreviver em vários domínios da atividade científica. Por essa razão, começamos o projeto em Macaíba, uma cidade pobre, porque é vital o papel da ciência num país como o Brasil, com seus problemas educacionais, sociais e econômicos. O Brasil precisa ter um projeto econômico de ciência.

Desafios -
O que significa, na prática, a ciência ser um fator de transformação social?
Nicolelis - A ciência vive de alguns pilares básicos: a busca da verdade, seja ela qual for, o mérito, a desobediência ao dogma, a crença de que não existem fronteiras e de que a prática científica é uma atividade prazerosa e lúdica. A base de todo processo é educar as crianças para serem felizes, sonhadoras, para desestabilizarem a verdade oficial, o dogma, o mito e a crença fundada em nada. É isso que devemos propiciar para a futura geração de brasileiros. Assim será possível fazer com que a ciência contribua decisivamente para a economia e para a sociedade pós-modernas. Poucas crianças se tornarão cientistas profissionais, mas se forem educadas para trabalhar não apenas para si, e sim para o próximo, para buscar a verdade, teremos a possibilidade de mudar o sistema educacional, não só do Brasil mas do mundo inteiro.

Desafios -
Como funcionará o Instituto de Neurociência que será implantado em Macaíba?
Nicolelis - O cérebro é uma nova fronteira da economia porque a população está envelhecendo em todos os países. As doenças que estão começando a matar ou piorar a condição de vida das pessoas estão relacionadas ao cérebro e existe um investimento maciço em pesquisa básica e clínica para introduzir novos medicamentos, técnicas cirúrgicas e terapias que permitam curá-las. Tudo isso define o que eu chamo de "indústria do cérebro", cujo potencial de arrecadação nas próximas décadas está orçado em trilhões de dólares, pelo menos dez vezes mais do que a "indústria do coração". Com essa perspectiva, alugamos um prédio em Natal para funcionar ao mesmo tempo como sede de um laboratório de pesquisa de alto nível e de uma escola para as crianças do entorno.

Desafios - Existem parceiros brasileiros?
Nicolelis - É um projeto construído a partir de parcerias dentro e fora do Brasil. Nós assinamos, recentemente, um acordo científico com o Hospital Sírio Libanês, de São Paulo, que fez a doação de 1 milhão de dólares ao projeto do Instituto de Neurociência do Rio Grande do Norte. Queremos criar um pólo tecnológico voltado para a indústria do cérebro em torno do instituto. Queremos atrair investimentos brasileiros e internacionais para criar companhias que atuem na área de neurologia, de neurociência e que transformem o conhecimento produzido no Rio Grande do Norte em atividades econômicas que, além de garantir recursos para manter a atividade social do nosso projeto, gerem divisas para o país. Ciência, hoje, é uma fonte poderosa de recursos para qualquer país e qualquer projeto de desenvolvimento econômico tem de definir qual será o investimento estratégico em atividade científica.

Desafios - Por que o Rio Grande do Norte e, mais especificamente, Macaíba foram escolhidos?
Nicolelis - Porque o índice de desenvolvimento humano de Macaíba é um dos piores do Brasil. Queremos que se converta num município-modelo para mostrar que uma ação privada, em colaboração com o poder público local, pode contribuir para reverter uma trajetória de total descaso social e pode criar um modelo de desenvolvimento e sucesso comunitário. Quando falamos em ciência, nunca a associamos a um projeto comunitário, e sim a um projeto intelectual e muitas vezes elitista. Queremos mudar essa imagem.

Visionário de resultados


O cientista Miguel Nicolelis pode ser classificado como um visionário. Afinal, um homem que consegue imaginar que vai ligar as ondas cerebrais a um engenho mecânico e depois conectá-lo a uma parte do corpo de uma pessoa debilitada é coisa de gente que vislumbra horizontes nada convencionais. Ele chefia um grupo de 30 pesquisadores do Centro de Neuroengenharia da Universidade de Duke, do qual é co-diretor desde 2001, que emprega as ferramentas computacionais da robótica e da neuroengenharia para desenvolver neuropróteses capazes de restaurar a mobilidade dos membros superiores de pacientes paralisados por trauma ou degeneração do sistema nervoso central. O projeto já custou 26 milhões de dólares, pagos pela Agência de Pesquisa de Projetos Avançados de Defesa dos Estados Unidos, que tem um programa específico para o desenvolvimento de dispositivos cerebrais.

Nicolelis já ganhou 32 prêmios internacionais, escreveu cinco livros e publicou 102 artigos, dos quais sete na Science e na Nature, as revistas científicas mais importantes do mundo. Cursou Medicina na Universidade de São Paulo (USP) e fez doutorado no Instituto de Ciências Biomédicas, também na USP. Em 1989, iniciou pós-doutorado na Universidade Hahnemann, na Filadélfia. Agora, quer trazer suas pesquisas para o Brasil e fez um acordo com o Hospital Sírio Libanês, de São Paulo, que receberá pacientes com paralisias severas para implante de neuropróteses. Em troca, a instituição vai contribuir com 1 milhão de dólares e garantirá cooperação técnica para criar o Instituto de Neurociência que Nicolelis pretende instalar no Rio Grande do Norte. Casado, pai de três filhos adolescentes, fã incondicional de música brasileira e do Palmeiras, reconhece que é um workaholic, mas diz que tem aprendido a dosar o trabalho com algumas distrações, uma delas é escrever, especialmente sobre ciência.

 
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