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Índios - Capazes de vencer

2006. Ano 3 . Edição 23 - 6/6/2006

A vida vem sendo dura para os índios há cinco séculos, mas eles não esmorecem. Organizados e bem articulados, lutam por seus direitos e registram alguns avanços notáveis. Têm sido capazes de absorver inovações sem abandonar sua cultura 

Por Eliana Simonetti, de São Paulo

Os 240 povos indígenas brasileiros vivem, em sua maioria, em 16% do território nacional. 
 

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Em abril, quando se comemora o Dia do Índio, são freqüentes as manifestações folclóricas e os debates intelectuais em torno do universo indígena. Passada a temporada, porém, o tema cai no esquecimento, e com isso se deixa de perceber fenômenos importantes. Informações coletadas recentemente são surpreendentes. A população indígena está em crescimento, ocupa grande parte do território nacional e tem direitos garantidos pela Constituição. Sua situação, sob diversos aspectos, vem melhorando. E já não era sem tempo. Essa gente habitava as terras brasileiras antes da chegada dos portugueses, no século XVI, e mesmo tendo sido vítima de massacres que dizimaram e descaracterizaram muitas comunidades, compõe parte significativa da história e da cultura do país.

O caminho, é de se reconhecer, não tem sido fácil. Segundo dados do Banco Mundial, os povos indígenas representam 10% da população das Américas - e compõem as fileiras dos mais pobres e menos favorecidos por políticas públicas. No âmbito global, há quase duas décadas a Organização dos Estados Americanos (OEA) tenta, sem êxito, definir seus direitos. A mais recente diligência nessa seara foi a 7ª Reunião de Negociações para a Busca de Consensos sobre a Declaração Americana dos Direitos dos Povos Indígenas, realizada em março, em Brasília. A extensão do nome do evento é inversamente proporcional aos resultados obtidos. Na abertura, houve uma apresentação de dança de representantes do povo mato-grossense rikbaktsa, pintados com caldo de urucum e jenipapo. Tudo muito bonito. "Precisamos pensar em soluções e chegar a um acordo", disse o secretário-geral adjunto da OEA, embaixador Albert Ramdin. A frustração final foi explicada por Azelene Kaingang, representante do Conclave dos Povos Indígenas para a América do Sul: estão à mesa questões muito polêmicas, entre elas o reconhecimento, o exercício e os limites dos direitos coletivos. Ou seja, o fundamental. Na reunião, o texto do projeto, já muitas vezes modificado, foi lido. E aprovou-se um artigo que reconhece a responsabilidade estatal sobre a plena realização dos direitos da mulher e a prevenção da violência. Ponto.

A Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas também esteve em pauta no 62º período de sessões da Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, na Suíça - que não deu em nada. Assim como acabou em impasse a Oitava Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-8), em Curitiba, no Paraná, na qual se pretendia, entre outras coisas, estabelecer formas de defesa dos conhecimentos tradicionais e dos bens naturais contra a biopirataria.

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 Tradição e tecnologia: o dilema entre preservar e integrar vem sendo superado no dia-a-dia

Regulamentação Apontemos, agora, a lupa para o Brasil, onde o Estatuto do Índio é de 1971, e os tais direitos que provocam infindáveis discussões internacionais estão definidos desde a Constituição de 1988 e regulamentados por leis, decretos e portarias. A Carta não faz distinção entre índios aculturados e não-aculturados, garante-lhes a posse das terras que ocupam tradicionalmente e obriga a União a demarcá-las, além de proteger e fazer respeitar seus bens. Está certo que uma coisa é o que consta no papel e outra a que se verifica na realidade - um paradoxo que não é exclusivo do Brasil ou das questões indígenas. No mundo real há problemas dolorosos. Houve 38 assassinatos de lideranças indígenas em 2005, número recorde em 11 anos. O índice de mortalidade infantil atingiu 71, 7 por 1. 000 nascidos, quase o triplo da média nacional entre os não-indígenas. Estão regularizadas apenas 318 (55%) das 580 terras indígenas, conforme dados da Fundação Nacional do Índio (Funai). E sabe-se que ainda há muito a ser descoberto. Uma das conclusões do pesquisador Ricardo Henriques, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em seu estudo, de 2001, "Desigualdade racial no Brasil: evolução das condições de vida na década de 90 acerca do racismo", é a seguinte:"A pobreza não está 'democraticamente'distribuída entre as raças (. . . ) talvez o uso da tolerância no espaço democrático, associado a uma perspectiva de pluralidade de culturas no seio da sociedade brasileira, possa sugerir caminhos".

Estatísticas O volume de tarefas a cumprir no Brasil não é menor no universo dos quilombolas e de outras minorias, sem falar na maioria de pobres, de todas as raças, cores e credos. Os indígenas, entretanto, não sossegam. Organizados, divulgam suas necessidades nacional e internacionalmente, buscam apoio por todo lado e acabam promovendo transformações. Vejamos alguns dados estatísticos. De acordo com a pesquisa "Tendências demográficas: uma análise dos indígenas com base nos resultados da amostra dos censos demográficos 1991 e 2000", do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), seu contingente cresceu 150% na década de 1990. O ritmo é quase seis vezes superior à média nacional (leia quadro a respeito do Censo e dos debates que ele suscita). São 240 povos, a maioria dos quais vive em cerca de 1 milhão de quilômetros quadrados - 16% do território nacional -, o que tem se mostrado positivo, inclusive do ponto de vista ambiental. Um estudo com base na observação de imagens de satélite, publicado em fevereiro no periódico norte-americano Conservation Biology, indica que as terras indígenas são mais eficientes do que os parques nacionais para conter o desmatamento.

O Censo Escolar 2005, do Ministério da Educação (MEC), revela que governos municipais e estaduais mantêm 2, 3 mil escolas indígenas, cada uma, em média, com 70 alunos, quatro professores e um funcionário da comunidade. Há outras, poucas, particulares. Entre 2003 e 2005 foram feitas 24, 6 mil matrículas - um salto de 17, 5% no período - e cerca de 8 mil professores se formaram. "Os indicadores são positivos, mas o quadro é um caleidoscópio, com povos diferentes vivendo em ambientes mais ou menos amistosos. Além disso, os indígenas já não querem apenas ser alfabetizados. Querem pilotar jatos e dominar conhecimentos na área da física quântica, sem deixar suas tradições. Estão ativos, organizados e, embora não seja fácil atender a todas as suas demandas, eles têm conseguido avanços importantes", diz Kleber Gesteira Matos, coordenador-geral de Educação Escolar Indígena da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), do MEC.

Institucionalmente, muita coisa já aconteceu neste ano. A Conferência Nacional dos Povos Indígenas contou com a participação de cerca de 800 representantes de mais de 200 etnias, que indicaram nomes para a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), criada em março para desenvolver políticas públicas. No Congresso, foi instalada uma Comissão Especial Mista Temporária para "estudar, debater e propor mecanismos de inclusão social e concessão de cidadania aos povos indígenas". A Fundação Nacional da Saúde (Funasa) começará, em junho, um mapeamento alimentar e nutricional das comunidades. Representantes do Banco Mundial visitaram, em janeiro, ações na área da saúde financiadas pelo banco em Roraima, e gostaram do que viram.

Tem mais:há um projeto, elaborado pelo governo federal com apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), cujo objetivo é consolidar as terras indígenas como áreas protegidas e financiar pequenas iniciativas comunitárias ligadas ao uso sustentável dos recursos naturais e à valorização não só das tradições, mas também das inovações.

 

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Na A educação cumpre duas funções: prepara para a convivência na sociedade dos brancos e desperta o gosto das crianças pela cultura tradicional

Sua população cresce em ritmo seis vezes mais acelerado do que a média do país

Preservação Fora do plano institucional, há indícios de que o dilema entre integrar e preservar vem sendo superado no dia-adia. Os indígenas têm se mostrado capazes de participar da economia de mercado e de aprender os hábitos e as ciências dos eurodescendentes, sem deixar de lado suas raízes - recuperadas e preservadas. Observemos o que vem acontecendo com a linguagem, item fundamental da identidade de qualquer povo. O caso é grave. Das mais de 170 línguas faladas no país, somente 25 estão registradas.

Pois bem, aos 42 anos de idade, a historiadora e pedagoga Maria das Dores de Oliveira, da etnia pancararu, de Pernambuco, defendeu tese de doutorado em lingüística na Universidade Federal de Alagoas (Ufal). O fruto do trabalho é um manual que relaciona linguagens oral e escrita para facilitar o ensino do ofayé, falado por apenas 11 pessoas que vivem em Brasilândia, em Mato Grosso do Sul. No Pará, foi editada a Cartilha Parkatejê, produto de mais de 20 anos de pesquisa da lingüista Leopoldina Araújo. Suas 87 páginas contêm o alfabeto, desenhos, exercícios e orientações para professores. Trazem ainda cantos dos parkatejês, cuja língua, até o momento, era guardada apenas na memória dos mais velhos. Mais:depois de três anos de trabalho, o Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) lançou o primeiro dicionário da língua dos hupd'ah, da região do Alto Rio Negro, no Amazonas. Ali, mais de 1, 6 mil índios de 35 aldeias não são alfabetizados.

No início de maio, surgiu outra novidade. São Gabriel da Cachoeira, a 858 quilômetros de Manaus, município com a maior população indígena do país - 76, 3% dos 29, 9 mil habitantes, segundo o IBGE, prepara a regulamentação de uma lei que estabelece três línguas oficiais, além do português: o nheengatu, o baníua e o tucano. Câmara de vereadores, repartições públicas, escolas, bancos, igrejas, comércio, o Judiciário e os meios de comunicação terão de ter gente capaz de atender o público nesses idiomas. Os concursos públicos municipais exigirão proficiência em português e num dos três vernáculos co-oficiais. Há que aguardar para verificar o resultado dessa torre de Babel.

IBGE revela novo perfil

A publicação "Tendências demográficas: uma análise dos indígenas com base nos resultados da amostra dos censos demográficos 1991 e 2000"surpreendeu especialistas de diversas áreas. Constatou que a população indígena aumentou 150% na década de 1990. Em 1991, eles eram 294 mil, ou 0, 2% dos brasileiros. Em 2000, somavam 734 mil - 0, 4% da população total. O ritmo anual de crescimento nas comunidades indígenas é quase seis vezes superior à média nacional. Os dados geram controvérsias, pois comparam bases diferentes. O Censo de 1991 foi feito somente entre os residentes em missões religiosas, em postos da Funai e em cidades. Em 2000, abrangeu todas as terras indígenas, além das áreas rurais e urbanas. O de 2010 incluirá o levantamento das etnias. De qualquer maneira especula-se sobre as razões do fenômeno. Houve crescimento vegetativo e imigração de países limítrofes, como Bolívia, Equador, Paraguai e Peru. Em 1991, 76, 1% dos índios viviam em áreas rurais. Passada uma década, a maioria deles, 52%, encontrava-se em regiões urbanas - e essa gente parece ter decidido assumir suas raízes.

O IBGE pesquisa esses povos desde 1991, no quesito "cor ou raça". Pela primeira vez, divulgou informações sobre mortalidade infantil, freqüência à escola, analfabetismo e fecundidade, entre outras. Três exemplos das descobertas: a mortalidade infantil é maior entre os residentes nas áreas urbanas, a redução do analfabetismo foi sensível na área rural e o Nordeste é recordista em escolarização, com índice de 67, 8%.

indios5_46Nova geração: ambições de pilotar jatos e dominar a física quântica

ProfessoresDicionários, cartilhas e iniciativas como a de São Gabriel da Cachoeira podem ajudar a estancar o processo de morte lingüística, mas nessa batalha são essenciais as pessoas, professores capazes de capturar o interesse das crianças. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mantém o Curso de Formação Intercultural de Professores, que, este ano, promoveu o segundo processo de seleção. Santa Catarina tem mais de 30 escolas indígenas, com 2 mil alunos e 140 professores dos povos guarani, xoclengue e caingangue. A Secretaria de Estado da Educação, Ciência e Tecnologia (SED) prepara mestres para trabalhar com currículo diferenciado e ministrar aulas em português e na língua nativa de cada turma. Em Goiás foi criada a categoria de Escola Indígena, com educação bilíngüe. Crianças da aldeia Buridina Mahueri, que ocupa um bairro da cidade de Aruanã, aprendem carajá e artesanato, além das disciplinas do currículo comum. Nessa aldeia, há ainda um laboratório de informática onde o idioma é registrado no computador numa fonte especial.

"Os índios têm sede de tecnologia", diz Álvaro Tukano, do Alto Rio Negro. Representantes da Funai, do MEC, da Universidade de Brasília (UNB) e do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict) andaram discutindo como atender a essa demanda. Resultado: a implantação de centros de computação em três aldeias tucanas, semente de um corredor digital que deverá brotar no Alto Rio Negro, na fronteira com a Venezuela e a Colômbia, região habitada por 22 povos.

Há mais acontecendo nessa área. O portal Índios Online - rede que envolve as comunidades tupinambá, pataxó-hãhãhãe e tumbalalá, da Bahia;xucuru-cariri e caririxocó, de Alagoas; e pancararu, de Pernambuco; em cujas aldeias foram implantados terminais comunitários de computadores ligados à Internet via satélite - é o resultado de uma iniciativa da organização não-governamental (ONG) Thydewa, de Salvador, na Bahia, com suporte do Ministério da Cultura, da Associação Nacional de Apoio ao Índio e da Sociedade para a Cooperação Técnica alemã. E, para não ir muito mais longe, a Funasa anunciou a construção de 200 telecentros em terras indígenas, nos quais os usuários serão instruídos para pesquisar e acompanhar on-line programas governamentais de seu interesse.

Tecnologia "O mundo gira e ninguém mais acredita que será possível viver apenas de artesanato e pesca. Todos querem manter a língua materna, os alimentos típicos, mas não admitem isolamento", diz Osélio Isidório Messias, da etnia macuxi, técnico agrícola da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em Roraima. Ele faz um relato interessante da situação no estado. Ali vivem 10 mil indígenas. São donos de 10% do plantel estadual de gado, cultivam frutas, dispõem de 33 escolas de ensino médio e ocupam 160 vagas em faculdades. Usam máquinas nos campos. Um convênio da Secretaria do Estado do Índio com o Banco do Brasil possibilitou a implantação de projetos apícolas em 15 comunidades no início do ano. A primeira safra deverá ser colhida no segundo semestre e, até dezembro de 2008, pretende-se que 8, 4 mil colméias gerem 243 toneladas anuais de mel.

Messias, cujo trabalho é coordenar, junto aos uapixana, o plantio de uma espécie de feijão, o caupi, excelente fonte de proteínas, aminoácidos, carboidratos, vitaminas e minerais, fala também a respeito de sua atividade. "Essa comunidade, originalmente, era nômade. Hoje, fixa e com população crescente, sofre por falta de proteínas na alimentação. Daí a necessidade de resgatar espécies nativas de mandioca e de plantar o feijão, que também poderá ser comercializado e servir de fonte de renda. "O Centro de Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen), da Embrapa, já forneceu sementes de espécies tradicionais às comunidades craôs, em Tocantins, que estavam abandonando suas terras. Resultado:a agricultura tradicional foi restaurada e nota-se melhoria na nutrição e na qualidade de vida das pessoas.

No capítulo educacional, é preciso registrar ainda que um número cada vez maior de universidades oferece programas específicos para indígenas. Outras abrem vagas para eles em sua grade convencional. Alguns exemplos. Neste ano, 1. 183 candidatos se inscreveram no primeiro vestibular da Universidade de Brasília para esses No capítulo educacional, é preciso registrar ainda que um número cada vez maior de universidades oferece programas específicos para indígenas. Outras abrem vagas para eles em sua grade convencional. Alguns exemplos. Neste ano, 1. 183 candidatos se inscreveram no primeiro vestibular da Universidade de Brasília para esses.

Segundo o Censo Escolar 2005, o número de indígenas matriculados em cursos de educação infantil e nos ensinos fundamental e médio cresceu 17, 5% nos últimos dois anos

Empreendedorismo Os indígenas também andam ativos no mundo dos negócios. Um bom exemplo é o dos iauanauás, do Acre. A tribo é composta de apenas 620 pessoas, mas provoca tremenda agitação. "Um povo que se isola e não é visto acaba sendo esquecido e até desrespeitado", diz o cacique Joaquim Taska Yawanawa, que, em abril, viajou com sua mulher, Laura Soriano Yawanawa, para um mês de encontros com lideranças indígenas, empresários e ONGs nos Estados Unidos. Joaquim estudou em Rio Branco, capital do Acre. Lá conheceu o presidente da multinacional de cosméticos Aveda, interessado na tinta vermelha da semente de urucum. Daí nasceu uma parceria que já completou 13 anos. Anualmente, a tribo exporta cerca de 4 toneladas de urucum. Seus escritórios são conectados via satélite. Joaquim estudou inglês em Santa Bárbara, na Califórnia, e aprendeu computação gráfica em San Francisco, também nos Estados Unidos. Escreveu e dirigiu um documentário sobre seu povo que concorreu ao prêmio de melhor documentário do Sundance Festival, promovido pelo ator norte-americano Robert Redford, no ano passado. A mais recente iniciativa desse empreendedor de muitos talentos é um acordo com a grife Zoomp para a criação de uma coleção de camisetas com os desenhos milenares da tribo. E, para encerrar a conversa sobre essa etnia, há outro destaque: Raimunda Putani, de 25 anos de idade, uma das poucas mulheres com status de pajé no país, tornou-se, em março, a primeira indígena a receber o Diploma Mulher-Cidadã Bertha Lutz, do Senado. Motivo: a coragem de seu trabalho em favor da manutenção da cultura de seu povo.

O espírito empresarial pode ser observado em outras comunidades. O Instituto Raoni, com apoio financeiro do governo belga, implantou três indústrias de extração de óleo de castanha no Xingu. Os 1, 5 mil índios de três aldeias caiapós, que viviam da exploração de madeira e do garimpo, abandonaram essas atividades e já têm contratos para a exportação de mais de 4 mil litros de óleo.

Novas possibilidades surgem na área do turismo, ou etnoturismo, como diz Yêda Marli de Oliveira Assis, secretária de Desenvolvimento do Turismo de Mato Grosso, uma das arquitetas do Roteiro Xingu, lançado em março e administrado pela Associação Puwira Wenw, criada pelos índios. O roteiro proporciona a convivência de visitantes (admitidos em grupos de 14 por estada) com os 600 habitantes das comunidades trumai e uaurá. A hospedagem é uma réplica de aldeia indígena, construída nos limites do parque, no município com o insólito nome de Feliz Natal (distante 553 quilômetros de Cuiabá). Espera-se que 300 pessoas passem por lá todos os anos. A primeira turma, de 12 japoneses, desembarcou na última semana de março. O preço da experiência exótica varia de 2, 8 mil a 4, 5 mil reais (conforme o viajante prefira andar de avião ou por estradas), e o faturamento é investido em equipamentos para aumentar a fiscalização e evitar agressões ambientais na região.

Para encerrar esse passeio, convidamos o leitor a conhecer Rogério Ferreira da Silva, pertencente à etnia terena, remanescente da nação guaná, do município de Miranda, em Mato Grosso do Sul. Ele é bolsista da Embrapa. No final de fevereiro, defendeu tese de doutorado na Universidade Estadual de Londrina, no Paraná. Seu trabalho trata do funcionamento biodinâmico do solo, conhecimento que pode contribuir para a sustentabilidade da agricultura. Como outros que aparecem nesta reportagem, Rogério é prova de uma das lições que costuma ensinar aos jovens de sua aldeia: "Com dedicação e perseverança, somos capazes de vencer".

Saiba mais:

Fundação Nacional do Índio (Funai)
www. funai. gov. br

Portal Índios Online
www. indiosonline. org. br

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
www. ibge. gov. br/estatistica/populacao/ tendencia_demografica/indigenas/ defaulttab. shtm

Texto para Discussão "Desigualdade racial no Brasil: evolução das condições de vida na década de 90 acerca do racismo"
www. ipea. gov. br/pub/td/td_2001/td0807. pdf

Povos Indígenas no Brasil - Instituto Socioambiental
www. socioambiental. org/pib/index. html

Fórum permanente de questões indígenas da Organização das Nações Unidas
www. un. org/esa/socdev/unpfii/index. html

 

Das mais de 170 línguas faladas no Brasil, somente 25 estão registradas. Começam a surgir cartilhas e dicionários para ajudar os professores a preservar o patrimônio cultural dos índios

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Nascido na aldeia Cachoeirinha, em Mato Grosso do Sul, ainda criança Rogério Ferreira da Silva trabalhava na roça. Aos 17 anos decidiu estudar. Tornou-se parte do 0, 5% dos indígenas brasileiros que ingressaram num curso superior. Mais tarde, na Embrapa Agropecuária Oeste, pesquisou maneiras de minimizar os impactos da agricultura no solo. Em fevereiro, defendeu a tese "Biofuncionamento e sustentabilidade do solo em diferentes agroecossistemas no Estado de Mato Grosso do Sul", na Universidade Estadual de Londrina, no Paraná, e se tornou doutor. A seguir, a entrevista concedida por ele a Desafios.

Desafios - Como foi sua infância? Como era a vida na sua aldeia?
Ferreira da Silva - Sou da etnia terena. Os terenas são agricultores natos, portanto, aos 10 anos já enfrentava o batente da roça. Mas com o crescimento populacional a reserva se tornou insuficiente. Ocorreram sérios problemas sociais, como êxodo para periferias de centros urbanos;os homens saindo para trabalhar nas usinas de álcool, nas fazendas ou nas cidades como "mãode- obra barata", e as mulheres se empregando como domésticas nas cidades vizinhas.

Desafios - Como o senhor saiu desse ambiente e se tornou doutor? Quais são seus projetos?
Ferreira da Silva
- O caminho dos estudos me pareceu uma alternativa promissora. Fiz o curso de Técnico em Agropecuária, em Cuiabá, que apesar da grande distância (a escola de Aquidauana era bem mais próxima da aldeia) oferecia alojamento e alimentação aos estudantes. Depois, cursei Agronomia na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, nas mesmas condições. Em 1995, fui selecionado para o Mestrado em Ciência do Solo com bolsa de estudos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Em seguida, fui diretor do Departamento de Agricultura e Secretário Municipal de Agricultura e Meio Ambiente de Tanguá, no Rio de Janeiro. Em abril de 2001 regressei ao Mato Grosso do Sul, onde fiz pesquisas relacionadas à qualidade do solo. Voltei à academia ao ser aprovado no concurso de doutorado da Universidade Estadual de Londrina (UEL), com bolsa do CNPq. Meu projeto é atuar numa instituição junto à comunidade indígena. É contribuir para uma sociedade mais justa e digna.

Desafios - Nesse tempo, quais as principais dificuldades que o senhor enfrentou?
Ferreira da Silva
- Enfrentei muitos desafios, como a falta de recursos financeiros, a dificuldade em acompanhar as disciplinas (em virtude da base escolar deficiente), o afastamento de minha comunidade e de meus familiares, e a indiferença dos brancos. Mas contei com pessoas de bom coração que me ajudaram a chegar aonde cheguei.

Desafios - O que o senhor pensa da situação indígena no país?
Ferreira da Silva
- Considero a situação bastante precária. Mais grave do que tem sido discutido pela sociedade. Uma saída para o problema é a educação, que possibilita uma compreensão mais clara de nossos dilemas e a busca de parcerias. Não há melhor maneira de garantir respeito a um povo do que lhe proporcionar qualidade de vida e assegurar sua permanência no tempo.

Desafios - Como está, hoje, sua comunidade?
Ferreira da Silva
- Estima-se que os terenas sejam 19 mil pessoas. Vivemos acantonados em pequenas glebas remanescentes de nossos antigos territórios, cercadas por fazendas. Como a terra é pouca e a densidade demográfica é elevada, enfrentamos condições subumanas de trabalho em fazendas e usinas de cana-de-açúcar, alcoolismo, doenças, prostituição e baixa qualidade de vida de maneira geral. Por nossa interação com a sociedade da região onde vivemos, dizem que somos aculturados, mas preservamos nossa identidade étnica e somos identificados como índios.

Desafios - A convivência com a sociedade branca não o levou a deixar de lado suas raízes?
Ferreira da Silva
- Segundo alguns estudiosos, o indivíduo perde a identidade cultural quando sai do seu meio. Eu não penso assim. Apesar da interação com a sociedade branca, tenho orgulho de ser identificado como indígena e preservo a língua terena, o que acho primordial. Além disso, mantenho laços estreitos com minha etnia. Normalmente retorno à aldeia a cada três meses. Procuro conversar com os jovens, mostrar a eles que com dedicação e perseverança somos capazes de vencer.

 
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