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Wanderley Guilherme dos Santos: - A democracia ainda é jovem

2005. Ano 2 . Edição 12 - 1/7/2005

As políticas governamentais influem menos na vida das pessoas nos países desenvolvidos, mas podem ser cruciais para a população nos países mais pobres.

Por Maysa Provedello, do Rio de Janeiro

A reforma política, em fase de discussão no Congresso brasileiro, diminuirá o poder dos eleitores, que já participam pouco. É por opiniões como essa que o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos é considerado polêmico. Estudioso da democracia e dos ciclos autoritários do Brasil, discorre sobre temas como mobilização social e participação civil. Lembra que a democracia é uma aventura recente da humanidade, com riscos elevados, mas também com muitas promessas de ganhos para a população.

Desafios - O mundo vive hoje uma espécie de questionamento global sobre a democracia. Recentes pesquisas de opinião feitas na América Latina revelam certo saudosismo dos regimes ditatoriais, pois o sistema democrático não teria resolvido a questão econômica. A democracia está em risco?
Santos - Há uma discrepância entre o que as pessoas esperam para sua vida pessoal, como resultado do exercício institucional da democracia, e aquilo que efetivamente cabe a cada um de nós na vida democrática. Essa discrepância entre expectativas e realizações pessoais não é um fenômeno estritamente brasileiro. Existe atualmente em todo o mundo. A cada mês é publicado um livro sobre o tema, nos Estados Unidos ou na Europa. É o fenômeno da insatisfação popular com a democracia, com os políticos. Mas essas pesquisas lidam com alto grau de subjetividade e seus resultados dependem do momento que o país está vivendo quando são feitas. Se a fase é boa, apontam que a democracia é benéfica. Isso está muito ligado às promessas implícitas no sistema democrático, que anunciavam um futuro paradisíaco em comparação com o passado oligárquico e de monarquia absolutista.

Desafios - Então a confusão se dá no campo da percepção do que as pessoas esperam da democracia?
Santos - É preciso lembrar que os teóricos clássicos originais da democracia liberal prometiam o céu na terra, em contraponto ao purgatório do sistema oligárquico e ao inferno da monarquia absolutista. Ao longo do tempo a democracia passou a ser considerada um estado da natureza, o que não acontecia no sistema oligárquico ou no sistema absolutista. Quando as pessoas projetam um modelo democrático ideal, fazem a comparação com o que existia há 20 anos e não com o sistema político anterior. Eventualmente, poderia estar melhor. E aí reclamam e têm toda a razão, pois desejam um mundo melhor, que a democracia não é capaz de garantir. Assim como durante o período em que todo mundo era favorável à democracia o que havia de bom na sociedade não era responsabilidade das instituições democráticas.

Desafios - Existe uma tendência de confundir regime político com condição econômica?
Santos - As instituições políticas existem para administrar os conflitos sociais de forma ordenada e permitir alternância no poder de maneira regular, com a aceitação dos resultados por todas as partes. Implica participação livre e competição igualitária, tanto quanto possível. Mas a democracia não pode fazer mais nada, não aumenta a renda de ninguém. Um Congresso aberto também não aumenta a renda de ninguém, mas ao funcionar livremente permite que alguém proponha um projeto de distribuição de renda que poderá ser bem-sucedido, dependendo de uma série de condições. As instituições democráticas asseguram que os conflitos sejam resolvidos pela vontade majoritária. Há certo equívoco historiográfico no tratamento da democracia.

Desafios - Por quê?
Santos - Porque ele é muito recente. No início do século XX a democracia institucionalmente universalizada, com direito de voto para todos, homens e mulheres, sem a necessidade de ser rico, só existia na Nova Zelândia e na Austrália. Demorou muito tempo até que outros países alcançassem o direito universal de participação, sem restrição de renda, raça ou gênero. Em 1924, as mulheres votaram pela primeira vez na Inglaterra. Na Suíça, a população votou pela primeira vez em 1970, ou seja, praticamente ontem.

Desafios - Existe um mau uso do termo democracia por parte dos políticos?
Santos - Na tentativa de conseguir votos, os políticos prometem realizar uma série de coisas que não têm como cumprir, e os eleitores acreditam que a responsabilidade pela não-realização é de toda a classe política e das instituições políticas. Mas isso faz parte do jogo. A democracia é uma experiência maluca na história da humanidade. Imagine só poder se auto-administrar, sem a interferência de um rei, de uma elite ou dos mais ricos. Mesmo na época dos teóricos como John Locke, que foi um dos pais do governo liberal, a democracia era limitada, pois para votar era preciso ter renda. Hitler e Mussolini alcançaram o poder pelo voto. São patologias das quais a democracia não está livre, implícitas em sua forma de ser.

Desafios - Existe alguma diferença na forma como os habitantes de países desenvolvidos e em desenvolvimento encaram a política?
Santos - Acredito que sim. A insatisfação com a democracia e com a política pode significar coisas diferentes nos países em desenvolvimento ou nos desenvolvidos. Para quem vive nos países desenvolvidos a forma de funcionamento do governo é irrelevante para a vida das pessoas, a não ser em casos extremos, como uma guerra. A turma não se importa se o governo tem uma política assim ou assado. Deixam as coisas acontecerem porque a economia caminha de forma independente e as taxas de sobrevivência das classes mais baixas já estão garantidas, não dependem das políticas de governo. Isso não acontece nos países pobres, onde as pessoas precisam das iniciativas governamentais para viver. Precisam de segurança social. Todos prestam atenção em tudo o que é feito pelo governo, em todo o momento. E não apenas a população pobre, mas também o empresariado, que depende de políticas de governo, como a de câmbio, de exportação, de tarifas de importação, de taxas de juro. Por isso, a política, que tem relações iguais no mundo inteiro, adquire dimensões crônicas e trágicas em nações como a nossa. Tem uma carga elétrica monumental, que não encontramos, por exemplo, na Suécia. Por isso me preocupam as comparações de percepção políticas feitas pelas pesquisas de opinião em diferentes países, que perguntam se as pessoas estão contentes com a democracia. É difícil comparar, e os resultados podem ser perversos e equivocados.

Desafios - O Brasil viveu, desde a década de 80, um período de abertura democrática. A sociedade brasileira participou desse processo de forma ativa, não só por meio do voto, mas de outras maneiras organizadas, como as associações e a criação de organizações não-governamentais. Como se deu esse movimento?
Santos - Uma das razões da forte expansão do movimento de mobilização social organizado foi a competição religiosa entre a igreja católica e as protestantes. A igreja católica deteve durante séculos aquilo que podemos chamar de "monopólio das comunicações" e não se preocupava muito com os poderes locais, com as classes mais baixas. Com a entrada dos protestantes, sobretudo aqueles com denominações mais populares, a igreja católica mudou, passou a se organizar. As duas igrejas fortaleceram a participação popular. Também surgiram outras forças, ligadas a sindicatos corporativos, como advogados, médicos. Houve um acúmulo de material de base.

Desafios - Os brasileiros são pouco participativos politicamente? Poderiam ser mais ativos?
Santos - Existe um tipo de mistério que faz com que uns participem mais do que outros. Mas eu tenho uma hipótese. Acho que é algo ligado ao custo do fracasso da participação. Uma pessoa, para participar de uma organização, seja para criá-la, seja meramente para ser membro, tem de investir tempo, cumprir tarefas. E também corre o risco de fracassar nas suas intenções. O custo de fracassar é baixo num país desenvolvido, com estruturas democráticas e políticas realmente sólidas. Quem fracassar em sua participação política voltará para sua vida normal. Mas, num país como o nosso, quando alguém participa de uma organização política, além de investir tempo, dinheiro, corre o risco de ser discriminado, de ser preso, de perder benefícios. Por isso, as pessoas acabam calculando muito bem se vale a pena entrar nisso ou não. Eu acho que a nossa participação política é a que podemos ter, igual à do Uruguai, à do Chile ou à da Argentina.

Desafios - Em outras palavras, é baixa?
Santos - É baixa porque nosso índice de constitucionalidade efetiva é reduzido, ou seja, é limitada a capacidade de exercício dos direitos constitucionais, independentemente da latitude geográfica, do estado civil, do gênero, da renda ou do nível educacional. No Brasil, na vida real, só alguns têm direitos constitucionais, não todos. A má distribuição dos direitos constitucionais é pior do que a má distribuição de renda.

Desafios - A falta de eqüidade quanto aos direitos constitucionais é o que nos leva ao pódio das desigualdades sociais?
Santos - O fato de a desigualdade não se mover no Brasil é um enigma que precisa ser desvendado. É inegável que nos últimos 50 anos o país se transformou de maneira profunda em termos materiais. Apesar disso, as distâncias entre as pessoas permanecem as mesmas. O analfabetismo vem sendo reduzido no Brasil desde 1940 à taxa média de 5 pontos percentuais por década, mas o número de analfabetos continua péssimo. As distâncias não mudam. A inércia social e a falta de mobilização das pessoas prejudicadas também ajudam a situação a ficar como está. Se todo mundo quisesse mudar, talvez fosse diferente.

Desafios - Em sua opinião, o Brasil será sempre o "país do futuro"?
Santos - Acho muito difícil que nós cheguemos a esse ponto se a idéia de futuro significar que o Brasil terá uma capacidade econômica e tecnológica igual à dos Estados Unidos. Mas se o ideal for de uma nação com perfil próprio acho que estamos no caminho. Nós estamos sempre no futuro e no presente. Eu aprecio muito e acho extraordinário o que o povo brasileiro fez nos últimos séculos, pois o Brasil tinha uma renda per capita inferior à de Honduras no início do século XX.

Desafios - Mas falhamos na distribuição desse crescimento...
Santos - É o enigma do Brasil que cresce, mas continua imóvel na distribuição da riqueza. Não existe exemplo de país que tenha tido tanta transformação econômica e social e manteve a desigualdade estável no último século.

Desafios - Quais os riscos políticos e democráticos que o país enfrenta com a atual crise vivida pelo governo Lula com as acusações de pagamento de parlamentares da base aliada no Congresso Nacional?
Santos - A meu ver, existem vários riscos, como o de impedimento do presidente, bem como de uma inoperância legislativa, ou seja, o governo continua, porém produzindo pouco. Existem forças interessadas em anular o poder do presidente da República e impedir sua reeleição. Há um grande risco de o governo passar o próximo ano e meio sem aprovar o que precisa, dada a sua fragilidade.

Desafios - É necessário aproveitar o momento para fazer a reforma política?
Santos - Eu acho que essa tolice de inventar uma reforma política é uma forma de oligarquização, de limitar a participação da população, que já é reduzida. O voto é uma das formas nobres que ela tem para participar e serve para julgar o desempenho dos políticos. Tanto assim que a taxa de renovação dos políticos, devido a derrotas, é bastante elevada no Brasil. O voto é um direito constitucionalmente garantido no país, que será retirado com o voto elitista, por legenda, porque não se votará mais num candidato. Quem definirá os escolhidos será a oligarquia partidária. Com o voto por legenda haverá espaço para os candidatos dos movimentos negros, dos movimentos feministas, dos movimentos dos homossexuais, dos movimentos dos marginalizados da vida? Como eles seriam escolhidos? Como eles fariam parte da lista dos partidos e estariam entre os primeiros lugares dessas listas?

Desafios - Mas existe um problema sério quanto à fidelidade partidária, que é um tanto quanto escandaloso, não?
Santos - Sim, é um horror, mas isso pode ser resolvido com mudanças na legislação eleitoral.

Longe da torre de marfim

"Eu sou um intelectual pequeno-burguês, apartidário, de esquerda", se autodefine Wanderley Guilherme dos Santos, com um sorriso um tanto quanto desafiador no canto da boca. Nascido no Rio de Janeiro, estudou Filosofia na antiga Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e concluiu o curso no final dos anos 50. Na década seguinte, depois de ter sido afastado do cargo de professor do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) pela ditadura militar, foi cursar pós-graduação na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, de onde voltou para dar aulas e coordenar pesquisas na Universidade Cândido Mendes e no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ).

Em 47 anos de vida acadêmica, escreveu 15 livros e centenas de artigos para jornais e revistas. É um dos mais importantes teóricos brasileiros na área de ciências políticas e desenvolveu três índices utilizados em estudos acadêmicos e políticos, para avaliar competição eleitoral, renovação parlamentar e estabilidade governamental. Foi um dos autores do livro Brasil - Estado de uma Nação, publicado em 2005 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), responsável pelo tema "participação e cidadania", juntamente com Argelina Figueiredo, também cientista política, da Universidade Estadual de Campinas.

Em seus livros costuma aliar história com sociologia e antropologia, de forma bem-humorada e quase sempre provocativa. Exprime seu lado mais opinativo e polêmico nos artigos para jornais e revistas. "É onde milito. Tenho um bom histórico acadêmico, produzi bastante, sou orgulhoso do que fiz. Mas também tenho minhas opiniões e, nessa medida, eu sou polêmico, porque como cidadão defendo posições", diz.

 
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