2010 . Ano 7 . Edição 60 - 28/05/2010
Ernesto Galindo
A Constituição de 1988 estabelece a competência da União para legislar sobre trânsito e transporte, e instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive transportes urbanos. A CF ainda determina que o transporte coletivo é um serviço público de interesse local e caráter essencial.
O Estatuto da Cidade regulamentou em 2001 a política de desenvolvimento urbano, cuja garantia do direito a cidades sustentáveis inclui a oferta adequada de transporte urbano. O Estatuto também obriga cidades acima de 500 mil habitantes a terem um plano de transporte urbano integrado.
Nesse contexto surge em 2003 o Ministério das Cidades, que cria a Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana (Semob) para formular a Política Nacional da Mobilidade Urbana e integrá-la às políticas urbanas. Os atuais programas de mobilidade surgem no ano seguinte.
Alguns programas do MCidades, como o Programa Brasileiro de Mobilidade por Bicicleta (Bicicleta Brasil), não envolvem transferências de recursos. Ele busca estimular os governos a desenvolver ações em prol do modo cicloviário, capacitando e estimulando com publicações e eventos.
Outro programa sem transferência de recursos é o Programa Brasileiro de Acessibilidade Urbana (Brasil Acessível). Ele visa estimular o desenvolvimento de ações que garantam a pessoas com restrição de mobilidade o acesso a sistemas de transportes e equipamentos urbanos.
O MCidades conta também com outras ações, orçamentárias (repasse de recursos a fundo perdido) e não-orçamentárias (financiamentos). Critérios adequados de seleção de projetos, quando usados nesses programas, têm o potencial de estímulo ao desenvolvimento urbano.
O Programa de Infraestrutura para a Mobilidade Urbana (Pró-Mob) de 2005 financia com o Fundo de Amparo ao Trabalhador intervenções viárias em municípios de mais de 100 mil habitantes. Até 2009 foram aprovadas só 125 cartas (R$ 170 milhões), distante da meta de 100 (R$ 300 milhões)/ano.
O Programa de Infraestrutura de Transporte e da Mobilidade Urbana (Pró-Transporte) financia mobilidade e sistemas de infraestrutura do transporte coletivo com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). De 2002 até 2009 gastou-se no total R$ 58 milhões, de uma meta de R$ 600 milhões/ano.
O Programa Mobilidade Urbana repassa a fundo perdido recursos (R$ 740 milhões até 2009) com a finalidade de promover a melhora na mobilidade. Prioriza os transportes não-motorizados e coletivos ao apoiar a elaboração e implantação de projetos priorizando integração e acessibilidade.
Outro programa de repasse é o Programa Nacional de Acessibilidade, que possui algumas ações geridas pelo MCidades. O programa objetiva promover a acessibilidade a pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, mas só foram gastos cerca de R$ 15 milhões até 2009.
A Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) e a Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre S.A. (Trensurb) possuem maiores gastos: R$ 4 bilhões (2004 a 2009) nos Programas Trilhos Urbanos e Descentralização dos Sistemas de Transporte Ferroviário Urbano de Passageiros.
Há ainda o programa Segurança e Educação de Trânsito do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) com uso de recursos do Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito (Funset). De 2004 a 2009 totalizaram um gasto de pouco mais de R$ 590 milhões.
Nota-se que a Semob, responsável por integrar a política de mobilidade com as outras políticas urbanas, possui apenas uma ação executada como unidade gestora (com gastos de R$ 277 mil até 2009). Além de faltar maior integração com a CBTU, a Trensurb, o Denatran e as secretarias.
Boa parte das ações de mobilidade executadas está vinculada à Secretaria Executiva, CBTU, Trensurb, Denatran ou outros setores. Além disso, ressalta-se o baixo aproveitamento do potencial indutor de melhoria na qualidade do transporte e da mobilidade urbana (especialmente nos financiamentos).
Além dos problemas de coordenação, a mobilidade urbana não tem sido prioridade federal. O valor pago comparado com a dotação inicial do Programa de Mobilidade Urbana gera um nível de execução de 7,21%, atenuado pelos 57,61% dos restos a pagar inscritos efetivamente pagos.
Constata-se que menos de 11% dos gastos federais de 2002 a 2009 com programas de transporte e mobilidade em geral foram para o recorte urbano. Além disso, muitos gastos federais com transporte e mobilidade urbana são feitos com suas próprias empresas (mais de 65% para CBTU e Trensurb).
Analisando os gastos com recursos da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) verifica-se que menos de 5% foram para programas de transporte e mobilidade urbana. A lei estabelece que 29% da arrecadação deveria ir para estados para financiar a infraestrutura de transportes.
Com o cenário das Olimpíadas, da Copa e do PAC II, intensificam-se ainda mais essas preocupações com o transporte e mobilidade urbana. Gastos precisarão ser expressivamente mais vinculados ao desenvolvimento urbano, à mobilidade sustentável, à equidade e à justa alocação.
Ernesto Galindo, é técnico em planejamento e pesquisa da diretoria de estudos e políticas regionais, urbanas e ambientais (Dirur)
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