Sociedade - A nova velha geração |
2007 . Ano 4 . Edição 32 - 7/3/2007 Projeções indicam que dentro de vinte anos o Brasil será a sexta nação mais envelhecida do mundo. É preciso que a sociedade se prepare agora para conviver com um número maior de idosos mais ativos,conscientes,exigentes e integrados. O desafio está lançado Por Marina Nery,do Rio de Janeiro, RJ
No mundo todo existem cerca de 600 milhões de pessoas com mais de 60 anos de idade, o que corresponde, aproximadamente, a 10% da população da Terra
Provavelmente, nunca foi tão difícil como hoje caracterizar uma pessoa idosa. Os antigos clichês não se aplicam mais. Os aposentados de pijama e as senhoras que passam os dias a fazer tricô desaparecem aos poucos e dão lugar a figuras muito diferentes. Quem tem medo de envelhecer não se assusta mais com frases do tipo "Eu sou você amanhã", ícone de um famoso comercial dos anos 1970. Ao que tudo indica, o amanhã parece cada vez mais promissor. Yara Lígia Lemos, de 61 anos, psiquiatra, com mestrado em psicanálise, mora na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, e acabou de arrumar um namorado. O rapaz é um pouco mais jovem do que ela, o que só ajuda na hora de ir para a balada, para a praia ou como incentivo para a compra de novas e mais modernas roupas. Ela é a prova viva de que os sexagenários continuam na ativa. Quem ainda tiver alguma dúvida, basta esperar chegar ao Brasil o quinto filme da série Rocky, no qual o ator Sylvester Stallone mais uma vez aparece no papel do famoso boxeador. Ele apresenta, aos 60 anos de idade, todo o seu vigor físico, evidenciando que a vida continua muito bem depois da sexta década. A bola cristal dos pesquisadores sociais aponta para uma espécie de personagempadrão do futuro. Seria um idoso high-tech, celular na mão, piercing na orelha, adepto do videogame, consumista, trabalhador ativo, reivindicador político, com mais escolaridade e mais renda que seus próprios avôs e beneficiado pela tecnologia médicocosmetológica. Com vários casamentos, poucos filhos, e levando vida autônoma, a única semelhança que ele manteria com os idosos de antigamente seriam as queixas de que os filhos e os netos só dão despesas e não lhe dedicam a atenção devida. Perfil "Com base nas projeções dos resultados do Censo 2000, o Brasil será o sexto país mais envelhecido do mundo em 2025", informa Ana Amélia Camarano, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e vice-presidente do Conselho Nacional dos Direitos do Idoso. A pesquisadora, em seu livro Os Novos Idosos Brasileiros - Muito Além dos 60?, traçou um perfil dessa nova velha geração. São os filhos do baby boom, a numerosa prole nascida entre 1946 e 1962. É uma parcela da população em que as mulheres ganharam mais escolaridade, entraram maciçamente no mercado de trabalho e se transformaram, atualmente, em provedoras e cuidadoras. Se, por um lado, podem contribuir com mais renda para o cuidado dos idosos, dispõem de menos tempo e atenção dos descendentes. Multidão "Há 600 milhões de pessoas com mais de 60 anos no planeta", afirma o subsecretário de Promoção Humana da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), Perly Cipriano, citando dados da Organização das Nações Unidas (ONU). Eles já formam um contingente nada desprezível, que representa cerca de 10% dos habitantes da Terra. O envelhecimento populacional é um fenômeno mundial. Significa que há um crescimento mais elevado da população idosa do que dos demais grupos etários. Esse aumento é produto de uma das maiores conquistas sociais do século XX, que foi o maior acesso popular às tecnologias e aos serviços de saúde. Isso fez com que a esperança de vida dos brasileiros aumentasse cerca de dez anos, entre 1980 e 2000, atingindo 71 anos, em média, no início do século XXI. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil está dentro dos padrões globais e a população idosa corresponde a 10% do total, cerca de 18 milhões de pessoas. Mas daqui a vinte anos as projeções são de que esse número salte para 14, 5%, um aumento de quase 50%. "É uma transição demográfica muito rápida, principalmente se considerarmos que outros países levaram mais de um século para realizar esse movimento, como a França", afirma Vicente Faleiros, professor do mestrado de Gerontologia da Universidade Católica de Brasília, autor do livro Gestão Social por Sujeito/Idade na Velhice. Classificação E, quanto mais idoso, maior será o aumento da participação na população. No Brasil de hoje são considerados idosos jovens aqueles que têm entre 60 e 70 anos de idade;medianamente idosos entre 70 e 80; e muito idosos acima de 80. "A população com mais de 80 anos cresce mais que o conjunto geral de idosos", informa Faleiros, que também é um dos autores do Diagnóstico do Envelhecimento no Brasil, elaborado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e pela Secretaria Especial de Direitos Humanos. Segundo o relatório, o aumento médio do conjunto de idosos é de 3, 5%, enquanto o grupo daqueles com mais de 80 anos cresce 4, 7%. Dos 14, 5 milhões de idosos encontrados pelo Censo Demográfico de 2000, 55% eram mulheres. Quando desagregados em subgrupos de idade, a proporção de mulheres aumenta. Esse fato é explicado pela mortalidade diferencial por sexo- o que leva à constatação de que "o mundo dos muito idosos é um mundo de mulheres". Portanto, haverá uma "feminização"da velhice. A geração que está entrando nos 60 anos já se beneficiou dos grandes avanços da tecnologia médica, cosmetológica, da reposição hormonal e foi influenciada pelo culto à juventude. Independentemente da classe social, esse grupo de idosos apresenta maior disponibilidade para o consumo, principalmente em relação a produtos para a preservação do corpo. Eles viveram a revolução na família, casaram-se, descasaram- se, recasaram-se ou não, e tiveram menos filhos. Não casar e não ter filhos passou, inclusive, a ser uma opção.
Conseqüências Todas essas mudanças trouxeram conseqüências inesperadas para as nações e também para o microuniverso das famílias que estão enfrentando a seguinte questão: como a sociedade está se preparando para lidar com esse novo tipo de sexagenário, septuagenário, octogenário e mais adiante? A pesquisadora Ana Amélia Camarano sempre chama a atenção para o fato de que a maior longevidade da população é positiva, contudo maior população de velhos no futuro exige planejamento específico para essa faixa etária, a fim de evitar um transtorno social. "Não se deve deixar que o sucesso traga a sua falência", opina ela. Mas é difícil definir um retrato comum a todos, sobretudo no Brasil. "Cada um tem sua própria trajetória individual, mas sabemos que essas trajetórias são fortemente marcadas por desigualdades sociais, regionais e raciais em curso no país. As políticas sociais podem reforçar essas desigualdades ou mesmo atenuá-las, bem como os mitos, os estereótipos e os preconceitos em relação à população idosa", reconhece Camarano. Principalmente num país desigual como o Brasil, as pessoas envelhecem desigualmente. Isso faz dos idosos um grupo heterogêneo. No entanto, para finalidades operacionais, define-se como população idosa a de 60 anos ou mais, tal como estabelecido no Estatuto do Idoso (Lei nº 10. 741, de 1. º/10/2003) e na Política Nacional do Idoso (Lei nº 8. 842, de 4/1/ 1994), que funcionam como um marco legal da terceira idade. Segundo uma das profissionais mais dedicadas à questão do envelhecimento no Brasil, a professora e pesquisadora do Programa de Mestrado e Doutorado em Gerontologia da Universidade de Campinas (Unicamp), Anita Liberalesso Néri, "há um discurso ambíguo das instituições sociais e do Estado brasileiro em relação aos idosos, que em certos casos são protegidos e em outros acusados de provocar os males dos sistemas públicos de saúde e previdência". Posições desse tipo ajudam a criar estereótipos, como o de que todos os idosos são pobres, doentes, dependentes e com baixa escolaridade. "Encarar o idoso como um peso e um risco social é uma concepção apenas parcialmente verdadeira", afirma Néri. Para o professor Faleiros, os problemas complexos surgidos com a nova geração de idosos podem ser resolvidos no Brasil com atitudes objetivas. "É só o governo destinar à seguridade o que já é financeiramente garantido a ela pela Constituição mas vem sendo aplicado em outras áreas", critica. Na opinião dele, "a contribuição para a Previdência Social virá cada vez mais do lucro líquido das empresas em vez do maciço desconto em folha do empregado, como é hoje. " O professor também aconselha a criação de campanhas de conscientização dos jovens para que saibam conviver com a futura realidade de um mundo povoado por muitos idosos. Afinal, a tendência é que o idoso se torne cada vez mais um ator político, aumentando sua representatividade nos governos, no Poder Legislativo, na sociedade civil organizada e em outros setores. Por esse motivo, o Estado precisará se aparelhar melhor para atender às reivindicações oriundas dessa parcela da população.
Trabalho Em relação ao mercado de trabalho, o maior desafio será manter a população na ativa o maior número possível de anos. "A saída será aumentar o avanço tecnológico para reduzir a necessidade de esforço físico", sugere Camarano. Para isso é preciso saber aproveitar que os idosos possuem grande capacidade de envolvimento, grau de comprometimento e cumprimento de metas. Os idosos de hoje viveram a vida ativa num período marcado pelo crescimento econômico e por empregos estáveis e formais. Estão, atualmente, beneficiandose dos ganhos da Constituição de 1988 em relação à ampliação da cobertura dos benefícios da seguridade social, principalmente nas áreas rurais. Em 2003, quase 80% da população idosa recebia benefícios da seguridade social e 86% residiam em casa própria, em razão dos financiamentos do Banco Nacional de Habitação (BNH). Porém, esse fácil acesso à aposentadoria acabou ajudando a criar um problema: o hábito do mercado de não contratar profissionais mais velhos, por temor de que encerrem rapidamente a carreira. E a verdade é que no Brasil as pessoas se aposentaram, por qualquer parâmetro, antes de ser idosas. E as reformas da Previdência ajudaram pouco. Em 1998, 91% dos homens que estavam aposentados por tempo de contribuição tinham começado a receber antes de completar 60 anos. Em 2002, essa proporção diminuiu para 84%. No caso das mulheres, o índice caiu de 98% para 97%. Conhecimento "Sou contra a visão economicista de que os velhos são um peso para a sociedade, pelo custo previdenciário, mas esse problema tem de ser enfrentado", diz Camarano. Mas, ao que parece, o aumento do tempo de vida produtiva das pessoas tende a convencer as empresas de que é possível aproveitar os mais velhos, em vez de rejeitá-los. É cada vez mais comum o conceito de que a presença de um profissional sênior melhora a eficiência das equipes. E ainda a mudança de paradigma com o fato de que alguém pode ser contratado com 60 anos e ser mantido na empresa durante dez, quinze ou até vinte anos.
Cada vez mais acredita-se que um prof issional sênior melhora a ef iciência do trabalho
Cuidados Por outro lado, a sociedade terá de enfrentar a pouca disponibilidade de tempo dos familiares para dedicar aos idosos. Sobretudo se eles forem em número cada vez maior. Com a intenção de dar uma solução a essa demanda, os idosos foram classificados em três grupos diferentes. Os independentes, que conseguem realizar as tarefas necessárias à sua sobrevivência. Os parcialmente dependentes, que executam diversas tarefas, mas precisam eventualmente de auxílio para sair de casa ou fazer algo mais complexo. E os dependentes, que necessitam de assistência constante. Querendo ou não, a sociedade terá de criar espaços onde cada uma dessas categorias possa viver, usufruindo de seus recursos. "Considerando-se a insuficiência de renda e a falta de autonomia para lidar com as atividades do cotidiano como indicadores de idosos que necessitam de algum tipo de proteção social, assume-se que as políticas mais importantes para esse segmento são a de geração de renda e a de cuidados de longa duração", resume Camarano. Mas ainda restam algumas questões: será que a longevidade estaria ao alcance de todos, de igual modo, em todo o planeta? Como obtê-la? Pode a sociedade sustentar uma crescente população envelhecida? Até quando deveríamos trabalhar se pudéssemos viver muito mais tempo? Será que continuaremos a respeitar os idosos quando seu número subir vertiginosamente? Entretanto, o saldo geral é que a humanidade vem evoluindo no sentido de criar melhores condições para as populações na velhice. À medida que os idosos alcançam diversas vantagens, como as imensas possibilidades de lazer e consumo com boa qualidade de vida, é possível chegar à conclusão positiva do professor de gerontologia da Universidade Católica de Brasília Vicente Faleiros:"A velhice não é um peso, e sim uma conquista". |