2010 . Ano 8 . Edição 60 - 28/05/2010
André Pineli Alves, Rodrigo Leão e Samira Schatzmann
Na década de 2000, houve um aprofundamento do processo de internacionalização produtiva de grandes países emergentes, como o Brasil, a Rússia, a Índia e a China, reunidos no acrônimo BRIC. Além de grandes receptores de investimento direto estrangeiro (IDE), esses países tornaram-se, também, relevantes exportadores de capital. Em relação ao total mundial, os fluxos de IDE oriundos dos BRIC saltaram de 1,38%, no período 1992-1999, para 3,48%, entre 2000 e 2008. A Rússia é a maior investidora externa entre os BRIC, com um estoque de IDE de US$ 203 bilhões em 2008, à frente do Brasil, com US$ 162 bilhões, da China, com US$ 148 bilhões e da Índia, com US$ 62 bilhões.
De um modo geral, esse processo iniciou-se com a melhoria das contas externas desses países a partir do final dos anos 1990. O crescente acúmulo de reservas internacionais nos anos seguintes diminuiu as resistências políticas internas à saída de capital, o que deu margem à adoção de políticas liberalizantes dos fluxos de capital em todos esses países. Nos casos do Brasil e da Rússia, países ricos em recursos naturais, o aumento da demanda e dos preços das commodities no mercado internacional, foram fatores adicionais de estímulo à internacionalização, uma vez que propiciaram um forte incremento nos lucros, expandindo a capacidade de investimento e de endividamento das empresas desses setores.
Em termos geográficos, o IDE dos BRIC possui algumas semelhanças, como a conexão com os mercados consumidores mais próximos (Brasil-América do Sul, China-Sudeste Asiático e Rússia-Comunidade dos Estados Independentes), e a busca crescente de ativos estratégicos, como marcas e tecnologia, nos países desenvolvidos, mediante operações de fusão e aquisição. Deve-se destacar, também, a grande participação de paraísos fiscais nos registros de destino dos fluxos de IDE dos BRIC. Tal fato está associado à criação de holdings, cujas atividades produtivas se espalham por subsidiárias constituídas em terceiros países, assim como ao acesso a fontes alternativas de funding, para o qual também são constituídas filiais nos grandes centros financeiros do mundo. Regiões fora da área de influência imediata dos BRIC, como a África e o Oriente Médio, também têm sido pólos de atração do IDE desses países, especialmente no segmento de commodities. No caso da China e da Índia, países menos dotados de recursos naturais, o investimento nesse setor tem como balizador a crescente demanda doméstica e visam, sobretudo, a garantia de suprimento e a previsibilidade dos preços. Nos casos russo e brasileiro, esses investimentos têm sido guiados pela busca da liderança setorial em termos globais, com adoção da estratégia de verticalização crescente em busca dos consumidores finais nos países compradores.
Quanto à estrutura de propriedade das transnacionais, existem algumas diferenças. Na China, o papel desempenhado pelas estatais é preponderante, enquanto na Índia, na Rússia e no Brasil, o processo de expansão internacional é capitaneado pelas firmas privadas, embora nos dois últimos algumas campeãs nacionais controladas pelo Estado, como a Gazprom e a Petrobras, estejam entre as empresas mais internacionalizadas. Também no tocante às políticas públicas de incentivo à internacionalização, verifica-se uma grande diferença entre a estratégia da China e as dos demais BRIC. A China é o único dos quatro países que possui uma estratégia clara nesse tema, sintetizada pelo programa Go Global. Entre as políticas de apoio estão a concessão de incentivos fiscais e financeiros, o apoio informacional, o oferecimento de seguro contra risco político, o estabelecimento de acordos internacionais de investimentos e para evitar a bitributação e a criação de zonas especiais de investimentos em outros países. Nos demais países que formam o BRIC, o avanço na elaboração de políticas de estímulo à internacionalização tem sido muito mais tímido. A Rússia e a Índia não possuem instrumentos financeiros, fiscais ou de seguro similares aos existentes na China.
No caso do Brasil, que historicamente conviveu com problemas de balanço de pagamentos, a realização de IDE sempre foi vista com alguma desconfiança. O acúmulo de elevado nível de divisas, porém, abriu espaço para o tema da internacionalização nas agendas governamental e empresarial. Seguindo essa linha, foi instituído em 2009 um grupo de trabalho intragovernamental, coordenado pela Câmara de Comércio Exterior (Camex), com a participação de vários órgãos do Governo Federal, inclusive o Ipea, cujo objetivo é propor políticas de incentivo à internacionalização das empresas brasileiras. O diagnóstico do grupo, consubstanciado em Termo de Referência, aponta que apesar de iniciativas exitosas como o apoio do BNDES aos projetos de expansão de algumas empresas, ainda há espaço para a adoção de políticas que ajudem a dar consistência ao processo de internacionalização das empresas brasileiras.
André Gustavo de Miranda Pineli Alves, é técnico de planejamento e pesquisa do Ipea, na Diretoria de estudos e relações econômicas e políticas internacionais (Deint)
Rodrigo Pimentel Ferreira Leão, é assistente de pesquisa do Ipea, na Diretoria de estudos e relações econômicas e políticas internacionais (Deint)
Samira Schatzmann, é assistente de pesquisa do Ipea, na Diretoria de estudos e relações econômicas e políticas internacionais (Deint)
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